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Crítica | Epicuro, O Sábio

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Epicuro: Não gosta dos filósofos, então?

Hesíodo: Se eu gosto?! Eu odeio! Tudo sanguessuga! Lixo! Vivem largado na ágora, pregando, empatando a vida e mendigando atrás de gente decente que nem eu! É uma desgraça! A cada dez passos cê tropeça num vagabundo tentando adivinhar a altura do sol!

William Messner-Loebs

Quando ouvi falar pela primeira vez em Epicuro, o Sábio, fiquei receoso. Não porque o tema central da HQ fosse uma aventura hilária e nonsense pela Grécia Antiga ou porque os quatro álbuns que formam o encadernado trouxessem situações nas quais encontramos Platão, Sócrates, Aristóteles, Homero, Esopo, Zeus e Alexandre, o Grande (que nessa história não é tão grande assim, aliás, é um pingo de gente enfezado com tudo, que espeta seus professores, gosta de aventuras perigosas, caça, sangue, sexo, vinho e todos os itens dignos de um príncipe macedônio), mas porque imaginava que teria uma aula (chata) de filosofia via quadrinhos. O que me deixava receoso era a perspectiva de que Epicuro, o Sábio, seria uma HQ didática. E eu tenho pavor de comics assim.

Mas… qual o quê! O texto de William Messner-Loebs permite-se a licença poética e histórica para relacionar personalidades terrenas e divinas que nunca estiveram juntas, mas que bem poderiam ter estado. Em cada um dos álbuns da obra temos uma história peculiar, todas envolvendo o nosso herói criador do hedonismo, o filósofo Epicuro de Samos, e claro, o pequeno Alexandre, o Grande. Epicuro é amigo de Platão. Platão é desacreditado por todo mundo, inclusive por Sócrates, que nunca ouve direito o que ele tem para dizer. É simplesmente genial o modo como o filósofo é apresentado, já no primeiro livro, Visitando o Hades, como um discípulo embasbacado, praticamente uma criança nerd tentando ser ouvida pelo professor que não aguenta mais sua participação e teorias nas discussões da ágora, como falar de “sombras nas cavernas”, ou numa certa sociedade perfeita que poderia ser chamada de “República”.

Ágora

Além de também servir como centro religioso, a ágora era praça principal das antigas cidades gregas, local onde se instalava o mercado e que muitas vezes servia para a realização das assembleias do povo; formando um recinto decorado com pórticos, estátuas, etc.

O que mais impressiona no texto de Messner-Loebs é a naturalidade com que ele trata assuntos dramáticos e históricos, ao mesmo tempo que traz conceitos filosóficos simplificados sem nunca adquirir aquele tom professoral, como se estivesse ensinando preciosidades únicas ao pobre leitor ignorante. A filosofia e os eventos mais conhecidos como a Guerra de Troia, por exemplo (o meu único “senão” em relação ao livro), são contextualizados com bastante competência, sem nunca fugir da proposta dramática inicial. Vemos discussões e construções muitíssimo engraçadas entre esses neuróticos e egoicos mestres do pensamento Universal. Há aqui uma interação orgânica entre a ficção e a filosofia, de modo que um serve de apoio para o outro.

Cada um dos quatro capítulos conta uma história diferente, e neles, percebemos o envelhecimento das personagens e a mudança no estilo dos desenhos de Sam KiethVisitando o Hades, Os Muitos Amores de Zeus, Domando o Sol e Os Filhos de Helena são histórias que obedecem um certo tempo cronológico, mas se distinguem em continuação. Em cada uma delas, o autor elegeu um evento real ou imaginário da história da Grécia e procurou inserir neles as suas personagens. O resultado é um mar de criatividade e bom humor, representados por uma arte magnífica, obedecendo as exigências de cada situação, seja na coloração dos quadros, das personagens, nos traços mais sujos ou limpos, na diagramação mais simples ou mais imaginativa, e assim por diante. O único possível problema de Epicuro, o Sábio, é o último capítulo, que achei um tanto confuso e cuja abordagem dá indícios de uma narração didática, algo sobre o qual já comentei aqui.

O sonho de Epicuro era abrir uma escola de filosofia, mas isso acabou lhe custando muito trabalho, suor e aventuras inimagináveis. Epicuro, o Sábio é um livro que com certeza agradará a muitos. À exceção do possível exagero do roteiro no último álbum, temos uma obra livre de narrações didáticas ou enredo mal escrito. Além do texto espirituoso e inteligente de William Messner-Loebs, a arte de Sam Kieth e as cores de Steve Oliff são um presente não-grego para o leitor. Para quem imaginou que a Filosofia Clássica não poderia ganhar uma boa versão nas páginas dos quadrinhos, enganou-se. Eis aqui um incrível relato das aventuras e desventuras de um grupo de pensadores na badalada Atenas dos filósofos e dos seres divinos. Uma maravilhosa leitura!

Epicuro, O Sábio (Epicurus, the Sage) – EUA, 1989 – 1991
No Brasil: Editora Conrad, 2007
Roteiro: William Messner-Loebs
Arte: Sam Kieth
Cores: Steve Oliff
164 páginas

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