Extra Olympia Kyklos é baseado no mangá de Mari Yamazaki, a mesma criadora de Thermae Romae, obra que tem sua premissa diretamente citada aqui e cuja construção é importada pela artista para a concepção desta nova aventura parcialmente histórica, envolvendo viagem no tempo, comédia, crítica social, conflitos pessoais e choque cultural. No entanto, em vez de passarmos de uma terma romana para o Japão contemporâneo, vemos a viagem no tempo acontecer por vontade de Zeus, que envia um raio e permite que o jovem Demetrius, da pólis de Tritônia, chegue à cidade de Tóquio (ou “Toquiopólis“, como ele chama) na década de 1960. Sim, o espectador está diante do mesmo princípio narrativo de Thermae Romae, mas não há demérito nisso, porque os conceitos dessa nova saga e, mais importante, a sua representação estética fazem-na completamente nova para o espectador.
Ryō Fujii, responsável pela direção da série, assim como pelos roteiros e pelas hilárias aulas-músicas do trovador Honeuros, adotou a estética vaporwave para adaptar o mangá, o que fez toda a diferença em termos de impacto e até mesmo qualidade do material. Ao adotar essa plástica kitsch, mesclando arte digital com fotografias, alternando as dimensões de 3D para 2D e brincando o tempo inteiro com a artificialidade de todo o projeto, a produção consegue prender o público por mais tempo e eleva o tom das críticas do programa. Fingindo que se leva a sério sem deixar de lado o tom irônico, os episódios de Extra Olympia Kyklos confundem o julgamento do espectador (no bom sentido) e, nas entrelinhas, entrega todo o serviço de açoite à sociedade de consumo, às guerras, à transformação social da percepção de masculinidade e feminilidade, à sexualidade (tem uma indicação da prática grega de amor a meninos pré-púberes que jamais conseguiria ser exibida num desenho ocidental!) e à ideia de competição nos esportes e na vida.
Os episódios são bem curtinhos (cinco minutos!) e temos uma dinâmica de exibição fixa que vai ganhando novas nuances à medida que a série avança, principalmente as animações de viagem no tempo, que vão ficando visualmente impressionantes e narrativamente melhor contextualizadas e editadas. É claro que a linha principal da série é o evento das Olimpíadas, mas a comédia maluca burla isso também. Em dado momento, Demétrio inventa as Trimpíadas, para fugir dos “direitos autorais” do Comitê Olímpico de Elis, uma pólis vizinha que se achava dona dos esportes na Grécia Antiga, segundo essa realidade, é claro. Quanto à veracidade dos eventos expostos na série, devo dizer que o espectador vai encontrar de tudo. A maior parte das situações são factuais, embora colocadas com o exagero típico desse tipo de produção. Mas para uma fantasia cômica nonsense, também devemos esperar muita coisa inventada e manipulada pelas viagens no tempo de Demetrius, de modo que eu não aconselho sair repetindo os “aprendizados” com essa série por aí, antes de checar e ver se não é uma manipulação de história alternativa pelos roteiristas — porque existem várias!
O trabalho de stop-motion com massa de modelar e a fusão aos elementos de computação gráfica rudimentar, com direito a um golfinho (sugestivamente) platinado — uma das grandes marcas da estética vaporwave — mais conflitos sociais que, a despeito do tempo histórico, nós conhecemos muito bem, resultam num anime divertidíssimo de acompanhar. Sinto que os episódios finais tornaram-se mais acomodados no roteiro, com linhas moralistas ou “certinhas demais” para o padrão da série, preparando o caminho de Demetrius até o patamar de herói de Tritônia e impulsionador das Trimpíadas através da História. Não tem como não abrir um largo sorriso com essa chacota com o estatuário grego e as condições humanas exibidas em colagem vintage, fotografia, cinema, surrealismo praiano e estilos diferentes de animação. O esporte e a existência de um jovem acomodado que encarna o filósofo Diógenes (cínico grego que morava num barril) protagonizam uma jornada de redenção e aprendizado, trocando a guerra pela disputa fraterna, honesta e controlada, evitando a morte pelo cansaço. Acho que este deveria ser o critério para qualquer liderança política ou militar que quisesse fazer guerra: correr uma maratona antes de decidir qualquer coisa. Talvez assim o mundo fosse muito melhor do que este temos.
Extra Olympia Kyklos – 1ª Temporada (Bessatsu Olympia Kyklos / Bessatsu Orinpia Kyukurosu / 別冊オリンピア・キュクロス) — Japão, 2020
Direção: Ryō Fujii
Roteiro: Ryō Fujii, Atsushi Tsuboi, Takeshi Takemura (baseado no mangá de Mari Yamazaki)
Elenco: Daisuke Ono, Jin Katagiri, Takashi Satô
Duração: 24 episódios de 5 minutos cada
