Não são muitas comédias que conseguem nos fazer rir do início ao fim, mantendo um ritmo constante, seja de aventura, ou de frequentes quebras de expectativa – o clássico Curtindo a Vida Adoidado é um bom exemplo, que se tornou um filme eterno, podendo atingir de forma certeira qualquer direção. Mais raro ainda, contudo, é quando uma obra do gênero consegue nos levar em tamanha espiral de emoções que, no fim, somos pegos nos perguntando diante de que tipo de longa-metragem estamos. Feitiço do Tempo é um desses filmes, uma mistura perfeita de comédia, sarcasmo, humor negro, drama, romance e aventura que, no fim, nos deixa totalmente apaixonados pelo que acabamos de ver.
Tudo começa quando Phil (Bill Murray), um rabugento repórter, viaja para uma pequena cidade junto de seu operador de câmera e sua produtora para cobrir um evento conhecido como o Dia da Marmota, em que o dito animal prevê a chegada prematura da primavera ou não. Odiando cada segundo de sua estadia naquele fim de mundo, Phil acaba sendo forçado a permanecer ali em virtude de uma nevasca que os impede de retornar para suas cidades. O que o repórter não sabia, todavia, é que ele dormiria e voltaria no tempo para o início do dia do festival. Mantendo todas as suas memórias, ele é forçado a viver, repetidamente, em um mundo no qual o tempo não avança para o amanhã.
É interessante observar como o roteiro de Harold Ramis e Danny Rubin sabe desenvolver seu protagonista. Obviamente, Bill Murray, estando presente em praticamente todas as cenas, garante não só a ele como ao roteiro a possibilidade de explorar o personagem a fundo, mas o que nos chama a atenção é a maneira humana como ele é tratado. Partindo de um homem sem amor nenhum pela vida, aprendemos a prever o que ele irá fazer a seguir e suas ações iniciais são mais que justificadas. O texto, porém, não fica no óbvio e logo começa a flertar com o inesperado – jamais sabemos o que se passará no próximo Dia da Marmota e essa curiosidade criada em nós já é o suficiente para querermos continuar assistindo o filme.
Mas, como eu disse, Phil é explorado a fundo e logo começamos a enxergar as diferenças em sua personalidade. De rabugento, ele passa para louco, para aproveitador, apaixonado, depressivo e, enfim, para uma pessoa verdadeiramente boa, que sente prazer em ajudar os outros. O roteiro, aqui, é muito esperto em não deixar claro quanto tempo se passou desde a primeira repetição. Podemos acreditar que foram meses, anos ou décadas, o que já garante um realismo dentro da proposta do longa-metragem. O curioso é como sentimos o que o protagonista sente, seja sufocado por essa estagnação ou felizes com as infinitas possibilidades diante dele.
Evidente que a obra muito deve ao trabalho de Murray, que sabe transitar de forma fluida entre esses estados de espírito, apoiado por um roteiro que justifica seu ânimo a cada dia. Enxergamos no rosto do ator toda a mudança que seu personagem passa ao longo desse tempo, como se seu olhar ganhasse uma maior sabedoria e sua voz o peso dos anos de aprendizado (se é que foram anos mesmo). O sarcasmo na voz do ator também garante muitas das risadas ao longo do filme, desde ele prevendo os pequenos acontecimentos na rua, até a icônica cena na qual ele dirige com a marmota no colo. Acima disso, porém, sentimos todo o peso carregado por ele quando conversa com Rita (Andie MacDowell), por quem realmente se apaixona – não há como não sentir uma tristeza pelo personagem, que é forçado a acordar no dia seguinte sem que ela se lembre de tudo o que passaram juntos.
Um ponto bastante positivo da obra, que muito a diferencia de outras do mesmo gênero, é como o ritmo da narrativa contém a dose certa de drama e comédia. Ao invés de termos muito de um no início para lentamente o filme ser tomado por um tom mais sério, há uma nítida harmonia que permite um melhor equilíbrio desses dois dentro da projeção. Evidente que o tipo do humor sofre alterações conforme avançamos na trama, mas ele jamais deixa de existir, seja quando Phil decide matar-se inúmeras vezes, seja quando está em momentos românticos com Rita.
Feitiço do Tempo consegue, dessa maneira, fisgar-nos de forma certeira, não nos permitindo tirar os olhos da tela. Sentimos e vivemos como o protagonista em sua interminável sequência de dias repetidos, rimos, choramos e nos apaixonamos junto com ele, apenas para, como em um passe de mágica, ficarmos livres do Dia da Marmota e, como Phil, querermos repetir a dose mais uma vez. Um filme de comédia verdadeiramente icônico, que certamente merece um espaço de destaque dentro do gênero, permanecendo como uma boa lembrança em nossas memórias.
Feitiço do Tempo (Groundhog Day) — EUA, 1993
Direção: Harold Ramis
Roteiro: Harold Ramis, Danny Rubin
Elenco: Bill Murray, Andie MacDowell, Chris Elliott, Stephen Tobolowsky, Brian Doyle-Murray, Marita Geraghty, Angela Paton
Duração: 101 min.