Obs: Há spoilers. Leia a crítica de todos os episódios da série, aqui.
Ok, alguém me explica o que aconteceu aqui, por favor. Kari Skogland, que dirigiu o ótimo episódio anterior, pisa feio na bola em seu segundo episódio seguido a frente de Fear the Walking Dead. E não adianta culpar apenas David Wiener, o roteirista, pois há problemas na direção geral mesmo, ainda que roteiro também sofra.
A primeira questão é que Skogland não sabe exatamente o que quer. Sua câmera tremida, algo que, claro, não é incomum na série, é particularmente sentida aqui, exatamente por ela utilizá-la em momentos errados, quebrando a dramaticidade e chamando atenção para si mesma, sem um objetivo narrativo. Um exemplo disso é o diálogo bastante beligerante entre o Tenente Moyer e Travis, este último pela primeira vez tomando posição clara sobre uma situação. Vemos a conversa em um plano-contraplano mambembe e tremido que, muito diferente de passar nervosismo ou tom documental, dá impressão de uma escolha estilística aleatória com um fim em si mesmo.
O mesmo vale para os pontos-de-vista estranhos que a montagem, depois, não soube usar (ok, a culpa não cai inteiramente no colo de Skogland, mas vocês entenderam, não é?). Querendo mostrar o que Travis vê em seu passeio com os soldados, o espectador fica afastado da ação, mas sem que o efeito da confusão causada seja efetivamente sentido. É necessário que um soldado explique em detalhes, por dua vezes, que Moyer “não virá mais” para que Travis pare de perguntar onde está o Tenente.
Esse é um momento, aliás, que chega a ser constrangedor. Afinal, desde The Dog, quando fomos apresentados a Moyer, um confronto entre ele e Travis começou a surgir. Os eventos desde o início de Cobalt deixam isso à flor da pele, com Travis enfrentando Moyer, convencendo-o de deixá-lo visitar Griselda, Nick e Liza e, em seguida, vendo em primeira mão o sadismo do tenente que o obriga a atirar em um zumbi, algo que ele acaba não fazendo no único momento razoavelmente tenso do capítulo. O conflito esperado para o final, então, simplesmente desaparece como um passe de mágica, quando Moyer é aparentemente morto fora de cena e os soldados “bonzinhos” devolvem Travis à zona cercada. Completamente anticlimático e um desperdício completo de drama e construção de personagem. Justamente quando veríamos Travis firmar o pé, o tapete lhe é puxado sob seus pés e diante de nossos olhos. Não descarto que Moyer volte – pode ser que ele não tenha morrido, afinal de contas -, mas mesmo que volte o momento se foi e esse sim não volta, pelo menos não facilmente.
Mas as escolhas ruins do roteiro de Wiener continuam, com uma tentativa fraca de justificar a existência de Alicia e Chris nesse episódio, gastando minutos preciosos que poderiam ser empregados em mais tête-à-tête entre Daniel e Madison e/ou Madison e Travis. Mas não. O que vemos são dois adolescentes sendo adolescentes, com Alicia quase que regredindo à um estágio anterior de desenvolvimento. Sim, os dois passaram por traumas, os dois tiveram membro de suas famílias retirados do lar de maneiras estranhas, mas a forma como ambos enfrentam o problema não ajuda na história sendo contada, ainda que não seja completamente impossível de acreditar.
Mesmo que a coragem de se manter a série livre de zumbis mereça mérito, faltou o melhor aproveitamento de personagens. Daniel foi o único a ganhar os holofotes de maneira mais profunda. Descobrimos, vagarosamente e por sua própria boca, sua verdadeira natureza. Faltou talvez Skogland encontrar uma maneira elegante de levar isso às telinhas, já que a tortura do soldado Reynolds é escondida a todo custo, como se ela estivesse com vergonha do rumo da prosa. O impacto visual teria ajudado a revelação que ouvimos de um Daniel nada arrependido de seus pecados do passado que ecoam na voz da moribunda Griselda falando do demônio, claramente o próprio Daniel. Um momento forte que poderia ter sido realmente chocante em mãos mais inspiradas.
E, ainda que os momentos de Liza no tal hospital secreto não tenha realmente impulsionado a história, somos ao menos apresentados a outro personagem intrigante, Strand (Colman Domingo), que abre o episódio com um monólogo ambivalente no melhor estilo Hannibal Lecter. Quem exatamente ele é? E o que ele tanto quer com Nick? É “do bem” ou “do mal” ou um pouquinho dos dois? Duvido que saberemos muito mais no derradeiro episódio, mas não há dúvidas que, nesse ponto, Skogland soube atiçar a curiosidade do espectador.
Agora resta saber as consequências da retirada do exército da região, com o engatilhamento do protocolo que nomeia o episódio (foi só eu, ou parecia que nenhum soldado a não ser o torturado sabia o que iria acontecer no dia seguinte, apesar do assunto ser abertamente tratado no rádio?) e com a chegada de Daniel ao estádio trancado cujas portas fazem clara referência à icônica porta do refeitório do hospital onde Rick Grimes acorda lá na já longínqua 1ª temporada de The Walking Dead. O grande problema dessa preparação de final de temporada é que arriscamos chegar ao ponto da série-mãe (ou algo próximo) e isso é exatamente o que não pode acontecer com Fear the Walking Dead.
Uma derrapagem apenas não é algo tão grave, mas desanima, lógico. Sem dúvida alguma, tudo pode ser facilmente resolvido com um season finale digno para o que até agora parece ser uma boa temporada inaugural da série.
Fear the Walking Dead – 1X05: Cobalt (EUA, 2015)
Criação: Robert Kirkman, Dave Erickson
Showrunner: Dave Erickson
Direção: Kari Skogland
Roteiro: David Wiener
Elenco: Kim Dickens, Cliff Curtis, Frank Dillane, Alycia Debnam-Carey, Elizabeth Rodriguez, Mercedes Mason, Lorenzo James Henrie, Rubén Blades, Jamie McShane, Shawn Hatosy, Sandrine Holt, Colman Domingo
Duração: 46 min.