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Crítica | Feios (2024)

A vesga e o narigudo.

por Luiz Santiago
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Feios é a adaptação do primeiro livro de uma série homônima, composta também pelos títulos Perfeitos, Especiais e Extras. Escrita por Scott Westerfeld, em 2005, a obra transporta para um ‘futuro distopicamente utópico’ da humanidade, toda a dinâmica de mudanças pelas quais todos passam, especialmente na adolescência. No cenário de ficção científica, porém, essa metáfora para a metamorfose da vida é corrompida por uma estrutura social que vê na alteração física a única saída para a situação em que vivem as crianças e adolescentes antes de passarem pela transformação que lhes tirará as imperfeições do corpo e, como descobriremos depois, lhes afetará a mente. O roteiro procura fazer uma adaptação que abrace muito mais o espectador jovem, com discursos fáceis, diálogos rasos, muito didatismo e um trabalho de efeitos decente, que provavelmente irá ludibriar e capturar boa parte dos espectadores desatentos ao restante do conjunto fílmico.

Segundo os roteiristas, a “natureza humana” é a responsável por criar as classes sociais, as fronteiras hostis entre os países, as guerras e os problemas de interação e organização social. Tudo bem que não se pode esperar nada diferente de um abraço cego e apaixonado ao capital, vindo de Hollywood, mas para um enredo que bate inúmeras vezes na tecla de que os “enferrujados” destruíram o mundo por conta do uso desenfreado de combustíveis fósseis, por profunda destruição da natureza, por conflitos bélicos de grandes proporções e divisões sociais graves, era ao menos de aludir que conseguissem fingir encontrar o real responsável (o sistema, os ajustes e a organização econômica social então vigentes) em vez de jogar a culpa da materialidade histórica num aspecto ético-moral (e às vezes filosófico e semântico) que pouco ou nada tem a vez com os complexos caminhos da estrutura civilizacional: a tal indefinível “natureza humana”. Desse ponto em diante, já se sabe que o futuro explorado pelo texto e as eventuais críticas (???) serão apenas mímicas.

Este é um filme do tipo “raspa do tacho” entre as populares adaptações de obras de fantasia e ficção científica, com nuances sociopolíticas, feitas para um público jovem. Em safras anteriores, tivemos Jogos Vorazes, Maze Runner e Divergente, por exemplo, e a receita, em geral, permanece a mesma, alterando-se apenas a qualidade final dos produtos. No caso deste longa, dirigido por McG, o que encontramos é um emaranhado de situações que poderiam ser interessantes se fossem expandidas, o que infelizmente não acontece. O espectador não tem tempo para abstrair as sequências, porque o cineasta não cria senso de pertencimento em nenhum dos lugares — se bem que os dormitórios acabam sendo melhor compreendidos e relacionáveis, por terem um tantinho a mais de atenção na condução das cenas. Por conta dessa ânsia em querer colocar dezenas de coisas num pequeno espaço de cenas, as ações dos personagens principais parecem artificialmente progressivas, tornado ainda piores os momentos de mudança de pensamento, redenção ou “queda de máscaras”.

Caso se desse o trabalho de focar no principal aspecto da jornada da protagonista (interpretada pela insossa Joey King), o longa conseguiria transmitir a ideia central do livro e insistiria na perda da personalidade e características humanas, com capacidade de escolhas conscientes (a despeito do contexto social) para a criação de um corpo considerado “perfeito”. Notem como a mudança de Shay (Brianne Tju), no final, acaba sendo estéril e extremamente caricata, tendo zero efeito crítico, como era a intenção. O mesmo vale para a mudança ideológica de Tally e a percepção dela por parte do grupo da Fumaça, uma transformação que parece não ter sentido algum dentro do filme, já que o diretor não dá tempo para que isso pareça orgânico, e nem cria situações em que a revelação da mudança seja interessante. A despeito das ações, construção da nova cidade (mais a bela fotografia dentro dela) ou a ideia da sociedade da Fumaça, o filme é um verdadeiro rascunho temático que se ancora na continuidade para encobrir o buraco narrativo que deixou. Começou mal. Como ficar animado para o que vem depois?

Feios (Uglies) — EUA, 2024
Direção: McG
Roteiro: Jacob Forman, Vanessa Taylor, Whit Anderson (baseado na obra de Scott Westerfeld)
Elenco: Joey King, Brianne Tju, Keith Powers, Chase Stokes, Laverne Cox, Charmie Lee, Jay DeVon, Jan Luis Castellanos
Duração: 102 min.

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