Deveria haver um lugar especial no Inferno para pessoas que têm boas ideias que até poderiam resultar em um filme razoável em mãos hábeis, mas que preferem seguir o caminho de série, esticando a narrativa por uma minutagem infinitamente maior do que ela merecia ter e, pior, sem demonstrar um pingo de talento para fazer isso. Explosivos é, basicamente, uma versão repleta de pancadaria, tiros e bomba de Se Beber, Não Case! que, não precisando ficar limitado à duração de um longa metragem, refestela-se na repetição ad nauseam do limitado repertório de piadas que tem por oito episódios e insuportáveis 407 minutos de duração.
Quando eu digo que Explosivos poderia ser um bom filme, não estou mentindo, pois a premissa é bacana até, com uma equipe multidisciplinar e multidepartamental de elite comandada pela agente da CIA Ava Winters (Shelley Hennig) terminando de lidar com uma ameaça nuclear em Las Vegas e partindo para comemorar o grande feito, somente para ter que voltar ao caso logo em seguida completamente bêbados, drogados e com as relações estremecidas pelas mais diversas revelações. O problema é que aquilo que é novidade, ou seja, a degeneração do grupo invencível de soldados (e uma hacker) em um monte de patetas afetados por coquetéis variados capazes de nocautear uma manada de elefantes tendo que lidar com uma trama cada vez mais complicada e cheia de reviravoltas, perde o frescor já no segundo episódio e tudo o que vem em seguida são as mesmas situações só que de maneiras levemente diferentes.
E antes que a turma do “ah, mas é só divertimento descerebrado e não Cidadão Kane” apareça por aí para defender esse estrupício de série, basta lembrar que o próprio já citado Se Beber, Não Case!, óbvia inspiração principal de Explosivos, é um divertimento descerebrado, mas com um diferencial: qualidade. Qualidade no elenco, qualidade na direção, qualidade no humor, qualidade em basicamente todos os demais quesitos que a criação de Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg e Josh Heald simplesmente não tem ou, quando tem, não consegue sustentar diante da necessidade de se repetir a mesma coisa sem graça diversas vezes. E eu poderia dar um milhão de outros exemplos de obras divertidas na mesma categoria descerebrada que se destacam qualitativamente por essa ou aquela característica, mas não vou perder meu tempo com isso, obviamente.
O ponto – e eu sei que, não ironicamente, estou me repetindo – é que Explosivos não tem sustentação alguma para ser uma série. O elenco – com duas únicas exceções que abordarei mais para a frente – é completamente esquecível e sem inspiração alguma mesmo para viver estereótipos de personagens (o soldado “loiro burro” durão, o gigante gay, a líder invencível, a hacker inocente e apaixonada, a lésbica machona, o piloto certinho, o suposto vilão sarcástico e assim por diante). O humor é baseado em uma combinação incessante e cansada de bundas, pernas, pênis, peitos e abdomens grandes e torneados desfilando explicitamente pela tela ao lado de sexo constante, drogas de todo tipo, escatologia de 5ª série e uma infinidade de diálogos que se acham espertos pela maneira como descrevem o que listei logo antes, mas que só são mesmo didáticos e, francamente, idiotizantes. E olha que eu estou longe, mas muito longe de ser pudico, mas uma coisa é você ter tudo isso de maneira relevante à obra, outra bem diferente é esses artifícios existirem somente para chamar aquele tipo efêmero de atenção que, exatamente em razão dessa efemeridade, exige constante e exaustiva repetição.
E o que falar das reviravoltas? Da mesma maneira que o público em geral precisa ser mantido grudado na tela pelo uso de tiros, bombas, sexo e escatologia a cada 10 segundos, esse déficit de atenção exige que toda a progressão narrativa – se é que podemos mesmo chamar de “progressão” – seja galgada em reviravoltas. Com oito episódios (se fossem nove, eu mencionaria os Nove Círculos do Inferno, claro), elas precisam acontecer, ao que tudo indica, na base de três ou quatro por episódio, o que, na cabeça dos criadores de Explosivos, significa fazer uma dança das cadeiras de vilões e segmentar a narrativa em temas ou situações, como “o episódio da casa do lago”, “o episódio na boate underground” e assim por diante. Se pelo menos as ideias fossem boas e executadas de maneira menos do que banal, se pelo menos houvesse uma coreografia de luta decente que fosse ou até mesmo uma sequência de tiroteio que realmente tivesse levado mais do que alguns segundos para ser ensaiada, seria possível extrair algum valor de Explosivos. Mas nem isso a série oferece.
Ou quase.
Eu disse mais acima, quando falei do elenco, que havia duas exceções para a “modorrência” geral e estas são C. Thomas Howell e Jason Mantzoukas. O primeiro vive o especialista em desarmamento de bombas Haggerty, um personagem que é pura esculhambação, desbocado, cheio de rugas e flacidez no rosto, quase nenhum dedo nas mãos e que funciona mesmo quando está dando uma de Um Morto Muito Louco ao longo de vários episódios. É um daqueles raros personagens que, mesmo tendo basicamente uma história própria e descolada da narrativa central, arranca risadas constantes por simplesmente estar ali e sua interação posterior com Lindsey Kraft só faz a coisa melhorar. Mantzoukas, por seu turno, faz o excelente trabalho de voz do escrachado gremlin em CGI que o piloto de helicóptero quadradão Paul Yung (Eugene Kim) passa a ver a certa altura da série. Há um surpreendente comedimento na quantidade de vezes em que esse artifício é usado, pelo que ele também funciona a contento todas as vezes e não foi só uma vez que eu imaginei como seria divertido parear o bicho escroto não com Paul, mas sim com Haggerty.
Infelizmente, porém, o pouco que Explosivos tem de bom é pouco demais para compensar a falência completa da série em usar sua premissa de maneira minimamente competente. Tudo o que a série é não passa de um atestado do quanto é possível estragar uma boa ideia com a ruinosa – mas obviamente lucrativa – mania de esticá-la para muito além do que ela merece. Na verdade, começo a achar que quem merece um lugar especial no Inferno é gente como eu que insiste em ver essas porcarias esperando, a cada episódio, que a coisa melhore…
Explosivos – 1ª Temporada (Obliterated – EUA, 30 de novembro de 2023)
Criação: Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg e Josh Heald
Direção: Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg, Josh Heald, Joel Novoa, America Young, Sherwin Shilati
Roteiro: Josh Heald, Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg, Rachele Lynn, Bob Dearden, Rowan Wheeler, Joe Piarulli
Elenco: Nick Zano, Shelley Hennig, Terrence Terrell, Alyson Gorske, C. Thomas Howell, Eugene Kim, Paola Lázaro, Kimi Rutledge, Carl Lumbly, David Costabile, Costa Ronin, Lindsey Kraft, Tobias Jelinek, Minnie Mills, Zach Zagoria, Jason Mantzoukas
Duração: 407 min. (8 episódios)