- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas de todos os episódios da série e, aqui, de todo nosso material do universo The Walking Dead.
A capacidade de Fear the Walking Dead de se reinventar deveria ser uma qualidade. Afinal, na maioria das circunstâncias, a habilidade de se transformar e evoluir de maneira significativa é bem vista e, claro, uma raridade em séries de TV. No entanto, na série, essa característica é fonte de seguidas decepções e uma demonstração clara do mais completo desgoverno sobre o caminho que ela deve seguir. Afinal, temos que lembrar que tudo começou no já longínquo ano de 2015, com o anúncio da série com o primeiro spin-off da então ainda quente The Walking Dead e, mais ainda, como um prelúdio que ensaiaria uma abordagem dos primórdios da pandemia zumbificadora, mas até nisso Fear the Walking Dead fracassou de maneira retumbante, logo não passando de uma repetição piorada da recém-finada série-mãe.
A primeira reinvenção de FTWD foi quando ela pulou temporalmente e, de prelúdio, tornou-se até uma “continuação” por um breve período de tempo, seguida de uma quase completa alteração de foco com a eliminação paulatina de seu elenco principal, a chegada de Morgan e a introdução de um novo elenco principal que, por sua vez, não só começou a ser eliminado, como colocado no banco de reservas, isso sem contar com a troca de showrunners, claro. O resultado disso é que a série nunca conseguiu se fixar, nunca conseguiu efetivamente emplacar seus personagens em arcos narrativos completos. Com o retorno de Madison Clarke – supostamente morta por três temporadas e meia – no último episódio da temporada anterior e a suposta morte de sua filha no episódio anterior, uma nova reinvenção começou.
E essa reinvenção continua com força total em Remember What They Took from You que nos apresenta a um status quo completamente novo que conta com um salto temporal de algo como sete anos, com Madison presa, depressiva e suicida em PADRE, com Mo, agora rebatizada de Wren (Zoey Merchant), ali no misterioso complexo insular sequestrador de bebês apesar da fuga de Morgan com ela ainda bebê, com Morgan e Grace trabalhando remotamente para PADRE, o primeiro como Coletor e a segunda como faz-tudo e com todos os demais personagens da série – Daniel, Strand, Luciana, June, Dwight, Sherry (há mais?) – em lugares incertos e não sabidos. Não é um novo embaralhamento de cartas desinteressante, confesso, mas, muito sinceramente, ele não me empolga justamente pelo passado que mais do que condena a série e suas tentativas estabanadas de recomeços. Torço para que funcione, já que serão 12 episódios – divididos em duas metades de seis ao longo de 2023 – que acompanharei e não quero sofrer como em Titãs, mas eu duvido, duvido MESMO que funcione.
Michael E. Satrazemis até consegue criar visuais interessantes para os “monstros do pântano” que servem de traumas passados e presentes para a pequena ex-Mo e a relação belicosa entre a Madison aguerrida e o Morgan domado consegue ser boa o suficiente, mas tudo é muito corrido e tudo o que “não pode ser contado”, como Morgan diz um milhão de vezes, acaba sendo devidamente contado ao final, com uma reversão muito fácil de opiniões, o que cansa demais o espectador que espera algo mais firme do roteiro escrito pelos showrunners. Quando os 50 minutos de episódio acabam, parece que todo o esforço para mudar foi aquela “boa e velha” armadilha para atrair globos oculares para o programa e para criar o “oba oba” nas redes sociais que, claro, provavelmente discutirão incessantemente o salto temporal e o que isso significa para a linha temporal da franquia, ou seja, a famosa perda de tempo com coisas que, no fundo, são insignificantes (e não, não tenho ideia o que isso significa para a linha temporal da franquia e eu simplesmente não quero saber).
Pior do que isso é a péssima impressão de que, nessa primeira metade, teremos mais cinco episódios que gravitarão ao redor de uma nova fuga de Madison, Morgan e de Mo/Wren de PADRE e as historinhas dos demais personagens conhecidos da série ao longo de todo esse tempo, de forma que eles possam se reunir para a segunda metade da temporada. Isso já foi tentado antes em Fear the Walking Dead e foi um fracasso total. Não tenho razão alguma para acreditar que, desta vez, será diferente, especialmente porque não temos mais os Dories e, se tudo continuar como antes, Daniel Salazar, personagem criminalmente diminuído, continuará inútil. Minha única desconfiança é que aquela voz misteriosa no alto falante de PADRE seja a de Strand, o que pode ser um bom tempero, mas não sei se isso é viagem minha.
Portanto, em um mundo perfeito, eu talvez estivesse batendo palmas para uma nova reinvenção de uma longeva série que finalmente está para acabar, mas minha rabugice impede qualquer demonstração exterior de confiança no que Andrew Chambliss e Ian Goldberg estão planejando fazer. Mas, como não sou completamente insensível (mentira, sou sim…), decidi subir minha nota inicial de 2,5 para 3 HALs só na esperança de que, bem diferente do que imagino e contra todas as probabilidades, Remember What They Took from You seja o começo de um belo fim.
Fear the Walking Dead – 8X01: Remember What They Took from You (EUA, 14 de maio de 2023)
Showrunner: Andrew Chambliss, Ian Goldberg
Direção: Michael E. Satrazemis
Roteiro: Ian Goldberg, Andrew Chambliss
Elenco: Lennie James, Kim Dickens, Karen David, Zoey Merchant, Maya Eshet, Jayla Walton
Duração: 50 min.