Em 2017, a DC Comics realizou alguns Especiais em comemoração aos 100 anos de nascimento do Mestre Jack Kirby, estando entre essas publicações duas histórias mostrando as aventuras do Sandman criado pelo Rei, ou seja a encarnação de Garrett Sanford como o controlador do mundo dos sonhos. São histórias separadas em tempo, espaço e temáticas, cada uma delas com uma base interessante de homenagem ao artista e ao seu personagem. Nesse sentido, as tramas valem muito mais pelo apelo emocional e festivo que apresenta do que pelas histórias em si, embora a primeira delas seja realmente emocionante em sua conclusão.
Com roteiro de Dan Jurgens e arte de Jon Bogdanove, O Rei dos Sonhos faz um entrelaçamento curioso entre a nossa realidade e o mundo onírico, com Sandman tendo que lidar com um tipo de pesadelo que ele nunca havia encontrado antes. É uma aventura que já começa num tom diferente, mais urgente e mais ameaçador; e que apresenta um padrão artístico inesperado (gosto bastante desses exercícios de colagem, com mistura de fotografias e desenhos). Uma criança está dormindo e está tendo pesadelos, mas algo parece muito mais intenso do que o normal, do que o esperado. E de fato, quando pulam para combater os monstros do pesadelo desse menininho, Sandman, Bruto e Glob são inicialmente vencidos e só conseguem mesmo se safar pela chegada de um inesperado e silencioso super-herói que nenhum deles tinham visto antes.
É na parte final que o roteiro de Jurgens traz a compensação para o leitor. Sandman precisa vir ao nosso mundo, para combater a presença física dos monstros no quarto do garoto que estava sonhando tão intensamente. E é nesse lugar que a magia acontece. O leitor sabe o que vai acontecer, entende quem é que está dormindo ali naquela cama, mas é impossível não se emocionar. É muito bonito quando um enredo consegue ligar de forma simples, carinhosa e respeitosa o personagem de um artista com a própria vida desse artista. E é nesse tom belíssimo de homenagem e emoção que nos despedimos desse primeiro sonho. O sonho de uma criança que ia crescer e permitir que muitas outras crianças e adultos pudessem sonhar com suas criações.
A segunda história inédita do Especial (porque existe a republicação de outros trechos de aventuras de Kirby lançados em revistas do passado) é intitulada Caravana da Crise e mostra uma realidade diferente daquela que conhecemos na fase original deste Sandman e da vida de Jed, mostrado agora como um homem adulto. A diferença, nesse Universo, é que ele não foi levado para a fazenda dos tios após a morte do avô. Ele simplesmente partiu da Ilha dos Golfinhos e deixou o avô lá. E claro, voltou agora para a ilha a fim de se despedir do velho, que morreu. É uma história bem triste, com um destino que não achei muito condizente com Jed e nem como algo bom para uma homenagem ao centenário de um artista. Se a ideia era criar uma trama sobre respeito, manutenção da memória de alguém e reconhecimento, havia centenas de outras (melhores) maneiras, principalmente levando em consideração que o autor tinha o reino dos sonhos para trabalhar.
O bom dessa história é o seu interessante “antagonista”, chamado Psycho-Pomp. Ele é o guia de um trem que carrega os sonhos ou as imagens esquecidas pelos humanos, o que é um conceito muito interessante de se imaginar, convenhamos. Gosto também do visual do personagem, desenhado por Rick Leonardi e finalizado por Dan Green. O embate dele com Sandman é como uma briga de indivíduos poderosos em um mesmo reino. O próprio Psycho-Pomp diz que ele é tão necessário àquele lugar quanto o próprio Sandman, o que de fato é verdade. O ruim no enredo é que tanto a sua premissa quanto a sua finalização me parecem estranhos. O “esquecimento” de Jed em relação ao avô não me soa algo provável e não se encaixa bem na história, por isso mesmo causa uma impressão pouco impactante no final, apesar da intenção do roteiro de Steve Orlando, que tenta inutilmente cavar uma emoção no encontro entre neto e avô. Talvez ele conseguisse algo se fosse por um caminho com menos culpa e mais tom de homenagem, como era pra ser.
The Sandman Special (The King of Dreams! / Caravan of Crisis) — EUA, agosto de 2017
Roteiro: Dan Jurgens (1ª história), Steve Orlando (2ª história)
Arte: Jon Bogdanove (1ª história), Rick Leonardi (2ª história)
Arte-final: Jon Bogdanove (1ª história), Dan Green (2ª história)
Cores: Madpencil (1ª história), Steve Buccellato (2ª história)
Letras: Willie Schubert (1ª história), Wes Abbott (2ª história)
Editoria: Rob Levin, Jim Chadwick
40 páginas