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Crítica | Estação Temple – 2ª Temporada

Em sua continuação, série britânica traz os personagens lidando com as consequências de seus atos.

por Leonardo Campos
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Popularmente, sempre dizem por ai que toda ação traz uma consequência. As reflexões sobre o conceito de ação e consequência, por sinal, é um tema constante na filosofia, pois levanta questões profundas sobre a natureza da moralidade, da liberdade individual e da responsabilidade. Para pensarmos a segunda empreitada narrativa da série britânica Estação Temple, torna-se quase impossível não dialogarmos com essa questão. Para os filósofos antigos, como Aristóteles, a noção de ação e consequência estava intrinsecamente ligada à ética e à virtude. Aristóteles argumentava que nossas ações são guiadas pela busca da felicidade e do bem supremo, e que as consequências de nossas ações são fundamentais para determinar se agimos de maneira virtuosa ou não. Nesse sentido, ele defendia a ideia de que a virtude está no meio termo entre os extremos, e que devemos agir de acordo com a razão para alcançar a felicidade. Há virtude e razão ou o cirurgião protagonista de Estação Temple esqueceu o equilíbrio e atravessou a linha tênue dos extremos tratados pelo viés aristotélico?

A visão aristotélica sobre o debate entre ação e consequência foi desafiada por filósofos mais modernos, como por exemplo, Immanuel Kant, que enfatizou a importância da intenção por trás de uma ação. Para Kant, o que é moralmente relevante não são as consequências de nossas ações, mas sim a intenção com a qual agimos. Aqui, temos um homem da medicina, cometendo atos considerados ilegais, mas dominado pelo desejo de salvar a vida de sua esposa, quando o sistema de saúde desconsiderou a possibilidade de mantê-la viva. Como lidar? Para o mencionado filósofo, há o imperativo categórico, que nos obriga a agir de acordo com o dever, independentemente das consequências. Assim, para Kant, o vínculo entre ação e consequência é mediado pela vontade racional, e não pela mera realização de um fim desejado. Na perspectiva existencialista, ilustrada aqui pelas reflexões de Jean-Paul Sartre, temos que levar em consideração a questão do livre-arbítrio e da responsabilidade individual. Sartre argumentava que nós somos seres completamente livres e responsáveis por nossas ações, e que a angústia resulta da consciência dessa liberdade radical, reforçando ainda a consequência de nossas ações como algo imprevisível, o que gera ansiedade e incerteza.

Esse, por sua vez, não é o caso de Daniel Milton (Mark Strong). Ele é um homem inteligente que, ao agir na impulsividade de suas emoções, sabe que em algum momento, terá que lidar com as consequências, independente de quais sejam. Por fim, para adentrarmos de vez na análise específica dos aspectos dramáticos da segunda temporada de Estação Temple, temos visão determinista também que lança luz sobre a relação entre ação e consequência. Filósofos complexos, tais como Spinoza e Nietzsche, argumentaram que as nossas ações são determinadas por causas anteriores, sejam elas biológicas, sociais ou psicológicas. Nesse sentido, as consequências de nossas ações são previsíveis e inevitáveis, e a ideia de livre-arbítrio é uma ilusão. Para esses pensadores que constantemente questionaram os compêndios filosóficos anteriores, a noção de responsabilidade moral é questionável, uma vez que nossas ações são fruto de determinantes externos sobre os quais não temos controle. Nesse caso, o cirurgião age de acordo com os pedidos negados que, em seu ponto de vista abrangente, poderia promover a salvação de sua esposa. Ao ser vilipendiado pelo sistema, ele se torna cria desse processo, pavimentando um caminho de incertezas e muita angústia.

Sabe a expressão popular “a casa caiu?”. Assim é que devemos encarar a ótima empreitada repleta de tensão da segunda temporada de Estação Temple, uma produção em oito episódios eletrizantes que continua a explorar os temas complexos e fascinantes que fizeram da primeira temporada um sucesso de crítica e público. Doses generosas de tensão, inserção de drama psicológico e questões éticas, embaçam a série que desafia as convenções narrativas tradicionais e mergulha os espectadores em um mundo moralmente ambíguo e emocionalmente intenso. Como destacado na análise da temporada anterior, o segundo bloco de episódios continua a explorar questões éticas e moralmente complexas. Nós espectadores questionamos as nossas próprias crenças sobre o que é certo e errado, num dilema entre justiça e sacrifício. Agora, depois de conquistar o bem tão desejado, isto é, a recuperação da vida de sua esposa, chega o momento de Daniel Milton limpar toda a bagunça feita ao longo do caminho pavimentado por suas escolhas obscuras. Ele é frequentemente confrontado com dilemas éticos difíceis, sendo forçado a fazer escolhas desafiadoras para a sua própria integridade, além de levar consigo todos aqueles que de alguma maneira estão envolvidos nas tramas mirabolantes e subterrâneas de suas ações ilegais para os olhos da sociedade.

