- Há spoilers. Leiam, aqui, todo o nosso material sobre a franquia.
O que em tese parece ser a história principal de A New Life, o parto prematuro de Zarah, é, na verdade, apenas a cola narrativa do episódio, já que o que vemos acontecer nesse lado é meramente uma sucessão de clichês comuns a esse artifício, com a soma, claro, da experiência genética feita no feto a mando de Wilford, que empresta aquele saborzinho à tensão “leve” que a direção de Erica Watson constrói. Toda a festa ao redor da nomeação do bebê e a correria a partir da bolsa d’água de Zarah estourando, o que leva ao parto prematuro e cheio de desconfianças (mais do que justificadas) em relação à geneticista que, com a chegada da Dr. Pelton, passa a ser uma discussão acalorada com um fator complicador inserido ali só para constar (a queda da temperatura corporal da mãe) funcionam bem para sua função de pano de fundo ao que realmente interessa.
E o que realmente interessa é o novo conflito que Layton passa a enfrentar. Nem bem Wilford é colocado temporariamente na geladeira em razão do atentado à sua vida por Roche (aliás, onde ele está?), eis que surge efetivamente um novo inimigo. O que era só papinho no excelente Bound by One Track rapidamente torna-se algo prático, com Pike cometendo atos terroristas para minar a autoridade de Layton. Não creio que ele quisesse assassinar o líder atual do Perfuraneve, pois matá-lo seria moleza, mas sim realmente mostrar sua ineficiência, de forma que Ruth possa naturalmente assumir a liderança.
Pode ser que muitos considerem que essa mudança de Pike é brusca demais, mas, na verdade, ela não é. Para começar, Pike nunca foi um grande amigo de Layton. Ele, apenas, passou a apoiá-lo encarando-o como o menos pior nas condições da época (quantas vezes nós já não fomos às urnas justamente para escolher o menos pior). Depois, temos que lembrar que meses se passaram entre as duas temporadas, com Pike e Ruth, basicamente sozinhos, mantendo a revolução anti-Wilford acesa nos vagões puxados por Big Alice. Nesse tempo, não só Pike passou a gostar romanticamente de Ruth, como passou a vê-la como uma líder, o que de fato ela foi. Vê-la retornar ao seu uniforme azul (eu não sei que cor exatamente é aquela, portanto vai azul mesmo…) de sempre e à uma posição de subordinação não é algo que parece ter assentado bem na cabeça dele. E, como se isso não bastasse, Pike parece verdadeiramente acreditar que Layton não é material de líder, algo que eu, você e todos nós certamente também concordamos, pelo que não podemos tirar a razão do “novo vilão”.
Portanto, gostei bastante dessa revelação e, mais ainda, dos sentimentos conflitantes na mente de Pike que são acentuados pela canção melancólica de Audrey, com aquela letra marotamente perfeita para a situação, e que o leva a despedaçar o detonador como uma forma de se livrar da culpa que sente. Ou seja, o que faz de Pike um bom vilão é que ele não é verdadeiramente um vilão. Já temos gente demais que é binariamente classificável com “bom” ou “mau” e não precisávamos de mais um, com o bônus de Steven Ogg ser um ótimo ator que realmente deixa entrever as nuanças de seu torturado personagem. Será interessante acompanhar o desenvolvimento dessa linha narrativa, especialmente se Nova Éden não existir ou não for esse paraíso todo que foi prometido.
Mas há mais para ser apreciado. A leitura de Dom Quixote – como a letra da música, título perfeito para Wilford em recuperação – por Alex, que se recusa a sair do lado de seu mentor, aparentemente tendo aceitado sua relação de amor e ódio com ele, é um momento terno, mas ao mesmo tempo mantido “frio” pela câmera da diretora, sem que Rowan Blanchard precise descaracterizar sua cada vez melhor personagem. Quente mesmo foi a erupção passional da literalmente fria – e agora insensível – Josie com um Ben com cara de cachorro abandonado, sofrendo pela ausência de Melanie. São dois personagens que mereciam felicidade, ainda que talvez apenas fugaz, e a sequência entre eles funcionou muito bem para isso. Aliás, acho que é possível dizer o mesmo – ainda que não necessariamente no aspecto romântico – de Javi e Sykes, já que os dois compartilham traumas idênticos e passam a trabalhar juntos tanto nos afazeres do cotidiano, quanto nesse processo de superação.
A New Life não tem a mesma “poesia” do episódio anterior, mas ele reposiciona as peças da temporada para uma segunda metade que promete colocar aliados contra aliados, o que certamente facilitará a vida de Wilford em seus planos para a retomada de poder, pois, claro, ele certamente os tem. E, se Nova Éden não vingar, aí é que o caos se instala de verdade, pois não há bebê simbolizando esperança que sustente promessas quebradas feitas por políticos.
Expresso do Amanhã – 3X05: Uma Nova Vida (Snowpiercer – 3X05: A New Life – EUA, 21 de fevereiro de 2022)
Showrunner: Graeme Manson (baseado no filme homônimo de Bong Joon-Ho e na graphic novel O Perfuraneve de Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette)
Direção: Erica Watson
Roteiro: Adam Starks
Elenco: Daveed Diggs, Mickey Sumner, Alison Wright, Lena Hall, Iddo Goldberg, Sean Bean, Katie McGuinness, Sam Otto, Sheila Vand, Roberto Urbina, Annalise Basso, Steven Ogg, Rowan Blanchard, Tom Lipinski, Archie Panjabi, Mike O’Malley
Duração: 43 min.