De uma forma empolgante, o terror no cinema tem experimentado a sua melhor fase em vários sentidos, tanto que, um desses frutos pode ser percebido no quanto cineastas independentes têm sido recebidos com entusiasmo. Vindos de um canal polêmico de comédia de ação e terror em tempo real no Youtube, os gêmeos Danny e Michael Philippou fazem uma estreia nas telonas com uma proposta diferente da energia caótica que promovem na plataforma de vídeos, carregando uma confiança criativa curiosa ao trabalharem com o terror psicológico para falar de uma geração adolescente pessimista e solitária.
A cena de abertura serve como demonstração dos rumos catárticos que uma brincadeira viral com uma mão de cerâmica embalsamada assume quando se perde controle, algo que só entenderemos através de Mia (Sophia Wilde). Marcada pela morte de sua mãe que completa dois anos, Mia é vista como uma jovem deprimida e intensa – o que vale observar que as únicas cores de roupa que a vemos usar são preta, ou os casacos amarelos, o que tem ali uma alusão a setembro, mês dedicado a conscientização da luta contra o suicídio – e ao saber do jogo que tem estourado nas redes sociais onde outros adolescentes são possuídos por 90 segundos, a protagonista logo se inclina para fazer parte da experiência.
Traçando uma alegoria sobre uma adolescência que busca por atenção, o sentido por trás do título é óbvio quando precisa de apenas duas frases para conjurar um espírito: “fale comigo” e “pode entrar“. Bem como Mia tenta compensar o sentimento do luto ao permitir ser possuída, a mecânica do ritual remete a uma juventude que se expõe e usa de salas virtuais para projetar e validar emoções. Indo além dessa interpretação, a forma como Mia descreve sua experiência, “de leveza, como se estivesse apenas assistindo“, diz muito sobre o escapismo momentâneo buscando pelo uso de drogas, abuso do álcool, o consumo pela pornografia, ou qualquer outro meio que sirva de compensação.
Além de uma fase de fragilidade sendo explorada, Talk to Me retrata também uma busca por amadurecimento marcada pela insegurança, do sentimento de querer fazer parte e possuir experiências, o que é representado por Riley (Joe Bird) ao ver outros adolescentes conjurando espíritos. Aliás, a relação entre Mia e Riley não é apenas pela amizade, mas ambos são figuras centrais dos tópicos abordados pelo roteiro, o que surge uma dinâmica de ação e consequência conforme eles passam a participar do jogo. Essa ruptura narrativa é essencial quando o ritmo do filme é construído pela ideia de diversão viral que o “jogo com a mão” gera, até quando as partidas vão ficando mais intensas e menos divertidas.
Embora Fale Comigo não possua uma ideia original – nem mesmo ao jogar uma sessão espírita pro meio virtual – tampouco na sua temática, o seu mérito está na maneira em que a direção traz novas perspectivas no subgênero sobrenatural. Com ares de Ghost – Do Outro Lado da Vida, a sacada com a mão grafitada é inteligente ao ser usada como expressão e representação não só de um mundo espiritual, mas de como os adolescentes interagem ao conjurar o espírito. O que entra também o recurso dos movimentos de câmera durante a possessão – conforme os personagens reagem em contato com a mão – com enquadramentos sufocantes, o que traz uma sensação de imersão e tensão. O ápice dessa construção – o que faz parecer que, uma vez que entramos no submundo, não saímos mais – é na montagem que transita com várias possessões no ritmo da faixa instrumental Le Monde e que vai intercalando com um remix de Edith Piaf – com um pesadelo se instaurando ao mesmo tempo que o caos das cenas se encerra ao som da música.
Ter a narrativa centrada na perspectiva de Mia foi essencial para como a mudança de tom vai abraçando uma dissociação cada vez mais inconstante – e a sonoplastia é um elemento que acompanha os sentimentos conflitantes da personagem, a exemplo dos barulhos de água – porém, nesse tempo, é quando a narrativa passa a ser menos consistente e empolgante, e começa a seguir um caminho pessimista com a própria própria história em vez de buscar por resoluções criativas. Dessa forma, Talk to Me termina de modo cômodo, fugindo totalmente do ritmo alucinante e frenético que tinha iniciado, como se a mitologia tivesse sido pensada pela metade – mas que ainda assim consegue se relacionar com o tema de saúde mental.
Tido como o melhor filme de terror do ano, Fale Comigo é o tipo de produção que soa como se já tivesse sido feita, o que não é um problema, e para além da energia brutal e perturbadora e por vezes agonizante, Danny e Michael Philippou fazem do subgênero da possessão como uma nova droga virtual curtida, compartilhada e pedida para ser usada por adolescentes frustrados, entediados e que precisam de atenção.
Fale Comigo (Talk to Me – Austrália, 2023)
Direção: Danny Philippou, Michael Philippou
Roteiro: Danny Philippou, Bill Hinzman (baseando num conceito de Daley Pearson)
Elenco: Sophia Wilde, Joe Bird, Marcus Johnson, Alexandra Jensen, Miranda Otto, Zoe Terakes, Chris Alosio, Ari McCarthy, Sunny Johnson
Duração: 95 min.