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Crítica | Eu Não Quero Ser Homem

por Rodrigo Pereira
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Ossi e Kersten no salão de casa.

Discussões acerca dos papéis de gênero na sociedade têm adquirido cada vez mais destaque sempre que o assunto da desigualdade vem à tona, ainda que não seja um tema exclusivamente recente. Um entre tantos exemplos que provam a existência desse debate há bastante tempo é o filme Eu Não Quero Ser Homem, lançado em 1918 e dirigido por Ernst Lubitsch.

Na obra, a jovem Ossi (Ossi Oswalda) possui atitudes consideradas impróprias para garotas de sua idade, sendo mostrada dançando, fumando, jogando pôquer, bebendo, recebendo serenatas de garotos e sempre se divertindo muito em todas as ocasiões. Ela vive tendo suas vontades reprimidas por sua governanta, interpretada por Margarete Kupfer, e por seu tio, o conselheiro Brockmüller (Ferry Sikla), o que faz ter uma ideia assim que o tio sai de viagem: vestir-se e agir como um homem.

A partir disso, somos apresentados a uma série de situações divertidas em que as concepções de comportamento social são confrontadas. Uma das primeiras ocorre quando Ossi sai de casa rumo a uma festa e pega o transporte público, sentando-se em um dos assentos do veículo lotado. Por recém ter adotado sua nova identidade, ela ainda não está acostumada a, por exemplo, ceder seu lugar para uma mulher sentar, um clássico gesto de cavalheirismo. Esse tipo de situação se repete ao longo de toda a película, sendo a festa o ponto alto dessas ocasiões (e do filme como um todo).

É nessa parte que vemos uma maior interação entre Ossi e Dr. Kersten (Curt Goetz), um homem que assume o papel masculino da casa onde mora a jovem quando seu tio viaja, e, responsável por mantê-la “na linha”, acaba assumindo imediatamente um papel de antagonismo com a protagonista. Lubitsch utiliza essa construção inicial para criar e dar ainda mais graça às cômicas cenas entre os dois ao longo da comemoração, com Kersten não sabendo a verdadeira identidade de seu novo amigo e, a partir disso, se divertindo muito durante toda a noite.

Com isso, o diretor expõe a questão anteriormente citada dos papéis de gênero na sociedade. Se dois indivíduos estão desfrutando da companhia um do outro, bebendo, fumando, dançando e aproveitando o momento, o que mais importa? Ou melhor, por que isso deveria importar para mais alguém que não eles mesmos? O final, após Kersten descobrir a verdadeira identidade de seu amigo, reforça isso ao mostrá-lo sorridente e alegre, ainda que surpreso, mostrando como algumas convenções podem inibir uma pessoa de ser ela mesma e aproveitar suas experiências da maneira que bem entender.

Ainda sobre a festa, gostaria de abordar a maravilhosa forma de Lubitsch filmar os acontecimentos daquele cenário em diversos momentos. O realizador utiliza novamente três planos na cena, algo que já havia feito em Sapataria Pinkus, para que todo o salão da festa pareça vivo e independente. Se na ocasião do filme anterior vimos um número bem menor de atores em um plano médio, o cineasta, agora, aumenta imensuravelmente o número de intérpretes na tela, com inúmeras pessoas sentadas à mesa em um primeiro plano, incontáveis casais dançando em segundo plano (com uma fileira de garçons passando entre as duas localidades) e a banda dando ritmo a tudo ao fundo na imagem. Além de auxiliar na ambientação, é impressionante notar o controle de Lubitsch nessas sequências, onde todos esses elementos parecem funcionar no momento exato, tal qual um relógio.

Com o humor característico do diretor, Eu Não Quero Ser Homem é uma obra que atesta sua excelência dentro do gênero da comédia sem que isso torne-se um impeditivo para tratar de assuntos mais sérios. Uma verdadeira pérola dentro de sua filmografia.

Eu Não Quero Ser Homem (Ich möchte kein Mann sein) – Alemanha, 1918
Direção: Ernst Lubitsch
Roteiro: Hanns Kräly, Ernst Lubitsch
Elenco: Ossi Oswalda, Curt Goetz, Ferry Sikla, Margarete Kupfer, Victor Janson
Duração: 45 min.

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