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Crítica | Fallout 4

por Guilherme Coral
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estrelas 4,5

Meados de 2010, pela primeira vez montei um computador que suportasse, de fato, games da geração atual à época – sempre fui mais ligado aos consoles e aqui estava eu diante de uma nova experiência. Já conhecia Fallout de nome, mas nunca havia sequer encostado no jogo, eis que decido experimentá-lo, mais especificamente, Fallout 3, que já havia sido lançado há dois anos. A paixão foi imediata, “viver” em um mundo pós-apocalíptico, destruído pelas explosões nucleares, repleto de sarcasmo e humor negro rapidamente transformou esse game em um dos meus preferidos de todos os tempos. New Vegas veio pouco depois, expandiu o conceito, introduzindo novas mecânicas e um roleplaying que somente a Obsidian consegue proporcionar – jogos similares, mas que se distanciam da mesma forma que Knights of the Old Republic destoa de sua continuação pelo mesmo desenvolvedor. Não é preciso dizer que horas e mais horas – eu chutaria duzentas em cada um – foram gastas e a ansiedade por uma nova entrada, naturalmente, surgiu, algo que fora discretamente disfarçado por Skyrim, também da Bethesda.

Chegamos, portanto, a Fallout 4, que abre a nova geração para a franquia em um ano marcado por games de mundo aberto, como o fantástico The Witcher 3 e o bom The Phantom Pain. Com uma abertura em live action, que nos situa no universo em questão, o jogo apresenta o mundo em 2077, um Estados Unidos que seria utópico não fosse o medo do fogo nuclear iminente, possível consequência da sangrenta guerra com a China. Uma sociedade quase perfeita, sustentada pela energia nuclear, que movimenta desde os carros até robôs pessoais. Tudo isso é devastado quando inúmeras ogivas atingem as cidades americanas, dizimando toda a grande potência. Seu personagem – seja ele homem ou mulher, depende de você – sobrevive ao escapar para uma Vault, um dos muitos abrigos antibombas construído pela Vault-Tec a fim de assegurar o futuro da humanidade. Pouco sabe sua personagem, contudo que ali você seria congelado e acordaria apenas duzentos anos depois em um local conhecido apenas como Wasteland, no qual seu filho ainda bebê seria raptado e você precisaria entrar em uma odisseia para o reencontrar.

Essa é a premissa inicial do game, uma simples busca pelo filho perdido, dialogando imediatamente com a procura realizada em Fallout 3 pelo pai.  O que inicia simples, porém, a Bethesda sabe tornar complexo e inúmeros outros jogadores entram no cenário. A exemplo do que veio antes, o principal não é o desfecho e sim como chegar até ele, transformando cada decisão em verdadeiros dilemas morais, que fazem o jogador, de fato, viver uma experiência de RPG. Antes de entrarmos nos detalhes do jogo em si, contudo, é importante ressaltar a importância de sua breve introdução para a franquia. Mesmo que por um curto período, vivemos na sociedade pré-guerra e controlamos uma personagem que conheceu os dois mundos, o que gera, imediatamente, interessante desdobramentos para a trama, que definitivamente são explorados nas milhares linhas de diálogos nela presentes.

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E já que estamos falando do sistema de conversa de Fallout 4, pela primeira vez controlamos alguém que efetivamente emite som quando fala, o que aumenta nossa empatia pela personagem – não é apenas um boneco que controlamos, passa a ser um ser humano que vivencia todo aquele horror distópico. A mecânica adota um modelo similar àquele de Mass Effect, no qual não temos certeza absoluta do que será dito, apenas breves resumos que encaminham o objetivo de cada fala escolhida. Em alguns pontos isso pode gerar o clássico “mas eu não queria dizer isso!”, forçando até mesmo um load por parte do jogador, o que motivou, inclusive, um mod, na versão para PC, que altera tal sistema. O importante dessa escolha, ainda que dúbia, porém, é a forma como as conversas são dinamizadas, forçando uma leitura menor por parte do jogador e, assim, contribuindo em momentos de maior tensão. Não é um “emburrecimento” e sim um fator necessário para uma fluidez narrativa, por mais que alguns itens como o aperte tal botão para ser sarcástico, necessitem de um patch.

A simplificação não para por aí, e atinge as mecânicas de level-up e de criação de personagem. Os pontos de habilidade foram embora e agora o foco nos perks, já clássicos da franquia, é maior. Começo aqui dizendo para aqueles que defendem as skills de Fallout 3New Vegas – era um sistema quebrado, um simples investimento em inteligência permitia maximizar quase todas as habilidades, o novo sistema, portnato, é mais que bem vindo. E por que digo isso? A necessidade de planejamento é muito maior, praticamente requisitando inúmeras consultas ou um gameplay-teste antes de adentrar o jogo de fato. Investir todos os pontos de S.P.E.C.I.A.L nos atributos errados pode significar o fim de seu personagem a longo prazo e aqui enfatizo, simplesmente nenhum perk é inútil, todos eles contribuem para a criação de um diferente personagem para um estilo único de jogabilidade, seja à base de furtividade, armas a longa distância, armas brancas ou até mesmo baseado na pura sorte e carisma (algo que pode ser incrivelmente divertido). Para ajudar nessa criação, a Bethesda preparou uma série de vídeos, que podem ser vistos no Youtube ou durante a instalação do jogo (mesmo se você tiver a mídia física), sobre cada um dos status, sempre pendendo para o humor negro, é claro.

