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Crítica | Evil – 3ª Temporada

O mal nos manipula e controla.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.

Alouette, gentille alouette
Alouette, je te plumerai

Comecei Evil com base em sugestão de leitor aqui do site, mas com um pé atrás pela temática e por não mais gostar de filmes e séries de horror (cansei do gênero há algumas décadas). Quando acabei a primeira temporada, meu “pé atrás” havia sido transformado em maravilhamento diante de uma série que se recusava em ser apenas uma coisa e que abordava seus assuntos de maneira inteligente, perspicaz e com um humor de altíssima qualidade, quase como se eu estivesse assistindo a uma série britânica clássica como Fawlty Towers, por mais distantes que elas possam ser. Minha percepção de que estava diante de algo realmente especial confirmou-se na segunda temporada que, mesmo mergulhando mais a fundo nas bizarrices e nas teorias da conspiração como um Arquivo X de qualidade superior, conseguiu trabalhar notavelmente seus personagens, especialmente a psicóloga forense Kristen Bouchard (Katja Herbers) a partir do magnífico cliffhanger do primeiro ano que a reenquadra como uma assassina, mesmo que com o objetivo claro de proteger suas quatro filhas.

A terceira temporada começa a partir do cliffhanger da segunda, por sua vez conectado umbilicalmente com o da primeira, ou seja, a confissão do crime que Kristen cometera ao recém ordenado David Acosta (Mike Colter) e o beijo apaixonado entre eles. O que vem daí subverte expectativas, pois Kristen consegue se segurar e vai embora, com um demônio com sua aparência retornando e deixando evidente que David se entregaria completamente à ela. É a perfeita encarnação audiovisual da tentação da carne e essa culpa, essa dúvida, esse peso permanece nos ombros dos dois ao longo de toda a temporada, inicialmente separando-os e levando-os a um processo lento de cura enquanto lidam com casos de possessões, infestações demoníacas em uma temporada que fecha ainda mais o foco narrativo e se dedica a oferecer mais respostas ou, pelo menos, semblantes de respostas ao mistério macro que envolve o ao mesmo tempo assustador e cômico Leland Townsend (Michael Emerson) e seu plano diabólico que envolve as “casas demoníacas” e o completo e kafkiano cerco que faz à Kristen, seja por intermédio de sua mãe Sheryl (Christine Lahti), cuja participação é novamente ampliada; suas filhas, especialmente Lexis (Maddy Crocco), resultado de inseminação artificial e em tese sendo preparada para herdar uma das dinastias demoníacas; seu marido Andy (Patrick Brammall) que se torna alvo de vingança mesquinha por parte de Sheryl e até mesmo seu psiquiatra, o Dr. Kurt Boggs (Kurt Fuller), que tem suas convicções abaladas pelo demônio que viu na temporada anterior e que se entrega à Leland em um pacto faustiano que envolve o uso constante da famosa e consideravelmente macabra canção quebequense Alouette.

O envolvimento também cada vez maior da Irmã Andrea (a encantadora veterana Andrea Martin) como uma mentora e confidente de David, além de uma caçadora de demônios particularmente eficiente – o exorcismo na base da pá que ela faz na casa dos Bouchard é hilário! – e que recebe atenção sabotadora de Leland é uma escolha mais do que acertada de  Robert e Michelle King, que certamente enxergaram na personagem (e na atriz, claro), uma valiosa adição à trinca original. Essa adição, que é informal, vale lembrar, acaba cobrando um preço, porém, que é a linha narrativa envolvendo Ben (Aasif Mandvi) tornando-se menos saliente, seja pela eliminação da história envolvendo sua namorada e a irmã dela, seja pela presença constante de sua irmã Karima (Sohina Sidhu) que é um bis in idem em relação a ele e que cria toda uma linha paralela “escondida” de resolução de mistérios passados que não é explorada a contento. Por outro lado, Ben sempre teve essa característica de alívio cômico faz-tudo e isso continua aqui, com direito até mesmo a um episódio todo que o envolve diretamente em um estranhíssimo culto e que acaba com ele completamente banhado em sangue de bode.

