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Crítica | Eleição (1999)

por Gabriel Carvalho
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“Eu não estou falando sobre ética. Eu estou falando sobre moral.”

Quando pensamos em política, o que vem primeiro em nossas cabeças? As mesas-redondas eleitorais, a troca de pensamentos divergentes, mas que poderiam se complementar, e quiçá a busca por um caminho melhor? Ou as campanhas incessantes, o ataque à imagem e uma necessidade por, ao invés de buscar o melhor, ser o melhor, possuir o poder e o conhecimento para si? Justamente essa subversão da política, transformada em mera politicagem, que move Eleição a ser um dos grandes representantes do que significa o conceito no mundo moderno. Em um cenário escolar, a chegada das eleições move anseios que transparecem a cara da política contemporânea. Boas intenções são máscaras para vontades pessoais, desejadas e buscadas custe o que custar. Assim sendo, um professor, encoberto de auto-explicações questionáveis, antagoniza a intenção de vitória de uma estudante, querendo que ela perca. Quem está com a razão nessa questão? O mundo político atualmente não poderia ser mais supérfluo e perturbador quanto as eleições estudantis – no caso, as campanhas – que movimentam a narrativa deste filme.

De acordo com Alexander Payne, o próprio diretor do longa-metragem, essa seria a produção cinematográfica com temática política preferida do ex-presidente norte-americano Barack Obama. E isso não é à toa. O que menos importa para a narrativa, como também acontece na nossa realidade de anos em anos, é o confronto de ideias e propostas. Os intuitos de Tracy Flick (Reese Whiterspoon), a principal concorrente ao cargo de presidente, são possessivos e sua campanha visando a vitória não abrange argumentar, porém, apenas seduzir, convencer por propagandas. Os cupcakes na mesa. Os cartazes espalhados pelo colégio. Os broches estampados com o seu rosto. Mas o que Tracy verdadeiramente melhoraria na sua escola? E como Tracy melhoraria isso na sua escola? Reese Whiterspoon encarna uma antagonista cínica, que traja todo o semblante de inocência no rosto, contudo, apenas para esconder seus impulsos egocêntricos. O que importa é, primeiramente, entrar numa universidade. O arquétipo do estudante ganancioso, que participa de todos os cursos e quer sempre estar em primeiro, é usufruído com bastante sagacidade por Payne.

O cineasta quer que o público irrite-se com a jovem, percebendo questionamentos inexoráveis as suas ações. Payne sente desprezo pelas aparências, essa demagogia barata, preferindo expor tais incongruências, tanto as de Tracy quanto as do resto do elenco. Os voice-overs, uma linguagem usada com consistência ao longo da obra, mostram-se como parte crucial de Eleição, estendendo-se para todos os personagens. Tal complemento só seria expositivo caso as intenções do cineasta, muito mais espertas que isso, não tivessem tornado-o importantíssimo para o conjunto ganhar uma sustância argumentativa e que acompanha, em paralelo, a veia cômica do filme. A comédia encontra-se à serviço de uma enervação dos espectadores aos casos de absurdos. Os vários pensamentos, que apresentam-se nesses voice-overs, contrairão comicamente as ações dos personagens. Enquanto Flick discursa para nós sobre a sua esperança no público, tendo certeza, ao menos na oratória que cria na sua mente, que os alunos entendem a eleição em questão como algo maior que um concurso de popularidade, a menina está justamente criando broches para usar.

O mundo emaranhou-se em máscaras, promovendo uma política convertida em politicagem. Em termos de abordagem, a obra expõe tais meandros ao ridículo, gerando humor, porém, sem se esquecer do conteúdo. Quando personagens choram, Payne não tem a menor intenção de nos simpatizar com o sofrimento do outro. Isso acontece em uma cena com Tracy, assim como em uma outra com um ex-professor do colégio, que terminou demitido por ter se envolvido amorosamente com Flick. Precisamos ver tudo de modo cuidadoso, pois as situações são complexas e cheias de segundas intenções. A exemplo, quando uma terceira candidata entra no jogo, o seu discurso aos alunos invoca um mensagem anárquica, de que as eleições não funcionam. Mas essa rebeldia é meramente funcional, pois os anseios da personagem, Tammy Metzler (Jessica Campbell), residem em contrariar a candidatura do seu irmão Paul. Já Paul (Chris Klein), o primeiro estudante a ousar disputar a presidência com Tracy, é uma personificação distinta dessa farsa, no entanto, ainda parte – indiretamente – do jogo de sabotagem. Os propósitos das eleições perderam sentido.

