- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas de todos os episódios da série e, aqui, de todo nosso material do universo The Walking Dead.
Ah, mas que coisa bonitinha. John Dorie era pistoleiro e morreu baleado. Agora, Daniel, que fingiu ter perdido a memória, começa a ter problemas reais de perda de memória. É isso mesmo, produção? Os próximos passos serão matar Morgan por espancamento com um pedaço de pau, June de overdose de medicamento, Strand sendo enganado por um salafrário maior que ele, Dwight queimado e Alicia e Luciana por tédio profundo? Já percebemos a ironia, Srs. Andrew Chambliss e Ian Goldberg, mas não precisa esfregá-la em nossa cara desse jeito…
Afinal, não teria absolutamente nada contra o que aconteceu a Daniel – confusão mental causada por stress ou algum outro problema psicológico como afirmou categoricamente a Enfermei… digo, Doutora PhD em psiquiatria June – não fosse aquele fingimento anterior que não só foi sem sentido, como também não teve função narrativa clara em momento algum. A não ser que ele esteja fingindo de novo, claro, pois aí a coisa será tão ridícula, mas tão ridícula, que será engraçada e valerá a pena ver as caras de tacho de seus amigos. Mas creio que não. Essa foi só uma maneira, ao que tudo indica, de sacramentar Daniel como um personagem de banco de reserva. Ou reserva do reserva, em mais uma clara demonstração que os showrunners não sabem muito bem o que fazer com os personagens da série.
Mas, novamente, seria bacana se Daniel já não viesse de uma “falha de memória”, só que proposital. Ficou realmente parecendo roteiro preguiçoso que acha que está sendo esperto. E não. Não adianta criar um episódio narrador por Daniel preso – como um narrador não confiável – conversando com alguém misterioso se esse alguém misterioso é June e não alguém cuja revelação justificaria a manutenção da identidade escondida pelo tempo que foi. O artifício do traidor no meio da reunião das Nações Unidas ali na represa mais furada do mundo de Morgan até diverte, mas divertiria mais se o retorno à narração de Daniel não fosse tão canhestra e tão obviamente indicando que ele era o culpado por tudo.
E vejam, apesar de estar fazendo uso generoso de sarcasmo e ironia no que escrevi até agora, não detestei o episódio. Há coisa boa nele, começando pelo destaque dado a Rubén Blades cuja atuação deixa evidente o quanto estamos perdendo com a manutenção do personagem nos bastidores da série. É um verdadeiro desperdício deixar o ator sumido por tanto tempo, dedicar um episódio a ele que ele tira de letra, somente para, ao que tudo indica, fazê-lo desaparecer novamente. E a estrutura não-linear também diverte, com a montagem e a decupagem de Heather Cappiello funcionando com bastante eficiência, mesmo que o roteiro tenha que marretar algumas coisas aqui e ali para tudo dar certo, especialmente o quão frágil de repente a fortaleza de Morgan tornou-se e a abordagem do lapso temporal de algumas semanas em que, aparentemente, o inimigo misterioso passou a ser a coisa mais importante do mundo. Outro ponto que merece destaque é o conflito entre Daniel e Victor, com direito a passado remexido que esquenta o conflito entre os dois da mesma forma que nos relembra o quanto já aconteceu nos anos anteriores.
A resolução do “mistério” poderia ter sido mais bem trabalhada, talvez amplificando os ares de Agatha Christie à história e não correndo para chegar ao final e à revelação, com diversas descobertas acontecendo off screen, quebrando o suspense e talvez cedo demais apontando para Daniel. É como se os roteiristas tivessem, de repente, assim como o protagonista do episódio, esquecido que começaram o capítulo como um whodunit e partido logo para os momentos finais, sem que o miolo ganhasse desenvolvimento maior do que acontecimentos apressados que vão ocorrendo em uma sucessão para lá de conveniente.
A temporada me parece à deriva, sem realmente ter um norte. A cada solidificação maior de ameaças ou de personagens, há uma mudança repentina que tira a impressão de uma história só e faz a narrativa descambar para uma incômodo estrutura de “caso da semana” ou, talvez melhor dizendo, “personagem da semana”. Sem uma ameaça palpável ou sem que os próprios e infindáveis personagens da série sejam desenvolvidos nesse sentido – como disse na crítica passada, seria muito interessante, por exemplo, se Strand fosse posicionado como vilão, mas não me parece que será o caso -, Fear the Walking Dead caminha como os desmortos que povoam esse universo, ou seja, sem rumo, apenas ocasionalmente encontrando carne saborosa para digerir, mas logo perdendo interesse.
Fear the Walking Dead – 6X10: Handle with Care (EUA, 25 de abril de 2021)
Showrunner: Andrew Chambliss, Ian Goldberg
Direção: Heather Cappiello
Roteiro: Ashley Cardiff, David Johnson
Elenco: Lennie James, Alycia Debnam-Carey, Maggie Grace, Colman Domingo, Danay García, Garret Dillahunt, Austin Amelio, Alexa Nisenson, Rubén Blades, Karen David, Jenna Elfman, Demetrius Grosse, Michael Abbott Jr., Zoe Margaret Colletti, Devyn A. Tyler, Christine Evangelista, Peter Jacobson, Cory Hart, Raphael Sbarge
Duração: 44 min.