Desde o seu começo, Emily em Paris é uma série que tem como inspiração, as peripécias das personagens de Sex and The City, numa jornada com menor número de episódios por temporada, mas com situações cômicas e dramáticas que tomam como ponto de partida, o legado e o impacto cultural de Carrie Bradshaw e suas amigas. A trama segue vida de Emily Cooper, interpretada por Lily Collins, uma jovem executiva de marketing estadunidense que se muda de Chicago para Paris após sua empresa adquirir uma nova agência de marketing na França. O enredo constantemente explora as adaptações culturais que Emily enfrenta enquanto tenta se integrar à vida parisiense, ao mesmo tempo em que luta para se estabelecer em sua nova carreira. Com visual rotineiramente vibrante e trilha sonora empolgante, os episódios da série buscam capturar a “essência da capital francesa” e seus costumes, proporcionando ao público reflexões sobre a busca pela identidade em um ambiente estrangeiro.
Para alguns pode soar pueril e entretenimento ligeiro, aquele escapismo puro que buscamos para lidar com a realidade bem menos generosa, mas diante dos cálculos críticos e analíticos, Emily em Paris é uma produção interessante. Mais pelos quesitos estéticos e pelas temáticas dos textos elaborados pela sala de roteiristas do que pelo desenvolvimento do que tem como proposta. Mas, ainda assim, é um produto contemporâneo interessante para pensarmos os desafios de algumas mulheres no mercado de trabalho, nos ambientes corporativos e na sociedade em geral. Em seu quarto ano, por sua vez, as barreiras linguísticas ainda existem, mas não se estabelecem como problema no desenvolvimento atual da produção. O preconceito com o suposto jeito industrial e fugaz dos estadunidenses, em perspectiva comparativa com a elitização do cotidiano dos franceses, desta vez, também não é mais um conflito centralizador.
Diante disso, fica para o espectador que se dedica aos dez episódios da quarta temporada, o seguinte questionamento: o que esperar da jornada de Emily dessa vez? Bom, tomando como base alguns elementos de seu espelho, Sex and The City, a narrativa se prende aos relacionamentos, com alguns momentos enfadonhos, lado a lado com passagens envolventes, divertidas e, mesmo que o saldo dramático total não seja grandioso, alguns instantes de reflexão também. Emily agora precisa colocar toda a sua energia para empreender, pois um cliente em potencial, Marcello (Eugenio Franceschini), pode ser a oportunidade para a agência ampliar os negócios e continuar se mantendo relevante. O problema é que este novo personagem, sedutor e envolvente como muitos italianos da ficção e da realidade, não deseja que a sua empresa ganhe proporções populares.
Em linhas gerais, ele e sua família não querem marketing para a marca. Além disso, o rapaz se torna interesse amoroso da protagonista e, diante dos desafios pessoais e profissionais, todos os envolvidos na história terão de driblar questões cruciais para conseguir colocar em pauta, o equilíbrio entre o que é pessoal e o que é profissional. Sylvie (Philippine Lerou-Beaulie), colada na caminhada de Emily com Marcello, faz intervenções que atrapalham a esfera íntima de sua colaboradora, mas que pode intensificar a sua carreira. A irônica e debochada líder aproveita a perspectiva italiana da protagonista na segunda metade da temporada para também mudar de ares temporariamente e reencontrar um grande caso amoroso do passado. Para o enxerto dramático, os realizadores continuam com os dilemas de Gabriel (Lucas Bravo) e Mindy (Ashley Park), coadjuvantes mais proeminentes da narrativa, presos nos arcos narrativos mais desinteressantes da temporada.
No final da jornada, fora as questões dramáticas razoáveis e a perspectiva de mudança para o território italiano, Emily em Paris me fez refletir sobre essa construção dos franceses como figuras esnobes e elitistas. Para melhor compreender, fui buscar referências. Nas leituras, o que pude entender é que a percepção de que os franceses são esnobes culturalmente está enraizada em uma série de fatores históricos, socioculturais e até mesmo linguísticos. Em primeiro lugar, a França tem uma longa tradição de orgulho nacional, especialmente em relação à sua língua e cultura. O francês é frequentemente visto como uma língua de sofisticação e elegância, o que pode levar a um sentimento de superioridade cultural, onde falantes de outras línguas são considerados menos refinados. Ademais, Paris, como uma capital cultural e artística, atrai visitantes de todo o mundo e influencia tendências globais. Isso pode criar uma impressão de elitismo, já que muitos franceses têm um forte apreço por artes, moda e gastronomia, o que pode ser percebido como exclusividade. O famoso “savoir-vivre” francês, uma expressão de apreciação estética e de excelência na vida cotidiana, contribui ainda mais para essa imagem.
Outro aspecto para pensar é a educação. O sistema educacional francês, que valoriza o conhecimento profundo em diversas disciplinas, pode resultar em certa arrogância intelectual. Os franceses tendem a valorizar discussões sobre filosofia, arte e política que, na visão de estrangeiros, pode parecer um distanciamento da cultura popular ou do cotidiano. Emily, com sua energia voltada para as redes sociais, é uma personagem se percebe constantemente como um elemento oposto do que é visto como tradicional pelos seus colegas e clientes. Em torno de sua existência em Paris, a maneira como os franceses expressam suas opiniões e a ênfase em argumentos elaborados, juntamente com uma comunicação direta, por vezes, podem ser interpretadas como desdém por aqueles que não compartilham da mesma visão ou nível de conhecimento. E, por fim, as representações na mídia também desempenham um papel importante na construção dessa imagem. Filmes, livros e estereótipos frequentemente retratam o francês como alguém que é meticulosamente crítico e que valoriza o status, reforçando a ideia de esnobismo. Com a sua guinada no desfecho da temporada, será que agora contemplaremos estereótipos do modo de vida italiano? Basta aguardar o quinto ano para conferir.
Emily em Paris – 4ª Temporada (Emily in Paris, Estados Unidos/França, 22 de dezembro de 2024)
Criação: Darren Star
Direção: Andrew Fleming, Zoe Cassavetes, Peter Lauer
Roteiro: Darren Star, Kayla Alpert, Ali Waller, Joe Murphy, Matt Whitaker, Emily Goldwyn, Sarah Choi, Grant Sloss, Alison Brown
Elenco: Lily Collins, Philippine Leroy-Beaulieu, Ashley Park, Camille Razat, Philippine Leroy-Beaulieau, William Abadie, Samuel Arnold, Bruno Gouery, Roe Hartrampf
Duração: 278 min. (10 episódios)