“Os fracos estão sempre tentando sabotar os fortes”, é como disse a mãe de Tracy para a garota. Flick pensa que Jim McAllister (Matthew Broderick), seu professor e protagonista de Eleição, é a pessoa fraca. Pois tanto está com razão a jovem quanto equivocada, visto que Flick também não é flor que se cheire. Mas Eleição consegue criar um personagem principal ainda mais repugnante que a garota, um homem com características inóspitas a qualquer empatia. O personagem de Broderick, por sinal, nos remete um pouco ao de Kevin Spacey, em Beleza America. O ano de 1999 se interessou por intervir cinematograficamente em questões mundanas, às vezes mais comuns que deveriam ser, sendo revistas de formas mais extremas e ácidas – o caso de American Pie também. A noção de moralidade estava em pauta. Enquanto em Curtindo a Vida Adoidado, Broderick era um jovem sincero, conversando com o espectador e nos convencendo de suas mensagens, o ator aqui interpreta um sujeito extremamente ambíguo, uma fraude. Quando coloca Paul para concorrer com Tracy, manipulando o garoto inocente e incompetente, Jim está usando-o.

As várias esferas do longa são muito bem escritas. É parte dessa conjuntura de disfarces, por exemplo, os relacionamentos entre os personagens, como é o que acontece entre Jim e Paul. Os interesses estão armados e as cenas provocam várias dubiedades. A apresentação de Metzler é bastante marcante nesse sentido, paralelamente à reapresentação da fama que McAllister possui no colégio de ser um bom professor, daqueles que impactam na vida dos alunos. O olhar de Paul é preenchido por ingenuidade, como nota a trilha-sonora dessa sequência. Contudo, existe uma malícia subjacente por parte do professor. O casting de Broderick é acertadíssimo. O ator, no caso, imprime um cansaço contínuo, um senso de falsificação, como se sempre existissem outros pensamentos martelando a cabeça do seu personagem, que contrasta perfeitamente com o icônico Ferris Bueller. Permeadas de mentiras, as cenas de Jim com Tracy destacam-se. A montagem tem um timing preciso nestes casos, pois aumenta a carga das performances e incita esta provocação plurilateral. Com tantos acertos à unidade, há uma única exceção de potencial que é desperdiçado.

Embora Tammy apresente-se como uma personagem interessantíssima, a sua trama mostra ser a menos aproveitada. Não por conta das justificativas a sua candidatura surpresa, que até revigoram e provocam o andamento da narrativa e das campanhas com engenhosidade. O problema é consequente ao apressamento das resoluções do seu arco. O roteiro rapidamente retira a personagem do tabuleiro e as razões são um tanto confusas. Com isso, a carga a mais de manipulação e estratégia, que residia na garota, representante de uma juventude que revolta-se pensando meramente em si, some. O enredo não estuda em momento algum costurar com mais intensidade a jornada problemática de Tammy com as jornadas problemáticas dos demais personagens. Do contrário, cresce o arco particular do protagonista, referente a sua vida íntima. Pelo menos, Payne consegue sustentar com muita coerência o terço conclusivo com a derrocada de Jim, mantendo o ar que contradiz os pensamentos do professor com as ações do personagem. Em uma cena, McAllister sugere certos sentimentos a sua esposa. Noutra, outros. E uma verdade?

O único consenso nas eleições é que não existe verdade. O jogo é o jogo de interesses. Pode não ser tudo uma mentira, uma grande e completa enganação, mas uma verdade contada pela metade certamente é. Tracy possivelmente quer ajudar os alunos de alguma maneira, contudo, quer muito mais se ajudar. Paul, em outra instância, não é um garoto mal-intencionado pelo que parece, porém, apenas está concorrendo por intermédio de Jim. Os interesses pessoais, não os interesses pelo bem da comunidade e do povo, vencem. A rejeição de McAllister por Flick não originou-se após o protagonista perceber as reais características da garota, nocivas, mas nasce do seu interesse por pornografias que emulam o ambiente escolar. O imoral está no outro, não em si. E os demais alunos pouco se importam, pouco se engajam, pois as campanhas procuram evidenciar só o candidato, não estabelecer uma comunicação. Trazendo essas questões a base de um humor que engrandece a reflexão por meio do gênero, a obra é uma provocante amostra do que está errado na política: em como é conduzida numa escola e em como é conduzida no resto do planeta.

Eleição (Election) – EUA, 1999
Direção: Alexander Payne
Roteiro: Alexander Payne, Jim Taylor, Tom Perrotta
Elenco: Matthew Broderick, Reese Witherspoon, Chris Klein, Jessica Campbell, Mark Harelik, Phil Reeves, Molly Hagan, Delaney Driscoll, Colleen Camp, Frankie Ingrassia
Duração: 99 min.

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