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Crítica | Estranha Forma de Vida

Uma execução aprisionada.

por Luiz Santiago
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Um dos momentos mais importantes de um filme, especialmente em um curta-metragem, onde o tempo de desenvolvimento da trama e dos personagens é consideravelmente menor, está em sua abertura, quando o diretor exibe as primeiras cartas de seu projeto. Estranha Forma de Vida, segundo filme que Pedro Almodóvar assina em língua inglesa (o primeiro foi o ótimo A Voz Humana), é uma obra que queima a largada ao distanciar o espectador com a artificialidade da execução do belíssimo fado de Amália Rodrigues, na voz de Caetano Veloso, sendo dublado por Manu Ríos. A direção da cena vai ficando interessante à medida que o close inicial no ator se torna um plano geral, mas a edição de som, nesse ponto, causa um incômodo conflito já na introdução.

A história é centrada na relação entre dois homens: Silva (Pedro Pascal, em interpretação superficial, quase indiferente) e Jake (Ethan Hawke, compondo muitíssimo bem o seu personagem, numa entrega com resultado marcante). O amor proibido entre eles, consumado no passado, volta como uma assombração inconsequente no presente, buscando lembranças que ferem, mas que ambos não conseguem evitar. O roteiro, no entanto, traz a paixão e a libido acompanhada de algo mais. Como é comum nos filmes de Almodóvar, a decepção, a tragédia ou o esgotamento de alguma situação/personagem tornam-se essenciais para o enredo, como se a punição pelos “erros da vida” tivesse que aparecer em sua forma prática ao menos uma vez na obra.

Na primeira parte, a montagem de Teresa Font não consegue manter uma unidade narrativa interessante, muitas vezes impedindo que o tempo de cenas-chave seja dramaticamente esgotado, ou perdendo oportunidades essenciais nesse tipo de trama homoerótica — e aqui me refiro precisamente à sequência de flashback, que possui tomadas intensas, provocativas e interessantes cortadas por um capricho de objetividade que não faz bem à narrativa. Aliás, esses momentos do passado são os únicos capazes de dar um chão para o presente, e não utilizá-los bem faz com que se perca a explicação das motivações ocultas nesses personagens e as indicações necessárias de transformação para cada um deles.

O melhor momento dramático, já com um ajuste de ritmo, se dá após a noite compartilhada entre o xerife e seu amante, que tem um motivo nada voluptuoso para estar na cidade exatamente naquele momento. Cria-se, então, um suspense que não é verdadeiramente explorado, mas sua atmosfera faz bem ao drama. A trilha composta de Alberto Iglesias ganha força na terceira parte da fita, e constrói uma ambientação favorável ao conflito que se segue. Gosto muito de tudo o que ocorre a partir desse momento, destacando bem o papel de George Steane, como filho de Silva. O jovem, ao lado de Manu Ríos, me pareceu o mais coerente com aquilo que conhecemos dos homens almodovarianos, seguidos, nas cenas de flashback, pelas versões jovens Silva e Jake, interpretadas por Jason Fernández e José Condessa.

Mesmo respeitando e entendendo a opção do diretor em terminar o filme num momento reticente, sem uma resolução completa do ciclo de eventos (e isso me parece algo da fase atual do artista, já que tivemos um caminho similar em seu trabalho anterior, Mães Paralelas), não há como negar o fato de que tais indefinições contribuem para uma diminuição geral de impacto da fita. Depois de tudo o que aconteceu, não vejo o final aberto como um bom encerramento. Estranha Forma de Vida é um exercício potencialmente instigante de Pedro Almodóvar, mas que não consegue atingir o seu propósito, talvez por liberdade tolhida, talvez por ter coisa demais sendo considerada ou por não lapidar os segredos, dores e encontros que essas formas estranhas representam num mundo tão cheio de surpresas desagradáveis.

Estranha Forma de Vida (Extraña forma de vida) — Espanha, França, 2023
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar
Elenco: Pedro Pascal, Ethan Hawke, Manu Ríos, José Condessa, Jason Fernández, Sara Sálamo, George Steane, Pedro Casablanc, Daniel Rived, Erenice Lohan, Oihana Cueto, Vasileios Papatheocharis
Duração: 31 min.

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