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Crítica | Em Nome do Pai (1993)

por Luiz Santiago
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Imagine que você é preso, acusado de um crime que não cometeu. Então você é julgado e condenado. Passa 15 anos na cadeia, metade da pena que lhe foi dada pelo crime que não cometeu. Seu pai morre na cadeia, onde também estava preso por um crime que não havia cometido. Após tanto tempo, você descobre que, à procura de um bode expiatório, a polícia e a promotoria esconderam provas que o inocentariam. Descobre que eles manipularam dados e depoimentos; cometeram perjúrio e prenderam você, seu pai, seus amigos, sua tia e primos, todos inocentes. No final das contas, nenhum dos indivíduos que fizeram isso com que você e os seus foram presos ou pagam por isso. O que o Estado faz é lhe dizer “você está livre. Desculpe pelo inconveniente“. Esta é a história real dos “Quatro de Guildford”, caso que inspirou Terry George e Jim Sheridan a escreveram o roteiro de Em Nome do Pai (1993), um daqueles filmes capazes de deixar o espectador com raiva do Estado e dos sistemas judiciários viciados e corruptos.

Tomando esse ponto de vista pessoal que fiz questão de destacar na apresentação do enredo, é possível apreciar a qualidade das grandes atuações de Daniel Day-Lewis e Pete Postlethwaite, ambos merecidamente indicados ao Oscar. Através deles temos o núcleo mais emotivo do filme, marcando a complicada relação entre pai e filho, que encontrou na injustiça e nos conflitos sociais e políticos envolvendo o IRA, nos anos 70, uma ruptura e um reatamento. A situação inteira emana uma aura cinematográfica, dramática, que infelizmente sabemos ter sido real. Claro que o diretor Jim Sheridan tomou liberdades criativas para tornar a história mais fluída e até facilitar o entrelaçamento do bloco da prisão e do tribunal com a vida do lado de fora, valendo-se aí da edição de Gerry Hambling, que funciona na ligação entre os espaços, mas, devido o encadeamento do roteiro, não consegue fazer um trabalho igualmente bom na passagem do tempo, um dos pontos fracos do filme.

Como partimos de um ambiente de quase guerra civil e ações de roubos cometidos pelo personagem de Day-Lewis e um amigo, nos acostumamos com a tensão que o roteiro nos apresenta o tempo todo, paulatinamente fazendo com que o caos externo atinja mais gravemente as famílias, traçando a falência de um sistema que, para não parecer mal aos olhos da população e passar a sensação de que está fazendo justiça e punindo culpados (inclusive alimentando ondas de ódio contra “os de fora”), não se importa em fazer inocentes pagarem por crimes de outrem. Mesmo que o desenvolvimento do roteiro fale do amadurecimento de Gerry Conlon e faça desfilar um elenco bem afiado e muitíssimo bem dirigido, sempre ressaltando culpa, crime e punição em vários sentidos, toda a discussão vai acabar nesse mesmo lugar de pessoas pagando pelo que não fizeram e o Estado defendendo a si mesmo, apenas desculpando-se (e quando muito, indenizando as pessoas que arrasaram) e deixando soltos os “homens e representantes da lei” que cometeram atos que se se fossem feitos por qualquer outra pessoa, teriam uma repercussão e um resultado bem diferente.

Como a passagem do tempo é um grande problema do roteiro e, por tabela, da montagem e direção, nós temos apenas uns poucos grandes momentos do desenho artístico e figurinos, exibindo caraterísticas de época. Esse impasse, todavia, parece não ter afetado muito a fotografia do filme, já que o grande destaque é a identidade visual padrão dos lugares. Dessa forma, a prisão com cores neutras (exceção ao interior das celas), as casas com tons térreos mais aconchegantes, as ruas cinzas e o tribunal mergulhado em marrons e beges, fizeram parte de uma sábia decisão do fotógrafo Peter Biziou ao lado do diretor, pois assim puderam fazer com que o filme tivesse uma aparência considerada “antiga” pela predominância de determinadas paletas de cor e não necessariamente por uma escrupulosa variação estética e reconstrução de época.

A narração feita pelo protagonista é indireta, vinda de uma fita K7 que a advogada que reabre o caso ouve no carro e passa a investigar as pistas dadas pelo cliente. A estratégia funciona muito bem no começo, mas atrasa o andamento do filme a partir da chegada do pai e do filho à prisão. Já ali, o público estava envolvido demais com os personagens para o enredo ter esse lado indireto de nos guiar pelos acontecimentos. Claro que não chega a ser um padrão ruim, mas certamente não foi a melhor opção do meio da obra para frente.

Com uma forte mensagem final e exposição dos podres de parte do sistema, Em Nome do Pai é capaz de emocionar o espectador ao mostrar a justiça sendo feita nas cenas finais. Por outro lado, a amarga sensação que temos ao perceber que nenhuma parte daquela situação deveria ter acontecido, nos faz pensar sobre as últimas linhas ditas por Day-Lewis, fechando o ciclo na comparação desse caso com os muitos que temos em nosso próprio tempo e em nosso próprio país. Injustiças cometidas por grandes sistemas no poder não são novas na História. Mas é doloroso perceber que mesmo após tantos séculos elas ainda persistem, em nome de interesses e causas próprias, onde a desgraça e destruição de pessoas inocentes viram estatísticas e, anos depois, ingredientes para filme. Esta é a situação do que chamamos de Civilização e um lado inconveniente daquilo que ela chama de Justiça.

Em Nome do Pai (In the Name of the Father) — Irlanda, Reino Unido, EUA, 1993
Direção: Jim Sheridan
Roteiro: Terry George, Jim Sheridan (baseado na obra de Gerry Conlon)
Elenco: Daniel Day-Lewis, Pete Postlethwaite , John Lynch, Mark Sheppard, Beatie Edney, Emma Thompson, Anthony Brophy, Frankie McCafferty, Maureen McBride, Don Baker, Corin Redgrave, Gerard McSorley, Frank Harper, Jamie Harris, Tom Wilkinson, Kelly McKeavney
Duração: 133 min.

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