Existiu uma época mítica, conhecida por aí como “década de 80”, em que o cinema hollywoodiano era dominado por gigantes como Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone, Chuck Norris, Jean-Claude Van Damme, Steven Seagall e outros simpáticos brucutus, além de produtoras de filmes de baixo orçamento esquecidas nas brumas do tempo como Orion Pictures, Cannon Films e Golan-Globus. Era uma era dominada por modestos filmes de pancadaria pura, com roteiros que passavam longe da correção política, mas que divertiam muito e não deixavam ninguém horrorizado como muitos ficam hoje em dia pelas razões mais bobas. As crianças daquela época cresceram muito bem, obrigado, mesmo escutando palavrões, aprendendo que bater (ou matar) antes e perguntar depois é mais eficiente e lidando com seus inimigos na base no gancho enfiado nas costas seguido de cremação em fornalha industrial…
Nessa cinematograficamente divertida década, bastava que nomes como o de Stallone estivessem no pôster de algum filme para garantir sólidas bilheterias. Não que Falcão – O Campeão dos Campões (ai, ai, esse título em português…) tenha sido um mega-sucesso, pois não foi, mas ele captura com perfeição um certo charme torto de uma época em que um filme sobre campeonato de queda de braço (ou braço de ferro) fazia absolutamente todo o sentido e que colocar Menahem Golan como diretor não era algo por si só suficiente para um cinéfilo cair na gargalhada.
Afinal, considerações como roteiro, fotografia ou mesmo atuações eram supérfluas – diria que, em muitos casos, hoje também é assim, vide as caras franquias Transformers e Velozes e Furiosos -, elementos que, se fossem bons, eram vistos como um bônus especial inadvertido que, no frigir dos ovos, não fazia a menor diferença no resultado final ou na apreciação por seu público. Falcão (doravante usarei esse nome apenas para identificar o filme), portanto, era bem filho de sua década em que uma história como “pai caminhoneiro tenta reatar relações com seu filho e, como parte do processo, participa de campeonato de queda de braço em que é o azarão” funciona bem dentro de suas restrições naturais.
Essas restrições, claro, começam no elenco em que nem mesmo o saudoso Robert Loggia como Jim Cutler, sogro de Lincoln Hawk (Stallone) que o odeia com todas as forças consegue se sobressair além do minimamente competente. Stallone, bem, está lá na frente das câmeras como sempre esteve: vivendo o simpático underdog que uma vez enganou a Academia, que pensou que ele estava atuando em Rocky: Um Lutador. David Mendenhall, que faz Michael Cutler, filho de Hawk e neto de Jim Cutler, efetivamente fez por merecer os dois Framboesas de Ouro que levou por seu “trabalho” aqui (pior ator coadjuvante e pior novo talento) e que provavelmente contribuíram para que o jovem ficasse confinado a trabalhos na televisão.
Além disso, há a direção de Golan que é burocrática sempre que lida com alguma coisa que não seja o campeonato de queda de braço (mais sobre isso adiante), com planos gerais e americanos banais, chapados, com uma fotografia de série de televisão. O roteiro, co-escrito por Stallone e Stirling Silliphant (de clássicos como O Calor da Noite, Inferno na Torre e O Destino do Poseidon) é, digamos, prático e objetivo, sem quaisquer firulas e obedecendo a estrutura clássica em três partes que nos levam do ponto A ao B e então ao C da maneira mais previsível, clichê e brega possível.
No entanto, apesar dos pesares, Falcão tem dois elementos a seu favor (além do carisma de Stallone, algo que é realmente inegável, por mais que alguém possa não gostar dele). O primeiro deles é a improvável qualidade das sequências dos “combates” de queda de braço. Improvável, pois, convenhamos, esse esporte não é, em um primeiro momento, cinematograficamente fotogênico e, em um segundo momento, sua simplicidade e demonstração de força bruta crua (ok, admito que deve haver técnica, mas estou fazendo como o roteiro do filme faz e sendo simplista) não parecem capazes de criar qualquer tipo de tensão. Mas Golan, muito graças à montagem de James R. Symons (Rambo III) e Don Zimmerman (O Mentiroso) e aos adversários cada vez mais caricatos (e hilários) de Hawk, faz do proverbial limão uma limonada que surpreende o espectador de tal forma que, do nada, passamos a genuinamente torcer pelo herói.
O segundo ponto positivo do filme é o uso da trilha sonora de Giorgio Moroder em conjunção com a sincronização de diversas músicas de rock/pop como a música-tema “Meet Me Half Way” (de Frank Stallone, cantada por Kenny Loggins!) que formam um conjunto harmônico e gostoso de se escutar mesmo quando divorciado do filme. Apesar de Stallone depois ter dito que preferiria ter usado música incidental efetivamente composta para o filme, a escolha das canções utilizadas foi inteligente e fazem a fita funcionar mesmo quando a cascata de clichês é ligada a todo o vapor.
Falcão – O Campeão dos Campeões é inegavelmente fruto de seu tempo e o espectador que decidir conferir pela primeira vez essa curiosidade precisará levar esse aspecto fundamental em consideração para ter a mínima chance de se divertir com a bobagem que é o filme. No caso de nostálgicos e saudosistas que revejam a obra com olhos atuais, fica o aviso: ela ainda diverte bastante e não é necessário ter vergonha de aplaudir as veias saltando do bíceps e da testa de Stallone depois de cada vitória de Hawk na queda de braço!
Falcão – O Campeão dos Campeões (Over the Top, EUA – 1987)
Direção: Menahem Golan
Roteiro: Stirling Silliphant, Sylvester Stallone
Elenco: Sylvester Stallone, Robert Loggia, Susan Blakely, Rick Zumwalt, David Mendenhall, Chris McCarty, Terry Funk, Bob Beattie, Allan Graf, Magic Schwarz
Duração: 93 min.