- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas de todo nosso material sobre Fargo.
Por acaso, algumas horas antes de eu assistir Camp Elegance, fritei uns bifes na cozinha. A relevância dessa informação é puramente anedotária, mas eu a mencionei porque o resultado final de minha aventura culinária foi a recriação da mesma atmosfera esfumaçada que a 4ª temporada de Fargo se esmera em impor a seus ambientes fechados, algo que, em Camp Elegance, é particularmente visível na bela – e cômica do jeito Fargo de ser – sequência em que Odis é atacado pela gangue de Loy em seu apartamento. Aquela neblina fina que toma todo o cenário é absolutamente fascinante (e eu tenho certeza que não tem o cheiro de carne da minha…) e consegue criar uma ambientação ao mesmo tempo elegante e ameaçadora.
Esse momento, aliás, é definidor no episódio, já que marca a “delicada” conversão do policial em aliado da família Cannon, com um Loy sempre em evolução por parte de Chris Rock que, com a morte de Doctor Senator, simplesmente precisa mostrar a que veio em definitivo. E o roteiro entrega a ele um bom momento, ainda que talvez um tantinho didático, em que ele equaliza sua luta pessoal com a luta centenária de seus antepassados contra a escravidão, deixando bem evidente o abismo existente entre os negros e os brancos, mesmo que os brancos, na temporada, em sua grande maioria, também sejam alvos de preconceito (de natureza bem diferente e incomparável, mas mesmo assim preconceito).
Com isso, Loy tem as informações que precisa para mandar Zelmare e Swanee para capturar Gaetano, algo que elas fazem com incrível – e um pouco inverossímil, mas faz parte do charme da série – eficiência. Por alguns segundos achei que o sensacional personagem de Salvatore Esposito morreria assim rapidamente, mas fiquei feliz em ver que ele é apenas levado para tortura e para servir de moeda de troca pela morte do conselheiro de Loy, moeda essa que pouco valor, já que Josto, mesmo sendo ordenado pela máfia novayorkina a fazer as pazes com o irmão, não tem nenhuma intenção em deixá-lo vivo nessa disputa de poder.
A forma como o roteiro transita entre as famílias mafiosas é exemplar, mesmo que o episódio quase que literalmente introduza um novo personagem nominado – Antoon Dumini, vivido por Sean Fortunato – somente para servir de bucha de canhão (e eu sei que ele já apareceu nos episódios anteriores, mas meu ponto é que ele não era mais do que um extra e, de repente, ganha destaque só para morrer). É perfeitamente possível, porém, passar por cima desse problema já que não só a cena com ele e Satchel nos leva a um campo de concentração em solo americano para prisioneiros de guerra (existiram mais de mil deles), algo realmente diferente, como a direção de Dana Gonzales extrai o máximo de tensão possível da cena, mesmo que o espectador, lá no fundo, duvide da morte do garoto desde o primeiro segundo. Mas, assim como os ambientes esfumaçados, o que importa é a atmosfera. Dumini leva o garoto para ser morto no lugar onde ele mesmo renasceu, somente para ser morto por Rabbi, ironicamente no momento em que ele desiste de cometer o assassinato. Será interessante ver como essa situação será desdobrada, pois, se Rabbi não entrar em contato com Loy, o efeito prático do estratagema para Josto será potencialmente o mesmo.
O que não funciona muito bem no episódio são as demais tramas. O que antes parecia ter conexões mais umbilicais, aqui elas parecem soltas demais. Não houve nenhuma consequência prática para a família Smutny depois que Loy toma conta do negócio deles e Oraetta descarta muito facilmente a ameaça que a carta anônima de Ethelrida representa, ato contínuo retornando ao seu hábito de liquidar com pacientes. Mesmo que essas duas personagens sejam fascinantes por si só, pelo menos aqui em Camp Elegance elas pareceram distantes demais da história principal, com suas aparições, na verdade, detraindo da fluidez do todo. E o mesmo vale para Deafy. Na verdade, o mesmo exatamente não, já que o delegado federal aparece aqui muito rapidamente só mesmo para constar, dando aquela impressão ruim de desperdício do talento de Timothy Olyphant.
Mesmo com seus problemas, Camp Elegance hipnotiza pela sua atmosfera de “fumaça de bife frito”, pela forma como a história mafiosa ganha corpo em direção a uma guerra aberta e por grandes personagens como Josto, Gaetano, Odis e Calamita. O que falta é Loy subir ao mesmo patamar desses três, Deafy ser mais desenvolvido e todo o lado desconectado, digamos assim, ser efetivamente costurado – mesmo que tangencialmente – à história principal. Há ainda um bom caminho pela frente e não tenho muitas dúvidas de que é isso que veremos acontecer.
Fargo – 4X06: Camp Elegance (EUA, 25 de outubro de 2020)
Desenvolvimento: Noah Hawley
Direção: Dana Gonzales
Roteiro: Noah Hawley, Enzo Mileti, Scott Wilson, Francesca Sloane
Elenco: Chris Rock, Jessie Buckley, Jason Schwartzman, Ben Whishaw, Jack Huston, Salvatore Esposito, E’myri Crutchfield, Andrew Bird, Anji White, Jeremie Harris, Matthew Elam, Corey Hendrix, James Vincent Meredith, Francesco Acquaroli, Gaetano Bruno, Stephen Spencer, Karen Aldridge, Timothy Olyphant, Kelsey Asbille, Rodney L. Jones III, Hannah Love Jones, Tommaso Ragno, Sean Fortunato, Glynn Turman
Duração: 46 min.