O Japão tem uma interessante linha de produções em audiovisual (especialmente para a televisão) que renova algumas aventuras bem conhecidas do Ocidente, adicionando um ponto de vista culturalmente distinto e criando algo instigante em cima desses personagens, de seus dilemas ou espaços de sobrevivência. No longa Em uma Terra Muito Distante… Havia um Crime (2023), o diretor Yûichi Fukuda (que é bem mais reconhecido por seus trabalhos como roteirista) coloca em cena duas jovens icônicas dos contos de fada, Chapeuzinho Vermelho e Cinderela, em uma aventura de investigação. Na noite de um famoso baile no Reino, Hans — homem infame, responsável pelos figurinos e cabelos da família real e de alguns nobres distintos da Corte — é encontrado morto. O mistério, então, está posto: quem matou Hans, e por quê?
A estética televisiva, aqui, dá o tom geral da obra, que em muitos aspectos é similar ao dos animes (com destaque para Detetive Conan), povoada por personagens exagerados e/ou excêntricos. Além disso, nos deparamos com uma forma cuidadosa na construção da investigação, um modelo que parece bastante cristalizado na TV japonesa, uma vez que o encontramos em obras de safras e caminhos de adaptação tão diferentes como Os Primeiros Casos de Akechi Kogoro: Assassinato na Colina D (1992) e Assassinato no Expresso do Oriente (2015), ambos live-actions, claro. Com esse modelo em mente, sabemos que existe aqui uma especificidade cultural na criação de histórias policiais. A grande questão é que nem sempre essas escolhas contribuem para a formação de um bom produto final, o que é o caso.
O roteiro parte de um ponto interessante. Chapeuzinho Vermelho (Kanna Hashimoto) é uma investigadora acidental, tendo a capacidade de ligar cenas, objetos e falas que parecem inocentes… até chegar a um resultado revelador. Embora suas primeiras cenas, com a “bruxa madrinha”, sejam vergonhosas, a direção firma o pé na artificialidade e convida o espectador a abraçar a fantasia, a ver esse Universo com os olhos da imaginação e tentar descobrir quem cometeu o terrível crime. O andamento do enredo chega a ser um pouco confuso em sua motivação, trazendo ingredientes da aventura clássica de Cinderela (inclusive o sapatinho de cristal e a carruagem-abóbora); mas quando foca apenas na investigação de Chapeuzinho para o assassinato, a obra consegue funcionar melhor.
A despeito do uso abusivo, a trilha sonora da película é muito bonita, e tende a equilibrar ou complementar as emoções de muitas cenas. Como estamos diante de uma escola dramatúrgica diferente da Ocidental, os personagens parecem bonecos mergulhados em excessos, e não é fácil gostar deles. O único que combina perfeitamente com esse tipo de apresentação é Hans, que mesmo sendo o mais odiável personagem de todo o filme, foi o único de quem realmente gostei. E o que me afastou de boa parte da obra foi uma mistura de narrativa didática com diálogos pobres, dramaturgia hiperbólica para todo o elenco, e o modelo de montagem como se fosse uma “divisão por episódios“, o que só consegue irritar a qualquer um.
A ideia de um drama policial num Reino dos contos de fadas é bem-vinda, e uma parte da investigação de Chapeuzinho Vermelho captura bastante a nossa atenção, além de ter bons momentos de tela. Mas o projeto não quer se assumir por completo, de modo que o mistério vem mesclado com um drama moral e outro amoroso, dificultado a fixação de um sentido coeso em todo o filme. Uma daquelas produções onde o resultado é ruim, mas se você prestar bem atenção e escolher com cuidado, encontrará algo de minimamente valioso no meio de toda a bagunça fantasiosa. Tudo levado em conta, termina valendo um pouco a pena.
Em uma Terra Muito Distante… Havia um Crime (Akazukin, tabi no tochu de shitai to deau / 赤ずきん、旅の途中で死体と出会う。/ Once Upon a Crime) — Japão, 2023
Direção: Yûichi Fukuda
Roteiro: Aito Aoyagi, Yûichi Fukuda, Tetsurô Kamata
Elenco: Kanna Hashimoto, Yûko Araki, Takanori Iwata, Natsuna, Yumi Wakatsuki, Mirei Kiritani, Tsuyoshi Muro, Masaki Kaji, Tomoharu Hasegawa, Atsuhiro Inukai, Mizuki Yamamoto, Midoriko Kimura, Miki Maya, Jirô Satô, Kelly Lee
Direção: 107 min.