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Critica | Eduardo e Mônica (2020)

A história de um improvável amor de um casal, baseado em uma música-tema dos anos de 1980.

por Arthur Barbosa
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Quem um dia irá dizer que não existe razão
Nas coisas feitas pelo coração
E quem me irá dizer que não existe razão
Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
No outro canto da cidade, como eles disseram (…)

Estrofe da canção ‘Eduardo e Mônica’, da banda Legião Urbana.  

Tendo a sua estreia remarcada diversas vezes em função da pandemia de Covid-19, Eduardo e Mônica – baseada na famosa letra da música homônima da banda Legião Urbana – ganhou dramaticidade apenas em 2022 apesar de as gravações terem sido feitas em 2018. Permanecendo vivíssima no imaginário popular e também nos encontros com karaokê entre amigos, a canção – que conta uma improvável história de amor desde 1986, presente no álbum Dois – sustenta a antiga máxima de que “os opostos se atraem” e, no final, permanecem felizes para sempre. Na letra, percebe-se que o cantor Renato Russo conseguiu citar divertidas contraposições de personalidades entre o casal principal, com o objetivo de fazer com que os fãs pudessem imaginar uma relação verossímil, em uma narrativa repleta de aventuras dos sentimentos humanos. É um hit até hoje, afinal de contas música boa não envelhece nunca, jamais! E nada melhor do que pegar essa fórmula de sucesso e transformá-la em um filme, não é mesmo?! Contudo, houve, é claro, por parte do diretor René Sampaio – o também responsável de levar para as telonas, em 2013, a canção Faroeste Caboclo da mesma banda -, o cuidado em colocar nos personagens mais profundidade e humanidade.

No longa, então, conhecemos um Eduardo e uma Mônica da mesma forma como eles são descritos nas estrofes da música-base, sem haver em nenhum momento qualquer espécie de contradição ao material original: enquanto ele é apenas um jovem imaturo e atrapalhado de 16 anos, prestes a fazer o vestibular para o curso de Engenharia Civil da Universidade de Brasília (UnB) enquanto joga futebol de botão com o avô, o Seu Bira (Otávio Augusto), ela é uma jovem moça adulta, estudante de medicina fluente em alemão, que possui uma liberdade incomensurável dentro de si. Para conseguir essa maestria, o roteirista Matheus Souza introduz uma leveza, mas, ao mesmo tempo, mantém a proposta defendida por Russo, com os personagens-título relacionados ao aspecto da politização. E tudo inicia-se em “uma festa estranha, com gente esquisita” e nela vemos o tímido Eduardo flertando com a madura Mônica, a qual, a princípio, aparenta não se importar com a situação, entretanto acaba se afeiçoando e se apaixonando pelo moço bobo ao longo do correr das cenas, em uma Brasília, a capital federal, dos anos de 1980.

Criado pelo avô, um senhor militar reformado, Eduardo representa a classe média padrão brasileira, ou seja, aquela adepta aos bons costumes, movida pela procura incessante do bom emprego, de uma família tradicional, longe das desavenças dos comunistas, segundo o Seu Bira, um idoso nada liberal. Já Mônica habita o enredo da elite progressista, pois ela vive em prol de se posicionar contra qualquer tipo de regra rígida, tentando ser livre em meio a tantas imposições da família: um pai artista plástico e uma mãe também médica. E a partir dessas características tão peculiares entre ambos é que percebemos o conflito entre a “razão” e o “coração”, exemplarmente retratados de uma maneira sensível na música-tema. O relacionamento do casal é desenvolvido, dessa forma, por conflitos em função da idade, do gênero, da posição política, da bagagem cultural e, principalmente, das experiências de vida, ilustrando um casal nada provável, mas que acaba dando certo. Ao mesmo tempo em que ela abre espaço para permitir uma aproximação mesmo que discreta, ele – embora tímido – se faz valer da masculinidade para ter o orgulho em conquistá-la, em que se permitem evoluir enquanto casal apesar de todas as adversidades do caminho.

