Obs: Há spoilers. Leia a crítica de todos os episódios da série, aqui.
Se Ouroboros colocou a segunda temporada de Fear the Walking Dead de volta aos trilhos, Blood in the Streets veio para mostrar que definitivamente há uma luz no final do túnel. Com uma narrativa bem construída e ao mesmo tempo unificada e segregada, o episódio soube trabalhar bem seu elenco, talvez pela primeira desde que a série começou, conseguindo, ainda, introduzir novos e potencialmente importantes personagens.
A unificação que mencionei se dá quando Abigail é abordada por três jovens piratas usando uma grávida como isca para gerar a simpatia necessária por parte de Madison e Travis, ambos sofrendo ainda pela crueldade de Strand ao cortar a corda do bote com Alex e Jake ao final do capítulo anterior. Todos assumem seus postos e, em uníssono silencioso, começam a tramar a retomada do iate. Travis mostra-se útil ao revelar que saberia ligar os motores sem as chaves e, no processo, enrola o nervoso Reed (Jesse McCartney) e consegue coordenar-se com Daniel, escondendo uma arma no sofá. Alicia, por sua vez, usa seu charme para encantar Jack (Daniel Zovatto), aquele rapaz com quem ela conversou pelo rádio no primeiro episódio e que, agora, é confirmado como vilão (ainda que menos mau do que seu colega Connor, vivido por Mark Kelly). Madison faz de tudo para desconcentrar e enraivecer a moça grávida (Veronica Diaz-Carranza) com uma ótima conversa para lá de mórbida. Até mesmo o difícil de engolir Chris mostra-se aguerrido e suficientemente bem trabalhado nesse contexto, com tempo até mesmo, por alguns segundos, conversar com Ofelia, essa sim ainda completamente perdida na série.
Toda essa trama, que se passa no barco depois que Strand estranhamente foge de lá, funciona organicamente, cumpre seu papel em elevar a tensão e cria – finalmente! – algum grau de empatia com o elenco, algo que a série precisa cultivar urgentemente. Nada de zumbis para atrapalhar a história, apenas uma trama simples, mas bem pensada, que trabalha em cima dos poucos traços de personalidade que vimos de cada personagem até agora.
E, já que mencionei Strand, apesar de sua fuga atabalhoada não ter funcionado bem, por fugir completamente do personagem frio e calculista que vinha sendo construído até o momento, temos a primeira oportunidade de conhecer um pouco mais sobre ele. A série, pela primeira vez, usa flashbacks que mostra sua vida pré-apocalipse zumbi como um, digamos, apostador em desgraças, depois que faz parceria com o milionário Thomas Abigail (Dougray Scott), cujos cartões de crédito ele furta para fugir da falência. Com esses olhares ao passado, Strand ganha outra dimensão, uma muito mais humana – fria ainda, sem dúvida, mas com camadas interessantes – e, ao mesmo tempo, uma explicação para sua fortuna, para a mansão e o iate e um vislumbre de seu plano de esconder-se no México, além de justificar, para nós ao menos, seu resgate ao final por Madison.
Os diálogos entre Strand e Thomas são inicialmente bem construídos, fluidos e passam perfeitamente a mensagem sobre a potencial relação amorosa entre os dois, algo amplificado pela ótima atuação de Domingo e Scott. Tenho a impressão, porém, que talvez Strand estivesse usando Thomas e não verdadeiramente apaixonado por ele, mas isso provavelmente ficará mais claro – ou não – em episódios posteriores. No entanto, o roteiro de Kate Erickson não para por aí e insiste em uma “revelação”, usando a sexualidade de Strand como um artifício narrativo para tentar pegar o espectador de surpresa, como um plot twist. Tenho para mim que mastigar e manobrar esse aspecto, que já havia ficado nas entrelinhas, foi desnecessário e mostrou uma certa imaturidade no tratamento do tema. Teria sido bem mais interessante se os flashbacks já tivessem sido abertos com a relação consolidada e contar-nos os eventos a partir daí.
Apesar de ter sido alvo da primeira sequência do episódio, deixei a viagem solitária de Nick propositalmente para o fim. O mistério sobre seu propósito é mantido a sete chaves até o fim, mas qualquer espectador minimamente experiente deduziu que pelo menos ele estava a mando de Strand. De toda forma, a escolha de se manter um certo mistério no ar foi acertada, pois esse terceiro vértice narrativo criou a cola necessária para unir os outros dois. Nick tinha que achar Luís (Arturo Del Puerto) e trazê-lo até Abigail e, para isso, usa sua recém-descoberta técnica de lambuzar-se de sangue e entranhas de zumbi para passar incólume pelos monstros. O interessante é ver Frank Dillane agir daquela maneira tranquila e blasé diante das mais tensas situações, quase que como se o vício por drogas de Nick tivesse sido substituído por um outro tipo de vício, um vício por adrenalina, por talvez sentir-se perfeitamente encaixado não no mundo de sua mãe e padrasto, mas sim no mundo zumbificado ao seu redor. Nick é, definitivamente, um personagem intrigante, difícil de se ler e vem ganhando a melhor construção da série juntamente com Strand.
Mesmo com seus problemas, Blood in the Streets mostra o potencial da série, algo que pode continuar agora que Travis e Alicia foram separados do grupo principal e levados pelo “capitão pirata” Connor (Mark Kelly). Com novos jogadores, o tabuleiro ficou mais denso e complexo e as aventuras marítimas de mais esse grupo de sobreviventes, de repente, ganharam vida.
Fear the Walking Dead – 2X04: Blood in the Streets (EUA, 03 de maio de 2016)
Criação: Robert Kirkman, Dave Erickson
Showrunner: Dave Erickson
Direção: Michael Uppendahl
Roteiro: Kate Erickson
Elenco: Kim Dickens, Cliff Curtis, Frank Dillane, Alycia Debnam-Carey, Mercedes Mason, Lorenzo James Henrie, Rubén Blades, Jamie McShane, Shawn Hatosy, Sandrine Holt, Colman Domingo, Michelle Ang, Brendan Meyer, Dougray Scott, Arturo Del Puerto, Daniel Zovatto, Jesse McCartney, Veronica Diaz-Carranza, Mark Kelly
Duração: 44 min.