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Crítica | Entre Montanhas

Tão perto, mas tão longe.

por Ritter Fan
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Entre Montanhas é um filme facilmente vendável. Ele tem uma premissa curiosa envolvendo um desfiladeiro que ninguém sabe o que tem lá embaixo e que separa duas torres de defesa, cada uma povoada por um atirador de elite, dois bons atores do momento, Miles Teller e Anya Taylor-Joy, que emprestam vigor e química à dupla que eles inevitavelmente formam e uma veterana querida, Sigourney Weaver, vivendo uma mulher misteriosa que muito claramente tem motivos ulteriores malignos. É, para todos os efeitos, o chamariz perfeito que ainda conta com roteiro de Zach Dean, responsável por A Guerra do Amanhã, que considero um sci-fi que sabe usar os clichês do gênero, e a direção de Scott Derickson um cineasta sólido de horror que tentou a sorte com a Marvel Studios, em Doutor Estranho. A pergunta que se deve fazer, portanto, é se o produto vendido tem a qualidade que os nomes ligados a ele parecem prometer.

A resposta pode ser dividida em três momentos que acompanham o desenvolvimento da narrativa. O primeiro deles, que vai do começo até a metade da minutagem avantajada de pouco mais de duas horas é uma bem-vinda e rara abordagem calma, tranquila, sem nenhuma afobação e quase nenhuma ação propriamente dita de dois personagens em literais lados opostos de uma profunda e larga ravina cujo fundo não pode ser visto em razão de uma espessa e eterna neblina. O americano Levi Kane (Teller) e a lituana Drasa (Taylor-Joy) ganham uma construção como duas pessoas profundamente perturbadas em razão do que escolheram fazer, ou seja, serem atiradores de elite que friamente ceifam vidas à distância, que vão parar nesse fim de mundo, cada um com a missão de cuidar de uma torre de cada lado do desfiladeiro cuja localização e objetivo eles ignoram e sem que um possa se comunicar com o outro.

Mas, claro, a comunicação não demora a acontecer, primeiro por meio de binóculos e textos escritos em folhas grandes de papel e, depois, de maneira mais próxima (ou você realmente achou que os dois ficariam separados o tempo todo?) e é nesse “perto longe” que eles precisam viver por um ano é que está a maior graça do longa e os momentos realmente inspirados do roteiro e da direção. Não, não há nada realmente surpreendente ou imprevisível (essa é uma palavra superestimada em filmes nos dias de hoje, aliás) para além do fato que Dean e Derrickson não demonstram pressa alguma em jogar a dupla na ação vertiginosa. Como disse, metade do filme é dedicado a erigir os personagens, falar um pouco – muito pouco – do mistério do desfiladeiro e aproximá-los fisicamente para que eles possam encontrar a mais do que clichezenta (mas bonitinha) razão de viver um pelo outro. E tudo conspira a favor aqui, seja o uso descarado de metáforas, como é o próprio desfiladeiro que os separa, seja a bonita e idílica fotografia na Noruega e, claro, a conexão entre os solitários personagens que contam até mesmo com cada ator ganhando o “momento referência óbvia” aos papeis que os revelaram em O Gambito da Rainha e Whiplash: Em Busca da Perfeição.

Quando tudo isso acaba e os momentos simpáticos precisam abrir espaço para a pancadaria, os problemas mais evidentes começam a aparecer, com o roteiro, então, passando a ser, como Zach Dean gosta de fazer, uma colagem de obras muito superiores, no caso Aliens – O Resgate (não cito o filme em razão da presença de Weaver não), O Enigma do Outro Mundo e King Kong carregadas de explicações e mais explicações – com direito até a vídeo professoral! – sobre o que afinal tem de tão importante/assustador/misterioso no fundo do desfiladeiro que exige todo esse segredo e as torres que protegem o mundo exterior do que está lá dentro. São 30 minutos em que vemos os detalhes das criaturas que aparecem na única real sequência de ação da hora inicial, mas que faz delas ameaças genéricas que não criam tensão e muito menos medo, com uma movimentação tão veloz e furiosa, além de extremamente conveniente, que deixa o espectador até zonzo. No entanto, depois disso, ainda há os 30 minutos finais em que as pontas são amarradas, com aquilo que já era genérico, mas pelo menos com algum grau de inevitável interesse, tornando-se genérico banal, com direito a uma apoteose destrutiva tão telegrafada que desanima.

Mas não é o fim do mundo, vale dizer. Entre Montanhas só é um filme desonesto quando faz uso de elementos literários para tentar ser mais do que é e acabando, no máximo, como risivelmente cerebral ou inadvertidamente pretensioso, pois, no restante, ele oferece aquilo que um filme de ação hollywoodiano feito para streaming costuma oferecer com a vantagem de empregar toda sua primeira metade a uma calmaria gostosa que está muito, mas muito longe de ser costumeiro nesse tipo de produção, dando espaço para sua dupla de atores fazer o que tem que ser feito sem a necessidade de haver uma explosão a cada dois minutos ou montagem indutora de epilepsia. Pena que, quando chega o momento do que estava bom ficar ótimo, Dean e Derrickson jogam tudo no desfiladeiro para ver o que sobra lá embaixo. A produção vende-se bem pelo mistério, mas funciona melhor quando foca no romance de supostos inimigos impossivelmente separados. Vai entender…

Obs: Entre Montanhas, jura? Não podia ser O Desfiladeiro, A Ravina, A Ribanceira, O Abismo ou algo assim?

Entre Montanhas (The Gorge – EUA, 14 de fevereiro de 2025)
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: Zach Dean
Elenco: Miles Teller, Anya Taylor-Joy, Sigourney Weaver, Sope Dirisu, William Houston
Duração: 127 min.

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