- Há spoilers. Leiam, aqui, todo o nosso material sobre a franquia.
Em The First Blow, Graeme Manson tenta, pela primeira vez, criar sequências externas de batalha entre os trens, por assim dizer, com resultados que merecem nota 10 pelo esforço e pela tentativa em si, mas que não resultam em algo que realmente podemos chamar de batalha ou mesmo de “gato correndo atrás do rato” ou vice-versa. O que acabou chegando nas telinhas fica mais parecido com tomadas externas aleatórias que precisam ser narradas em detalhes – e mostradas em mapas – por diálogos internos.
No entanto, a medalha de “valeu o esforço” é realmente merecida. Afinal, alguma coisa tinha que ser feita para emular as abordagens de navios piratas e, mesmo que a coisa tenha ficado estranha, a combinação de visuais externos, especialmente no pátio férreo em que várias linhas se cruzam e se paralelizam, com narração estilo “locutor de futebol” acaba gerando momentos… interessantes. E a culminação disso tudo, com a invasão da locomotiva Big Alice por Josie e Layton depois que Pike executa um plano de Ruth para sinalizar a localização do trem, é bastante satisfatória e catártica, com o líder que ainda não se firmou como tal surrando o líder que continua sendo líder, mesmo preso.
Mas o melhor mesmo do episódio acontece dentro de Big Alice ao final da invasão pelo Perfuraneve. Primeiro temos a hilária (ok, trágica porque torturam e matam Strong Boy, mas esse não é meu ponto) “mudança de lado” de LJ que mata Kevin (será que ele morreu mesmo?) e festeja a resistência como uma soldada de campo de concentração nazista que, vendo a chegada dos Aliados, cospe na suástica e chuta seu superior imediato para mostrar que nunca concordou com aquela monstruosidade toda. O hilário da cena é que ela é propositalmente artificial e caricata, revelando muito mais sobre a psicopatia de LJ – e o horror de Oz ao perceber até onde sua esposa é capaz de ir – do que sobre qualquer outra coisa.
O outro momento é a votação que Layton resolve fazer sobre ir ou não para o Chifre da África para localizar Nova Éden, onde, de acordo com suas visões, eles encontrarão vida pujante e distância do terrível frio. Esquecendo por um momento esses devaneios de Layton que, justiça seja, feita, só são mencionados uma vez aqui, o roteiro de Tina de la Torre é feliz em criar uma situação que talvez tenha sido executada rápida e didaticamente demais, mas que consegue passar seu recado político que pode ser resumido a “democracias são tão boas quanto seus líderes são honestos”, o que basicamente quer dizer, lá no fundo, que não há sistema político perfeito.
Layton quer, ao mesmo tempo, legitimar-se como líder justo e democrático ao instituir o que pareceu ser a primeira votação da história do Perfuraneve, mas, ao mesmo tempo, sob a desculpa para si mesmo e para aqueles de seu círculo imediato, de que esta é uma última e necessária mentira, manipula as informações para alcançar o resultado que quer. Irônico que o líder da “revolução” que derruba o sistema de classes use desse expediente para conseguir o que quer, sendo que o que quer não só não tem base na tão propalada ciência, como mais parece uma obsessão pessoal dele baseada nas tais visões. Apesar de usar o nome de Melanie toda hora, Layton é a antítese do que Melanie foi e a aposta de todas as suas fichas em um paraíso na Terra parece mais um surto psicótico digno de LJ ou de Wilford (mas Wilford pelo menos sabe controlá-los) do que qualquer outra coisa.
O único problema dessa escolha de roteiro é que tudo depende do silêncio de Asha e Asha, como já notamos, não me parece muito equilibrada. O que Layton fará? Ele a manterá confinada a seu quarto até chegarem ao seu destino? E como explicar que ela foi achada em lugar completamente diferente daquele que ela mesmo diz que veio? Ou seja, trata-se de uma daquelas mentiras que, menos ainda do que pernas curtas, parece não ter perna alguma e que desmoronará muito brevemente, colocando Wilford em posição de poder novamente (e, a essa altura do campeonato, eu já não sei quem é pior, muito sinceramente…).
The First Blow é, portanto, um daqueles episódios que são construídos em cima de bases frágeis, seja a imobilidade do “combate de trens” em seu começo, seja o dénouement repleto de sequências que eu poderia denominar de estranhas, com as que gravitam ao redor de Layton sendo as mais complicadas delas. Não sei muito bem o que esperar do futuro de Expresso do Amanhã, até porque ainda é muito cedo na temporada para entrar no jogo de adivinhação, mas Manson não parece preocupado em arriscar bastante tudo o que seguramente construiu até agora. Tomara que seus planos deem certo!
Expresso do Amanhã – 3X03: O Primeiro Golpe (Snowpiercer – 3X03: The First Blow – EUA, 07 de fevereiro de 2022)
Showrunner: Graeme Manson (baseado no filme homônimo de Bong Joon-Ho e na graphic novel O Perfuraneve de Jacques Lob, Benjamin Legrand e Jean-Marc Rochette)
Direção: Erica Watson
Roteiro: Tina de la Torre
Elenco: Daveed Diggs, Mickey Sumner, Alison Wright, Lena Hall, Iddo Goldberg, Sean Bean, Katie McGuinness, Sam Otto, Sheila Vand, Roberto Urbina, Annalise Basso, Steven Ogg, Rowan Blanchard, Tom Lipinski, Archie Panjabi
Duração: 45 min.