Home FilmesCríticas Crítica | Fakir (2020)

Crítica | Fakir (2020)

por Michel Gutwilen
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Provavelmente aquilo que afastará muitos de Fakir será o que também aproximará outros. Inclusive, a própria escrita deste texto também é uma possibilidade do crítico que escreve assentar melhor sua própria opinião sobre esta curiosa obra dentro do contexto de correria na cobertura de um festival. O faquirismo, para quem não sabe, envolve pessoas que, voluntariamente, entregam o seu corpo a própria dor. Logo no início do filme, uma demonstração visual deixa claro o que eles são capazes: um homem esfrega vidro no seu rosto e pisa em uma superfície de pregos. Já ao longo da narrativa, composta principalmente por imagens de arquivos, o principal ato que caracteriza este grupo é a prática do jejum, dentro de uma caixa de vidro, por períodos de mais de 50 horas, como meio de bater recordes.

Esta ambiguidade citada na primeira linha do texto reside justamente uma opção da veterana diretora (e atriz) Helena Ignez em não aprofundar a psicologia e motivações por trás do faquirismo. Ou seja, trata-se menos de um filme investigativo e mais de um contemplativo — no sentido de admirar e pensar sobre uma coisa. Pois acredito que será precisamente isso que o espectador fará enquanto passa diversos minutos assistindo um espetáculo de dor. Afinal, por que eles fazem isso? Devemos sentir empatia por eles?  Estes são pensamentos que poderão ser comuns. Não é por ser feito a partir de imagens estáticas majoritariamente que eles não carregam um forte poder. As fotos que captam os faquires logo após o processo de jejum são assustadoras e impactam justamente pela degradação física dos seres humanos envolvidos. A partir daí, o caminho do espectador poderá chegar a uma encruzilhada: não sentir nada por aquelas pessoas, por não conseguir entender o porquê deles se submeterem a isso; ou se entregar ao mistério daquela atividade, tal qual parece ser a intenção de Ignez.

Em uma obra brasileira que também usou imagens jornalísticas de arquivo, A Voz e o Vazio: A Vez de Vassourinha (1998), a intenção de deste artifício cinematográfico era resgatar uma própria voz da cultura brasileira que sofreu processo de apagamento. Pode-se dizer que isto também é uma verdade em Fakir — o próprio ato de fazer um filme sobre essas pessoas já reverbera essa vontade de gerar este ressurgimento — mas, de modo contrário, não é um resgate “passivo” que deixa de questionar o faquirismo, pois interessa também uma própria ambiguidade presente nesta prática. 

Em primeiro lugar, devido a abundância de matérias da época, evidentemente que se trata de um evento composto envolto de muito sensacionalismo e atenção midiática. No mesmo sentido, há de se prestar atenção em uma palavra muito usada nas manchetes: “Fome”. Em uma delas, para exemplificar: “Urbano é o rei da fome”. Que curioso paradoxo é que, para esses faquires, o ato de jejuar voluntariamente gera prazer, ao passo que eles vivem em um país no qual muitos passam fome contra a sua vontade. E mais contraditório ainda é que a fome se torne um espetáculo, vá para o jornal acompanhada de palavras como “recorde” e “superação”. Logo, Fakir então acaba ganhando até este contexto político.

Narrativamente, a montagem e o roteiro de Helena criam um senso de progressão no sentido de que a história vai pulando de fakir em fakir, sempre com esta ideia de que um precisa superar o outro. É um ciclo doloroso de acompanhar, principalmente porque muitas das imagens carregam despedidas entre amores antes da prática de jejuar, o que certamente gera mais frustração para o espectador (em um bom sentido), que é obrigado a  ver, sem entender, como essas pessoas estão dispostas realmente a largarem tudo em prol de um recorde. 

Por outro lado, no terço final de Fakir, parece haver uma mudança brusca na direção narrativa que nunca se integra organicamente ao que já foi mostrada. Sai-se desta visão dos faquires como comunidade, menos individualizada, e surge uma protagonista. Ao mesmo tempo, entra-se em temáticas sobre conservadorismo, nudez e até feminismo. O problema é, naquela altura, não há mais tempo para o desenvolvimento de tais temas, que sequer foram trabalhados antes e eles mais parecem como um desejo de encaixar a todo custo uma história tangencial que acabou surgindo no processo de pesquisa sobre os faquires do que, de fato, um terço final que sirva como encerramento para Fakir.

Fakir — Brasil, 2020
Direção: Helena Ignez
Roteiro: Helena Ignez
Elenco: Maura Ferreira, Indiany, Índia Rubla, Lion on a diet shibari
Duração: 92 mins.

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