Outra característica interessante é o fato de Eduardo e Mônica não ter nenhum momento de tranquilidade na narrativa, porque os acontecimentos ocorrem na mesma velocidade da música-tema, isto é, de forma rápida, frenética, acelerada. Em meio a isso, temos uma química avassaladora entre os atores Gabriel Leone e Alice Braga, inclusive em cenas clichês, as quais são análogas a uma comédia romântica da Sessão da Tarde, da Rede Globo. Conforme o casal vai evoluindo e amadurecendo, eles vão mostrando as suas complexidades individuais, ocorrendo, assim, um embate nas escolhas da vida, como o fato de ela ir trabalhar no Rio de Janeiro (RJ), ao passo que ele acaba sendo um estudante de graduação na UnB; fiquei com pena dele quando os dois brigam na “Cidade Maravilhosa” e eles acabam não comemorando a aprovação dele no vestibular. Ademais, somos apresentados à plasticidade das áreas planejadas da cidade de Brasília pela direção de fotografia de Gustavo Habda, com a finalidade de contrapor as intensas emoções de Eduardo e Mônica com a elegância e a sobriedade do espaço vazio do município – mesmo na agitada noite brasiliense, contendo, ainda, uma bela trilha sonora para recriar a histórica década de 1980. De The Smiths até Joy Division, passando por Titãs e mergulhando em David Bowie… Diversos são os sons da época, divertindo o telespectador que acaba reconhecendo alguma música, tanto por ser fã da banda ou do cantor quanto por já ao menos tê-las ouvido em alguma propaganda de televisão, por exemplo. 

Portanto, o filme Eduardo e Mônica consegue transparecer um romance indie, mostrando que a canção da Legião Urbana ainda permanece nostálgica e viva nos corações dos brasileiros há mais de 40 anos. Essa peculiaridade só é conquistada pelo fato de representar uma identidade cultural nacional, em que a geração passada e a atual conseguem ser agraciadas com uma história romântica, suave e doce. No longa, vemos fielmente alguns detalhes, como a festa estranha, a “gente esquisita”, o vestibular, o Godard, o Bauhaus, a Bandeira, a moto, o camelo no parque e muito mais do que é descrito na canção original. Essas características são nostálgicas para os fãs da música e da banda, mas é apenas isso que mantém o telespectador vidrado pela história, pois, muito provavelmente àqueles que não possuem alguma ligação com a canção-tema ou com a Legião Urbana não vão ter a mesma sensação.

Desse modo, nota-se que Eduardo e Mônica teve a maestria e o respeito de materializar nas telas uma música especial para muitos brasileiros, assim como a liberdade em mencionar política, Ditadura Militar e regras conservadoras, sem jamais vilanizar ninguém, todavia deixando claro que ideias dessa natureza só trazem sombras escuras de um passado que não queremos repetir. O filme não é impressionante, todavia é eficiente naquilo que ele se propôs a fazer, isto é, imprimir com fidedignidade o que o compositor Renato Russo estava querendo dizer ao conceber a clássica música oitentista. Por falar nela, eu senti falta de Eduardo e Mônica não ter sido tocada no meio do filme, por exemplo, e sim somente no final, quando os créditos já estavam subindo na tela. Eles poderiam ter usado a Mônica para apresentar a canção ao Eduardo, em uma esquisita, porém engraçada metalinguagem, risos. 

Eduardo e Mônica | Brasil, 2020
Diretores: René Sampaio
Roteiristas: Matheus Souza, Cláudia Souto, Jéssica Candal, Michele Frantz, Gabriel Bortolini
Elenco: Alice Braga, Gabriel Leone, Otávio Augusto, Fabrício Boliveira, Júlia Carneiro da Cunha, Eli Ferreira, Victor Lamoglia, Ivan Mendes, Digão Ribeiro, Bruna Spinola, Luísa Viotti
Duração: 120 minutos (2h)

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