- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas de todo nosso material sobre Fargo.
Noah Hawley parece ter gostado da homenagem que fez a Os Intocáveis em The Nadir e resolveu investir o episódio seguinte em outra referência cinematográfica de peso, desta vez O Mágico de Oz, com um episódio quase que completamente em preto-e-branco que emula o começo do clássico de Victor Fleming, mas com bem-vindas pitadas típicas da cinematografia dos Irmãos Coen. Focado exclusivamente no destino de Rabbi e Satchel, que fugiram ao final de Camp Elegance, quando o primeiro salvou o segundo de uma execução – que, aliás, não iria acontecer – e levou o garoto embora sem falar com mais ninguém, o episódio é executado primorosamente, ainda que ele seja, lá no fundo, um sensível desvio da narrativa principal.
Mergulhando na história por meio de uma página de um livro despedaçado que faz referência a um crime verdadeiro que é falso – o que cria um literal quadro dentro de quadro, já que o que é Fargo que não histórias de crimes verdadeiros que são falsos? – vemos Omie parar seu carro ao lado de uma placa homenageando Clyde Tombaugh, que descobriu Plutão e oferecendo um cigarro para um soldado da família Fadda que está em seu porta-malas e que lhe conta que Calamita teria saído para matar alguém em Liberal, no Kansas, o que imediatamente leva o espectador a corretamente imaginar que ele está falando de Rabbi e Satchel. Sem pressa, a direção de Michael Uppendahl leva Omie a parar no posto de gasolina mais próximo para usar o local como armadilha para emboscar Calamita, com o momento climático sendo cortado para levar a história para o passado recente, mais precisamente o dia anterior, quando Rabbi e Satchel passaram pelo mesmo local.
A essa altura do campeonato, então, a história dentro da história ganha outra história que, claro, convergirá para a imediatamente anterior ao seu final, mas que, mais uma vez, a direção e o roteiro de Hawley e Lee Edward Colston II não têm a menor intenção de correr para chegar a esse ponto. Muito ao contrário, o flashback serve para que um novo miniuniverso seja apresentado, aqui representado pela surreal pousada dividida nas duas alas que dão nome ao episódio por irmãs brigadas e cuja recepcionista determina em que lado ficam os hóspedes por meio de um questionário de cunho religioso e político em uma divertida – ao mesmo tempo que triste – alegoria sobre o momento político atual no mundo, em que brigas são inconciliáveis e posicionamentos sobre os mais diversos assuntos, dos mais triviais aos mais sérios, levam a debates aguerridos sem que um lado seja capaz de reconhecer méritos no outro.
Enquanto Rabbi tenta recuperar o dinheiro que escondera em uma loja em Liberal que, com o tempo, passou por reformas, Satchel precisa lidar com os habitantes da estranha pousada, encontrando, no processo, um cachorrinho terrier branco de nome Rabbit suspeitamente parecido com o Totó, de Dorothy. Satchel definitivamente não está mais em Kansas City, Missouri, mas, ironicamente, está no Kansas, estado sulista em que negros como ele não são bem-vindos como o policial em Liberal deixa muito claro em uma angustiante sequência – porque também reflete no presente – em que a “autoridade” não hesita em preparar-se para atirar em razão da falta de respostas de um garotinho indefeso e seu cachorro em um carro.
As paredes muito claramente se fecham ao redor de Satchel e a ironia dolorosa do cartaz sendo montado com a inscrição “O Futuro é…” e, ao final, “O Futuro é agora.”, só termina de colocar o sal na ferida. Satchel, agora, está sozinho e a mensagem que seria facilmente lida como positiva em diversas outras circunstâncias, projeta uma nuvem sobre o que ele provavelmente terá que enfrentar agora. Mesmo que ele eventualmente seja confirmado – como muitos suspeitam – como Mike Milligan, da 2ª temporada da série, a impressão que dá é que sua jornada será dura e infeliz. O futuro é agora sim, sem dúvida, mas agora para brancos sorridentes com dinheiro para comprar casas em condomínios, como, aliás, também fora no passado. Nada mudou para Satchel e seu futuro é seu passado, com o diferencial, agora, de ele não ter mais um protetor além de seu simpático – e branco – cachorrinho.
No lado da ação, a sequência inicial de Omie chegando ao posto de gasolina encontra-se com a de Rabbi também parando por lá para comprar um doce para comemorar o aniversário de seu protegido e deparando-se como Calamita prestes a matar o soldado de Loy Cannon. Tiros são trocados, reviravoltas acontecem até que, muito rapidamente, chega um tornado para acabar com tudo, em mais uma evidente referência ao Mágico de Oz, só que com consequências bem mais trágicas. Aliás, devo dizer que fiquei muito bem impressionado com o uso de efeitos especiais aqui, que trouxe realismo à sequência ao mesmo tempo que um lirismo belíssimo quando Rabbi, não vendo mais opções, levanta os braços para o céu e se deixa levar pela natureza, com um belíssimo trabalho de câmera de Uppendahl. Dois dos mais interessantes personagens da série se vão em uma penada só e isso depois da vez de Deafy, no episódio anterior. O que mais está por vir por aí, hein?
East/West é quase que completamente uma história paralela, em um mundo paralelo, mas que conversa tanto direta quanto alegoricamente com todo o restante. Faltam apenas mais dois episódios para a temporada acabar e a estrada de tijolos amarelos definitivamente não aparecerá, pois não há saída para os personagens remanescentes da série que não seja trágica.
Fargo – 4X09: East/West (EUA, 15 de novembro de 2020)
Desenvolvimento: Noah Hawley
Direção: Michael Uppendahl
Roteiro: Noah Hawley, Lee Edward Colston II
Elenco: Chris Rock, Jessie Buckley, Jason Schwartzman, Ben Whishaw, Jack Huston, Salvatore Esposito, E’myri Crutchfield, Andrew Bird, Anji White, Jeremie Harris, Matthew Elam, Corey Hendrix, James Vincent Meredith, Francesco Acquaroli, Gaetano Bruno, Stephen Spencer, Karen Aldridge, Kelsey Asbille, Rodney L. Jones III, J. Nicole Brooks
Duração: 55 min.