De maneira semelhante à maior presente da Irmã Andrea na série, vemos o deliciosamente críptico Victor LeConte (Brian d’Arcy James), representante da Entidade, o Serviço Secreto do Vaticano que ele insiste em dizer que não existe ganhar mais relevo e arregimentar David como um de seus agentes em missões que parecem vir diretamente da franquia cinematográfica A Pantera Cor-de-Rosa e que é muito eficiente como um artifício não completamente explicado (porque não é mesmo para ser completamente explicado) que explica e amarra alguns elementos, inclusive trazendo a profetisa Grace Ling (Li Jun Li) novamente para o destaque, com consequências mortais. Fica evidente a intenção dos showrunners em fazer a série caminhar para uma resolução, mesmo que, creio eu, a essa altura do campeonato, eles não sabiam que ela seria cancelada na quarta temporada. O lado sobrenatural sem dúvida se sobrepõe ao equilíbrio entre crença e ceticismo que havia no primeiro ano, mas, ao mesmo tempo, percebe-se com clareza que há um paralelismo muito claro e bem-vindo com a maldade humana mesmo, que não precisa de ajuda do sobrenatural para cometer os atos que comete.

É importante ressaltar, porém, que esse estreitamento de foco, como mencionei anteriormente, não retira o espaço para as importantes críticas que a série faz. Aliás, eu diria que Evil existe em razão das críticas e não o contrário, algo que, no macro, é exatamente como descrevi no fim do parágrafo anterior, mas que, no micro, lida com o preconceito racial e a pedofilia no seio da Igreja Católica, o que é feito com diálogos enfrentativos constrangedores entre a trinca central e os padres de hierarquia mais alta por ali, incluindo o Monsenhor Matthew Korecki (Boris McGiver), que é revelado como gay no armário, o poder pernicioso das redes sociais representado pelo emprego de Sheryl como diretora de uma “fazenda de trolls”, uma verdadeira fábrica de fake news e também, de maneira surpreendente, pelo joguinho online infantil que ao contrário do que se poderia esperar, as filhas de Kristen usam para manipular Leland, levando até mesmo à libertação de seu pai de um cativeiro aterrorizante que me lembrar de A Maldição dos Mortos-Vivos, longa de 1988 de Wes Craven que me dá nervoso só de pensar e, claro, a pseudociência, que, hoje em dia, anda de mãos dadas com as fake news e que ganha um episódio inteiro que aborda o “peso da alma”. E isso sem contar com um dos temas mais importantes da temporada, que é o direito ao próprio corpo das mulheres que coloca Kristen como vítima da RSM, com um de seus óvulos congelados acabando fecundado pelo próprio Leland, em um final assustador.

Mais uma vez, Evil acerta em cheio e caminha na direção de seu encerramento sem sacrificar seu estilo muito peculiar e fascinante de contar histórias de horror. Com um elenco cada vez mais entrosado, reviravoltas bem boladas, alguns sustos bem colocados aqui e ali, e uma dose mais do que generosa de bizarrices surreais (aquele chefe de cinco olhos de Sheryl é sensacional!), o casal King envelopa e hipnotiza seus espectadores em uma jornada de oposição do bem contra o mal que eu gostaria que nunca acabasse, e olha que eu sou o maior defensor de séries curtas. Faltando apenas uma temporada, posso dizer com toda a certeza do mundo que começo a sentir saudades de Kristen, David, Ben, Irmã Andrea e, claro, das meninas que falam ao mesmo tempo sem parar, do debochado Leland, da sinistra Sheryl, do manipulável Dr. Kurt e de todas as entidades demoníacas e angelicais que povoam a série.

Evil – 3ª Temporada (Idem – EUA, de 20 de junho a 10 de outubro de 2021)
Criação: Robert King, Michelle King
Direção: Robert King, John Dahl, Nelson McCormick, Peter Sollett, Matthew Kregor, Yap Fong Yee, Aisha Tyler
Roteiro: Robert King, Michelle King, Davita Scarlett, Aurin Squire, Dewayne Darian Jones, Rockne S. O’Bannon, Erica Larson, Patricia Ione Lloyd, Louisa Hill, Sarah Acosta, Nialla LeBouef
Elenco: Katja Herbers, Mike Colter, Aasif Mandvi, Kurt Fuller, Marti Matulis, Brooklyn Shuck, Skylar Gray, Maddy Crocco, Dalya Knapp, Christine Lahti, Michael Emerson, Ashley Edner, Ciara Renée, Andrea Martin, Brooke Bloom, Boris McGiver, Sohina Sidhu, Li Jun Li, Patrick Brammall, Taylor Louderman, Stephen Dexter, Brian d’Arcy James, Anthony DeSando, Tim Matheson, Wallace Shawn, Molly Brown, Gia Crovatin, Dana Gourrier
Duração: 493 min. (10 episódios)

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