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Crítica | Édipo Arrasado (Contos de Nova York)

por Luiz Santiago
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Apenas os filhos que foram (e são) “monopolizados” pela mãe, mesmo depois de adultos, entendem o dilema de Sheldon Millstein, advogado de 50 anos que não consegue se ver livre das críticas e da influência de sua progenitora no magnífico curta-metragem de Woody AllenÉdipo Arrasado, terceiro episódio do longa coletivo Contos de Nova York (1989). O curta é quase uma via crucis de Millstein, que vê o pior de seus pesadelos se tornar uma surreal realidade.

O formato da obra é interessantíssimo, principalmente por ser um curta. Começamos com a câmera na diagonal, em plano médio, para a qual fala Sheldon Millstein (Woody Allen). Na verdade, a cena é uma sessão de análise e logo em seguida o analista é visto em contra-campo. Sheldon Millstein não consegue esconder a frustração de sua mãe sempre conseguir deprimi-lo. Naquela mesma noite ele leva Lisa (Mia Farrow) para jantar na casa da velha e apresentá-la como sua noiva. A receptividade materna não poderia ser “melhor”:

__ Oi, mãe. Como vai?
__ Meu Deus, você está horrível!

E começa a tortura. A mãe (maravilhosamente interpretada por Mae Questel) mostra fotos antigas do filho, fala de coisas que mais o envergonhavam na infância e adolescência (como fazer xixi na cama e ser chamado de ruivo), diz que ele está magro demais, que está ficando completamente careca, como o pai, etc. Dias depois, a família vai a um show de mágica. Por acaso, a mãe de Sheldon é escolhida para participar do número da Caixa Mágica. O problema é que, ao fim do truque, ela REALMENTE desaparece. A princípio em pânico, e depois, exultante, Sheldon passa a ter uma vida feliz e normal como sempre sonhou. Até que um dia, ao sair do supermercado e se espantar com todos os carros parados na rua e as pessoas olhando para o céu, ele constata que sua mãe está conversando a seu respeito com toda a Cidade de Nova Iorque, ali, estampada em tamanho gigante, no céu da cidade.

Daí para frente o resultado é deliciosamente magnífico, ouro puro e a cada minuto que passa, com as novas soluções buscadas pelo protagonista (o ponto alto é a entrada de uma paranormal, insanamente interpretada por Julie Kavner) tudo se torna ainda mais engraçado. Ele e a paranormal tentam de tudo para tirar a mãe do céu: meditação budista, tarô, exorcismo, máscaras africanas, magia, rituais druidas, vodu… é impossível não ter cólicas de tanto rir. Outro excelente momento do filme é quando Shledon está em uma importantíssima conferência em seu escritório, e é comunicado pela secretária que sua mãe está lá para vê-lo. O tambor de Gene Kruppa em Sing sing sing, começa a tocar, enquanto duas velhinhas entram no corredor vazio. Sheldon fica pasmo. A clarineta de Benny Goodman inicia a melodia que acompanha a cena. As duas velhinhas se aproximam:

__ Mamãe?
__ Diga “oi” para a tia Ceil.
__ Mãe, o que você está fazendo aqui?
__ Acabamos de ver “Cats”!
__ Katz? O Sr. Katz?
__ “Cats”. “Cats”, o show. Lembra que você me deu dois ingressos? […] Então pensei em trazer a tia Ceil para ver seu escritório. (para tia Ceil): Não é lindo?

Só a imagem de duas velhinhas (uma delas, surda) saindo da matinê de Cats e indo a um importante escritório de advocacia, visitar um de seus associados, é demais e traz adendos ao ponto principal para o qual o roteiro nos chama a atenção que é a relação de “prisão” edípica na qual o personagem vive. Ao longo do curta, pistas dessa prisão, do incômodo por ala causado e da tentativa de se ver livre nos são apresentadas e ironizadas através da direção de arte e figurinos, cada um deles caracterizando ambientes e personagens através de escolhas que pendem para o cômico mas mesmo assim dão conta de algo realmente importante.

A direção e o roteiro de Woody Allen, a fotografia de Sven Nykvist, a edição de Susan Morse, a direção de arte de Santo Loquasto, todos os grandes elementos amarrados de um modo fascinante e direcionado a um objetivo central: mostrar o tormento de um Complexo de Édipo da forma mais inusitada possível.

Édipo Arrasado (Oedipus Wrecks, EUA, 1989)
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, Julie Kavner, Mae Questel
Duração: 40min.

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