Criada por Mark O’Rowe, realizador que conta com a colaboração de Erik Richter Strand e James Allen na sala de roteiristas, a segunda temporada de Estação Temple tem como um dos pontos mais positivos a evolução de seus personagens. Em especial, a sufocante jornada do protagonista, constantemente complexo e multifacetado. Desde as lutas internas em relação ao seu processo de construção de uma moralidade questionável, juntamente aos desafios emocionais enfrentados pelas descobertas da esposa em relação ao modo como foi trazida de volta à vida e, o comportamento relapso da filha, agora envolvida em causas “anarquistas”, a série vai conduzindo o espectador em meio às camadas generosas de adrenalina, mas sem deixar de lado a qualidade dos diálogos e a coerência de sua proposta dramática geral. Seus colaboradores, Lee (Daniel Mays) e Anna (Carice Von Houten), caem também no escorregadio espiral de perseguições de todos os lados, haja vista a constante investigação que se estabelece em torno dos mistérios que rondam o cirurgião Daniel, observado ora pela polícia, ora pelos pacientes que demonstram “saber o que ele fez no passado” recente.

Em linhas gerais, os roteiristas criam reviravoltas inesperadas e momentos de tensão crescente, sem perder a mão da qualidade e criando passagens onde a imprevisibilidade se estabelece. Ao passo que cada episódio se encerra, temos a cabal concepção de que nada ali vai terminar bem para todos. Personagens que sabem demais são silenciados, a cada passo para cobrir um rastro, outras pistas são deixadas pelo caminho, numa trama repleta de situações onde as consequências são desastrosas e o destino parece ser o precipício. Por meio da eficiente direção de fotografia de Ben Wheeler e do assertivo design de produção de Lucienne Suren, somos mergulhados num painel de momentos intensos, reforçados pela também coesa e dinâmica condução sonora de Matthew Herbert, responsável por fazer cada instante se tornar ainda mais pulsante ao longo dos sete ótimos episódios do segundo e último ano dessa série que trata de temas explicitamente atuais e “universais”, constantemente trabalhados na ficção. A equipe técnica, eficaz, cria um cenário sombrio e subterrâneo, tanto no quesito físico como psicologicamente, contribuindo para sua atmosfera singular e envolvente.

Ademais, a produção é uma aula de construção de tramas coesas e com temáticas polêmicas trabalhadas com equilíbrio por seus realizadores. Temos debates sobre crime e moralidade, ao passo que os episódios exploram as complexas decisões morais tomadas pelo Dr. Daniel Milton, que recorre ao submundo do crime para salvar sua esposa, o velho embate entre amor e sacrifício, pois inicialmente, a motivação central de Daniel é salvar sua esposa Beth, mesmo que fiquemos sabendo que o casamento deles, antes da situação dela, não ia bem das pernas. Há o enfrentamento das consequências de suas ações, pois a série destaca como as práticas de Daniel e dos personagens ao seu redor têm repercussões significativas e muitas vezes imprevistas. Diante do tudo isso, os roteiristas conseguem construir episódios onde o protagonista precisa ser constantemente safo ao lidar com os seus segredos e mentiras, tendo ainda que enfrentar dilemas conectados com a dualidade entre lealdade e traição, pois o tempo todo, as relações interpessoais são testadas. Ademais, temos ainda os personagens que buscam redenção por suas ações, lidando com sentimentos de culpa e um panorama de como a operação clandestina afeta a identidade dos personagens e suas relações familiares e sociais.

Por fim, esqueça o tal Juramento de Hipócrates. Esqueça mesmo. Tal como os personagens.

Estação Temple (Temple) – 2ª Temporada – Reino Unido, 2021
Criado por: Mark O’Rowe
Direção: Christopher Smith, Shariff Korver, Luke Snellin, Lisa Siwe, Frederik Louis Hviid
Roteiro: Mark O’Rowe, Erik Richter Strand, James Allen
Elenco: Mark Strong, Daniel Mays, Lily Newmark, Marion Bailey, Hiten Patel, Chloe Pirrie, Carice van Houten, Sam Hazeldine
Duração: 07 episódios de 45 min, cada

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