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Crítica | Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados

Uma minissérie ousada para a sua época.

por Leonardo Campos
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Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecado

Interessante observar como a minissérie Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados, lançada em 1995 pela Rede Globo, consegue ser ainda tão atual se analisada ao lado do tenebroso cenário social brasileiro da contemporaneidade. Dividida em duas fases, uma no Espírito Santo e outra no Rio de Janeiro, a trama inspirada no romance Asfalto Selvagem, do excepcional Nelson Rodrigues, conta ao longo de 20 episódios de 30 minutos, a trajetória de Engraçadinha, uma jovem cheia de desejos, acossados numa sociedade hipócrita e repressora. O fanatismo religioso, em especial, é a temática motriz desta produção que mescla elementos da tragédia com as humoradas cenas do cotidiano, justaposição de abordagens que poucos fizeram tão bem quanto o mestre da dramaturgia e dos contos, ponto de partida literário para essa tradução levada ao suporte semiótico televisivo, sob direção de Denise Saraceni e João Henrique Jardim.

Na primeira fase, temos Engraçadinha pela interpretação de Alessandra Negrini, uma jovem mulher sedutora, com requintes de mulher fatal, avassaladora sexualmente, magnética com o seu poder de atração. Filha de um deputado falso moralista, o senhor Arnaldo (Cláudio Corrêa e Castro), a moça causa desconforto em sua amiga Letícia (Maria Luísa Mendonça), jovem que também anseia muitas coisas, dentre elas, Engraçadinha, além de perturbar a mente de Zózimo (Pedro Paulo Rangel), seu companheiro que parece ser incapaz de conseguir “dar conta” das chamas que tomam a personagem. Não bastasse, ela ainda flerta com Sílvio (Ângelo Antônio), relação ousada que será catalisação para uma das primeiras tragédias da minissérie quando o seu pai, atordoado ao descobrir o caso entre os jovens, revela que ele na verdade é seu filho, não sobrinho. Por ter cometido incesto com Engraçadinha, Sílvio se mata. Peculiarmente. Algo fálico.

Diante da situação, 17 anos se passam. Engraçadinha agora é uma mulher adulta, na maturidade, ainda muito atraente, mas recatada, numa interpretação adequada e muito eficiente de Cláudia Raia, atriz que até então, tinha se dedicado quase que exclusivamente ao campo da comédia mais escrachada. Reprimida pela sociedade que parece ter calcificado os seus desejos intensos e fatais da juventude, Engraçadinha agora vive com o seu marido, Zózimo (Leonardo Campos), no Rio de Janeiro. A sua trajetória no Espírito Santo agora é assunto do passado, supostamente esquecido. Protestante, a personagem ataca constantemente os anseios pecaminosos ao seu redor, questionando comportamentos e colocando limites em sua filha, Silene (Mylla Christie), garota carismática e com atitudes liberais que lembram muito o seu estilo de vida na juventude, algo que a assusta bastante. Por isso, um de seus projetos diários é colocar a jovem no devido lugar, contendo os desejos que parecem querer explodir da adolescente.

Assim, nesta produção criada por Leopoldo Serran, roteirista que teve apoio de Carlos Gerbase no processo adaptativo, Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados vai nos mostrar que em materiais emulados do universo de Nelson Rodrigues, não há espaço para a hipocrisia vencer. Se isso ocorre, temos um forte jogo de ironia. Ao ter alguns contatos com o seu passado, manobras do destino que tomam a protagonista de assalto, memórias serão retomadas e a exuberância de antes ganha novo fôlego para se projetar. Com a chegada de várias distrações, em especial, Luís Cláudio (Alexandre Borges), Engraçadinha perceberá que, tal como dito no popular, quem tem limite é cartão de crédito. E por isso, ela colocará para fora o que estava guardado há eras, numa trama onde a sexualidade se torna uma obsessão e a derrocada social de figuras que aparentam ser coisas que, de fato, estão longe de ser.

Visto hoje, parece mais ácido e corrosivo que em 1995, afinal, vivemos uma nova era de trevas em nosso tecido social que mais parece um farrapo, não é mesmo? Com texto bem escrito e desempenhos dramáticos que conseguem atrair o espectador para os conflitos apresentados durante cada bloco narrativo, a minissérie contou com os figurinos de Helena Gastal, a mesma de Presença de Anita, profissional que sabe exatamente como construir o visual de personagens ousadas sem precisar de recorrer aos excessos. Na concepção cenográfica, a produção capricha nos objetos que representam as dimensões psicológicas e sociais dos personagens, delineando cada um conforme as suas características. Em linhas gerais, visto hoje, é um material com direção de arte cafona, próprio do sistema televisivo de produção, mas adequado para o conteúdo dramático exposto nesta minissérie ousada para a sua época e ainda mais polêmica se observada em nossa conservadora dinâmica contemporânea.

Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados (minissérie, Brasil -1995)
Direção: João Henrique Jardim, Denise Saraceni
Roteiro: Leopoldo Serran, Carlos Gerbase (adaptação de Nelson Rodrigues)
Elenco: 1ª Fase – Alessandra Negrini, Ângelo Antônio, Cláudio Corrêa, Nicette Bruno, Sérgio Mamberti, Zilka Salaberry, Otávio Augusto, Hugo Carvana; 2ª fase – Cláudia Raia, Mylla Christie, Caio Junqueira, Carmo Dalla Vecchia, Verônica Lopes, Otávio Müller, Luiz Maçãs, Cândido Damm, Cassiano Carneiro, Antônio Grassi, Ernani Moraes, Enrique Diaz, Louis André, Alexandre Borges, Maria Luísa Mendonça, Paulo Betti, Pedro Paulo Rangel
Duração: 30 min. (20 episódios no total)

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