A essência de Fallout se encontra aí: na liberdade. O jogador pode fazer simplesmente tudo o que quiser – seguir a história, criar um maluco psicótico que mata todos a seu redor, um paladino da justiça ou alguém que simplesmente sai andando por aí a fim de descobrir coisas novas. E para esse último não há um limite para o que podemos encontrar no game. De eventos randômicos como a mutação de qualquer inimigo em um lendário que oferece um loot melhor, até sidequests das mais criativas, podemos ocupar horas e mais horas e ainda termos a sensação de que nem arranhamos a superfície. Essa experiência ainda consegue se provar extremamente recompensadora pelo simples fato de que a progressão em níveis ocorre de forma surpreendentemente fluida – jamais passamos horas e horas sem conseguir um novo perk e isso nos motiva a continuar por horas a fio, ansiando pela melhoria de nosso personagem, algo que não parece, jamais, atingir seu ápice, pois sempre queremos mais e mais.

Expandindo esse conceito, o game introduz um novo, simples, mas completo sistema de crafting, no qual podemos modificar nossas armas e armaduras, alterando não só seu dano como seu próprio funcionamento – uma pistola pode ser transformada em um rifle de precisão e para isso tudo o que precisamos são itens como ferro, madeira, alumínio que são adquiridas através do desmantelamento de coisas consideradas como lixo – latinhas, relógios, aspiradores de pó. Essa é a forma do desenvolvedor nos dizer que: nada está em determinado lugar por acaso, tudo, absolutamente tudo tem uma função específica. Se esse sistema não bastasse, agora podemos montar diversos novos assentamentos que podem e devem ser defendidos e providos de água, comida e, é claro, habitantes – enxerguemos isso como uma versão similar ao Fallout Shelter, só que acima da terra.

Funções adicionais como essa são, em geral, ligadas a uma das facções as quais podemos nos aliar durante a trama. Cada uma apresenta um novo ideal sobre a humanidade pós-guerra e suas visões se encaixam com estilos específicos de jogabilidade, o que torna a customização de personagem ainda mais dinâmica, aumentando exponencialmente a taxa de replay, ao passo que diversos finais estão presentes no game. As facções, como muitos outros npcs ainda trazem uma série de referências aos jogos anteriores, especialmente a Fallout 3, criando no jogador não só a percepção de que vivemos no mesmo universo, como se trata de uma continuação, ainda que a história seja fechada em si própria. O próprio Instituto, organização dentro do game, já deu as caras inúmeras vezes na franquia, isso sem falar, é claro, na icônica Brotherhood of Steel.

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E por falar nos coletores de tecnologia pré-guerra, as famosas power-armors retornam de forma verdadeiramente memorável aqui. Ao invés de serem apenas mais uma armadura, elas agora funcionam como um exoesqueleto que trazem inúmeros benefícios além de uma proteção completa. A melhoria, porém, não vem sem alguns sacrifícios e agora elas requisitam de uma fonte de energia, as fusion cores, que são limitadas no game, por mais que não tão raras quanto imaginamos nos primeiros minutos. O importante dessa escolha da Bethesda, que certamente não agradou a todos, é como essas armaduras imediatamente adquirem uma maior importância, não são apenas mais uma forma de equipamento e sim algo verdadeiramente especial e, é claro, poderoso. Com isso as valorizamos mais ao passo que se tornam praticamente essenciais em lutas contra Deathclaws, por exemplo.  Somado a isso, o sistema de crafting se demonstra indispensável para aqueles que desejam passar suas experiências nessas carcaças de metal, visto que podemos adicionar algumas modificações, como propulsores ou conduítes de eletricidade.

Mais uma vez retomamos o tema da liberdade que Fallout nos proporciona e ao invés de nos deprivar dela com essa nova mecânica, somente temos uma inteira nova possibilidade de gameplay. Entramos, portanto, em um aspecto muito criticado: os gráficos do jogo. É mais que evidente que Fallout 4 não faz uso total das capacidades da atual geração. Ao menos é o que parece na superfície. Estamos falando de um game em um gigantesco mundo aberto, com random encounters e dezenas de milhares de itens a serem coletados. Cada um desses possui um modelo em 3D que deve ser completamente renderizado e pode ser simplesmente jogado de um lado para o outro pelas explosões provocadas pelo jogador. Uma melhoria brutal nos gráficos significaria aquilo que todos odeiam: mais telas de load, muitas delas. The Witcher 3 é um jogo mais bonito? Sim! Mas a grande maioria do que vemos na tela são detalhes fixos que não podem ser interagidos. Somado a isso, a Bethesda é famosa por permitir a modificação de seus jogos, liberando, inclusive, as ferramentas utilizadas na criação da obra. Basta ver o sistema de criação de assentamentos, que foi tirada de um mod de Fallout 3 (que, à título de curiosidade, eu cheguei a experimentar). Portanto, se víssemos uma qualidade muito absurda de imagem, perderíamos esses fatores, assim como a clássica brincadeira com os console commands, dois aspectos que garantem uma extensa vida útil  aos games da desenvolvedora.

Dito isso, Fallout 4 não é o jogo perfeito, mas definitivamente está no mesmo grau de qualidade de seus dois antecessores, nos trazendo uma experiência única em um mundo pós-apocalíptico, com uma história que se prova surpreendentemente intimista conforme progredimos nela. Mais uma vez a Bethesda consegue acertar, mantendo a base de sua fórmula e investindo em inúmeros detalhes que acrescentam horas, horas e mais horas ao jogo. Com novas mecânicas e uma quantidade praticamente infinita de coisas a serem realizadas, temos aqui uma obra verdadeiramente obrigatória para qualquer um, seja um iniciante na franquia, seja um fã de longa data, que se apaixonou por Fallout 3 e não abandonou o Wasteland desde então.

Fallout 4
Desenvolvedor:
Bethesda Game Studios
Lançamento: 10 de Novembro de 2015
Gênero: RPG
Disponível para: PC, PS4, Xbox One

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