A educação superior sempre foi o sonho de muitos. As justificativas, que vão desde a obtenção de um conhecimento diferenciado até o desejo de vivenciar o dia a dia de uma universidade, não são suficientes para a ultrapassagem da entrada de nenhuma delas. É necessário, então, fatores como esforço, dedicação, foco, persistência e, por que não, sorte. Este último elemento, apesar de inoportuno considerando o mérito de diversos jovens, se torna essencial ao se deparar com a injusta realidade da compra de admissões em faculdades de renome, ato relativamente comum para os ricos em um país de oportunidades: os Estados Unidos. Para levar ao público tal atrocidade, no documentário Educação Americana: Fraude e Privilégio (2021), nada da despretensão clichê de filmes juvenis como American Pie – Caindo em Tentação (2007); aqui, o lado da vida acadêmica estadunidense não carece de riso.
Stanford, Yale, Georgetown; é de se esperar que entrar nestas instituições de ensino norte-americanas, revestidas em extremo prestígio, não seja fácil. Entretanto, há um jeito de não se submeter ao julgamento das notas escolares e atividades exercidas por quase toda a vida do estudante, e nem de gastar economias de anos para o pagamento de sua aprovação. Um esquema milionário, intocado no interior destes e de outros estabelecimentos de credibilidade, por intermédio de Rick Singer, garante a vaga do aluno em qualquer local requerido. Como “escambo”, a família, impreterivelmente abundante no quesito financeiro, desembolsa uma extensa quantia para o “treinador” – o próprio Rick -, que, por sua vez, aciona seus conchavos e faz com que o indivíduo seja falsamente inserido em algum esporte para, consequentemente, obter a facilidade de ingresso nas faculdades proporcionada à quem é um esportista de destaque. O longa-metragem, logo, se apossa de provas para a comprovação das fraudes decorrentes do privilégio.
Para ilustrar os acontecimentos, todos verdadeiros e obtidos a partir de escutas telefônicas feitas pelo FBI, a obra se arma com um componente fictício. As cenas, simuladas por atores nos papéis dos participantes do plano criminoso, integram o âmbito da dinamicidade do filme e da aproximação da história para com o espectador, sendo possível sentir um pouco da intenção e até do doentio envolvimento da peça principal, Rick, com o seu negócio e com os demais. Contudo, a sobreposição de um aspecto típico de um trabalho de ficção, descaracteriza, por vezes, o trabalho documental, já que a fala dos entrevistados – especialistas e incluídos nos eventos -, são complementos das exposições das dramatizações, com alguns se assemelhando, dependendo do tempo da montagem, a depoimentos encenados. A realidade intacta, porém, está na mesclagem com imagens reais, na lembrança de que todo aquele conteúdo realmente existiu e na indignação sentido por conta disso. Neste quesito, Educação Americana preserva bem tal sensação.
Embora toda situação seja revoltante, o centro disto se condensa em Rick Singer. Bem desenvolvido, o homem retira, em escalas menores ou maiores, a culpa dos transgressores que financiavam suas ações, tornando o documentário partidário no veredito de Rick como maior responsável pelas fraudes. Até o mapeamento de seu psicológico, realizado por conhecedores de seus comportamentos, é colocado em jogo para o completo conhecimento da personalidade e da forma de abordagem do golpista, trazendo para perto a repulsa à sua frieza estratégica, e até reconhecendo sua capacidade de oratória. À margem de uma psicopatia, Rick, na obra, consegue colocar-se em posição de aproveitamento inclusive dos almejos dos pais dos jovens, e sua aparente normalidade na condução e no desdobramento de todas as suas atitudes fraudulentas, são melhores notadas na figura de Matthew Modine que, assim como todos os outros “personagens”, se parecem com suas inspirações.
Culpabilizar alguém, neste caso, pode parecer fácil, mas distintas ramificações se tornam visíveis ao se aprofundar no projeto delituoso de Rick. Atores, empresários, milionários e pessoas de grande importância, no filme, se mostram encobertas por crimes incorretos não só legalmente, mas também eticamente, causando um choque inerente ao reconhecimento da existência de uma ilegalidade respaldada por entidades tão influentes quanto respeitadas. O longa-metragem, todavia, não procura condenar tanto as universidades norte-americanas citadas, impregnando, novamente, a maior repreensão em cima do já mencionado Rick, retratando visualmente seu modo de agir. A isenção dos jovens acometidos pelos crimes dos pais em relação à responsabilidade dos acontecimentos, é exposta a medida em que suas dores pareadas com o ingresso às faculdades são notadas e que, como resultado, afetam a maneira em que são vistos os posicionamentos de Rick, desrespeitosos inclusive com estes estudantes.
Ainda que esteja em um molde parecido com O Dilema das Redes (2020), com simulações do real em meio a declarações, de fato, reais, faltam recursos cinematográficos mais expressivos para o diretor Chris Smith trabalhar. O uso do dispositivo inventado, tais quais as imagens narrativas ilusórias, funcionam como uma exposição mais clara dos fatos, mas é preciso um enredo confeccionado com uma maior elaboração – atingível, visto o material base rico -, não focando apenas no modus operandi de Rick, para o carregamento de um documentário integralmente. Por isso, o cansaço perante a habitualidade com que Educação Americana é conduzido, apesar de ser funcional tal administração, possivelmente pode ser percebido. A fotografia, sempre ressaltando as locações luxuosas em que vivem os comparsas de Rick, é igualmente pouco inventiva, contribuindo para fazer o espectador acreditar que a história se destaca por si só.
Educação Americana: Fraude e Privilégio tem como ponto forte, o que o filme mesmo passa. Seu conteúdo é interessante o suficiente para provocar reações – contrárias, em sua maioria – no público sem que seja produzido muito esforço. A aversão pela história contada e por seus devidos personagens, principalmente seu antagonista, Rick, é naturalmente originada, com o choque da audiência alcançado pelo rumo com que o documentário se dirige. No entanto, artimanhas para torná-lo maior e mais ousado, em termos de cinema, não é tão presente aqui. A ficção convence e os testemunhos soam coerentes com a descrição narrada, porém, por merecimento, era fundamental que algo engrandecesse não só a aparência estilística do filme, mas o sentimento de desprezo do espectador igualmente. O passeio pelas explicações do por quê e do como todas estas fraudes foram ignoradas por tanto tempo é válido, mas assisti-lo por meio de uma imagem significativa como a indignação de cada um, seria ainda melhor.
Educação Americana: Fraude e Privilégio (Operation Varsity Blues: The College Admissions Scandal) – EUA, 2021
Direção: Chris Smith
Roteiro: Jon Karmen
Elenco: David Starzyk, Jeff Rector, Josh Stamberg, Matthew Modine, Wallace Langham, Roger Rignack, William Christopher Stephens, Ken Weiler
Duração: 99 min.