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Crítica | Erupção, de Michael Crichton e James Patterson

Uma verdadeira catástrofe.

por Ritter Fan
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Michael Crichton, escritor americano talvez mais famoso por Jurassic Park, que também foi diretor, roteirista e criou a longeva e querida série E.R. – Plantão Médico, faleceu cedo, aos 66 anos, em 2008, em razão de um linfoma, depois de ser diagnosticado no começo do mesmo ano. Mas sua morte não alterou de maneira significativa sua produção literária, já que, entre 2002 e 2006, ele publicou três romances e, entre 2009 e 2024, outros quatro foram lançados postumamente, dois deles integralmente escritos pelo autor (Latitudes Piratas e Dentes de Dragão) e os outros dois terminados por outros autores com base em manuscritos achados pela família (Micro e Erupção, objeto da presente crítica).

Desenterrar obras não publicadas de escritores famosos falecidos não é novidade alguma no mundo literário. Herdeiros parecem cães farejadores altamente eficientes nessa função, vide o já falecido Christopher Tolkien, ou tornam-se prolíficos expansores de mitologia, como é o caso de Brian Herbert. Além disso, há a prática de licenciar os nomes de autores para que terceiros continuem escrevam novas histórias sob essa “marca”, algo que acontece com Agatha Christie, Arthur Conan Doyle e também Sidney Sheldon e Tom Clancy. Como se pode ver, não é só Hollywood que não deixa propriedades intelectuais quietas em seu canto. Michael Crichton, que nunca foi exatamente um escritor prolífico, tendo lançado apenas 25 romances em vida, teve Erupção que, ao que tudo indica, era um projeto que ele vinha pesquisando e escrevendo há mais de 20 anos, completado por James Patterson, autor de perfil muito diferente que já escreveu mais de 200 romances desde 1976.

Já tendo lido vários livros de Crichton – alguns excelentes, outros bem longe disso -, mas jamais tendo tido oportunidade de ler algo de Patterson, não sei dizer exatamente quem é mais culpado pela atrocidade que Erupção acabou sendo para além de sua esposa Sherri Crichton que, vendo cifrões pela frente, contactou a editora para mais esse projeto. O romance é como um blockbuster hollywoodiano, o que já era de se esperar, mas sabem aquele filme-desastre particularmente ruim, com personagens unidimensionais sem construção alguma, uma premissa que é apenas levemente interessante, mas que é pessimamente executada, e uma correria infernal e quase que completamente ininteligível que toma boa parte da narrativa quando a erupção do título finalmente acontece? Pois é isso que Erupção é ao longo de suas excruciantes 432 páginas. Trata-se de um livro paupérrimo, profundamente decepcionante e que não consegue alcançar o sarrafo mínimo que poderia caracterizá-lo dentro da famosa categoria “é tão ruim que é bom”.

Na história, um vulcão no Havaí está prestes a entrar em erupção – a maior em 100 anos, mas, possivelmente, a maior de todos os tempos -, só que um segredo escondido pelos militares americanos há décadas tende a transformar esse evento natural em um evento capaz de exterminar a vida em todo o planeta. Cabe, então, a John “Mac” MacGregor, o recém-divorciado diretor do Observatório de Vulcões do Havaí e professor de surfe nas horas vagas, aliar-se às Forças Armadas para desviar o fluxo de lava da área sensível para evitar o apocalipse que se avizinha. Há, sem dúvida alguma, o DNA de Crichton na premissa e na estrutura básica da execução, que começa com um prólogo no Jardim Botânico de Hilo em que toda a vegetação morre vítima de uma estranha praga e parte para uma narrativa anos depois, às vésperas da erupção. Mas uma das coisas que Crichton sabia fazer bem, mesmo em seus livros mais fracos, era trabalhar seus personagens, pelo menos os centrais. Aqui, Mac é definido pela tristeza que sente por estar separado de seus filhos e pelas aulas de surfe que dá, mais nada, com a dupla de autores repetindo isso como um mantra, sem nenhuma profundidade, em toda a oportunidade possível. Ou seja, até o protagonista não passa de um recorte em cartolina, uma quase caricatura de “herói de blockbuster” que não consegue criar conexão decente alguma com o leitor.

Outra coisa que Crichton fazia muito bem era usar ciência de ponta como artifício narrativo. Em Erupção, a ciência é risível de tão rasa e jogada. O malabarismo que o texto faz para criar o segredo apocalíptico guardado pelas Forças Armadas é patético e a mais de uma centena de micro-capítulos (um dos sinais mais comuns de que o livro tem potencial de ser apenas um caça-níquel) não consegue focar em nada, seja nas informações sobre a vindoura erupção, seja nos planos para evitar que a lava cause a destruição que acabaria com o mundo. É uma mixórdia de informações genéricas jogadas na cara do leitor de maneira simplista e banal que não só não convence em momento algum, como também é incapaz de criar um fiapo de tensão.

Não ajuda em absolutamente nada a inserção enlouquecida de um monte de personagens novos que vão povoando a história mesmo já em estágio avançado e todos eles tão caricatos quando Mac ou completamente inúteis. Há o piloto de helicóptero que desobedece todas as regras de segurança, o político invejoso, o casal de caçadores de vulcões que só querem a fama, o bilionário irresponsável, o general das Forças Armadas que, apesar de latir suas ordens, é gente boa, a genial especialista em demolição que é interesse romântico de Mac, a vulcanóloga que também é interesse romântico de Mac, o brilhante estagiário de vulcanologia e surfista que idolatra Mac e não faz nada a história toda e assim por diante. Todos são não-personagens, ou seja, existem ou para cumprir funções bem específicas, sem ganhar nenhum tipo de contexto mais relevante do que o básico do básico ou ficam ali em uma espécie de limbo narrativo, surgindo vez por outra para dar um “oi”. Há outros ainda, vale dizer, mas nenhum que valha sequer ser mencionado aqui.

Erupção é um catástrofe literária, um romance imbecilizante que não tem nenhuma qualidade efetiva e que basicamente depende dos nomes de seus autores em letras garrafais na capa para chamar a atenção de desavisados. Tudo o que é interessante nele se perde em meio a sabotagens dos próprios autores que se perdem em bobagens constantes e na incapacidade de construir um personagem interessante sequer, na abordagem da ciência de maneira infantil e no desenvolvimento de sequências de ação que não seja um frenesi desnorteador equivalente aos filmes mais trepidantes de Michael Bay. A sensação de tempo perdido quando finalmente cheguei à última página foi avassalador, mas nada próximo à minha vontade de arremessar essa porcaria na cratera do vulcão mais próximo. Fica a torcida para que a viúva de Crichton pare de remexer nas coisas do marido para ganhar uns trocados a mais…

Erupção (Eruption – EUA, 2024)
Autoria: Michael Crichton, James Patterson
Editora original: Little, Brown and Company
Data original de publicação: 03 de junho de 2024
Páginas: 432

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