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Crítica | E.T. – O Extraterrestre

por Ritter Fan
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estrelas 5,0

E.T. – O Extraterrestre talvez seja uma das poucas unanimidades cinematográficas. Sua história atemporal e emocionante é adorada consistentemente por críticos e espectadores quase sem restrições como se o filme fosse encantado.

E, se o leitor estiver esperando um “porém” do crítico que subscreve o presente comentário, ele não o terá. E.T. é realmente encantador tanto do ponto de vista narrativo quanto do técnico, sendo mais uma obra-prima de um jovem Steven Spielberg na sua primeira volta à ficção científica desde o elogiado Contatos Imediatos do Terceiro Grau, que lhe fez receber sua primeira indicação ao Oscar de Melhor Diretor. Se em Contatos seu foco foi no mundo dos adultos descobrindo vida além do pequeno planeta azul em que vivemos, E.T. é a visão das crianças sobre o mesmo fenômeno.

No entanto, mais do que um filme sobre um extraterrestre perdido na Terra que é ajudado por Elliott (Henry Thomas) e seus irmãos Michael (Robert MacNaughton) e Gertie (Drew Barrymore), E.T. é uma alegoria sobre ser uma criança em meio ao divórcio de seus pais, suas reações, sua solidão. De certa forma inspirado pela experiência de Spielberg em relação a seus próprios pais (o diretor classifica o filme como uma espécie de autobiografia), o que vemos transcorrer na tela é o mundo sob o ponto de vista primordialmente de Elliott, que sofre por não ter seu pai presente, algo que ele deixa claro em sua malcriação para a mãe logo no início e que o diretor em nenhum momento perde de vista, mesmo criando sequências atrás de sequências que deslumbram o espectador por seu apuro técnico.

Reparem, por exemplo, como grande parte do filme é fotografado com a câmera a meia altura, representando literalmente o ponto-de-vista de uma criança sobre o que acontece ao seu redor. Ao fazer isso, Spielberg transforma todos os espectadores em crianças também, algo refletido da mesma forma no próprio E.T., que é da altura de Elliott. Além disso, há o cuidado de manter os adultos fora de cena, com apenas Mary (Dee Wallace), mãe dos três jovens, tendo diálogos e aparecendo de corpo inteiro até os 30 minutos finais da projeção, quando, então, vemos pela primeira vez o rosto do “Homem das Chaves” (Peter Coyote) que, porém, está presente do começo ao fim (mais sobre ele adiante) na obra.

Dessa maneira, Spielberg mantém o tom de fábula em seu filme, aproximando-o de seu público-alvo e convertendo seu “público secundário” em seu público-alvo. Como um mestre manipulador, o diretor faz sua costumeira mágica de sua Era de Ouro e nos manobra como marionetes ao longo de sua bela e inesquecível jornada pela mente de uma criança tentando se adaptar à sua nova realidade. A presença do adoravelmente feio ser espacial que cai no colo de Elliott nada mais é do que uma alegoria ao que o menino sente, tanto é que o roteiro inteligentemente conecta os sentimentos dos personagens, o que dá a oportunidade a Spielberg de colocar na telona momentos singulares como o “porre compartilhado” que resulta na libertação dos sapos e no primeiro beijo do menino espelhando a famosa sequência da ventania de Depois do Vendaval.

Aliás, o roteiro escrito por Melissa Mathison, que viria a se casar com Harrison Ford, é impecável na conexão e encadeamento de ideias de maneira natural e crível. Não só temos a conexão psíquica entre Elliott e E.T. como um sem-número de referências que formam a base narrativa para tudo que vemos na tela: a viagem de Flash Gordon que vemos na TV, a tira de Buck Rogers que a criatura usa como base para sua ideia de “ligar para casa”, o Garibaldo de Vila Sésamo aparecendo como inspiração para a alfabetização de E.T., Yoda fazendo uma ponta sendo reconhecido por E.T. na noite de Halloween (algo que George Lucas aproveitaria em A Ameaça Fantasma por sugestão de Spielberg criando, discretamente, um universo compartilhado), bonequinhos (aham, action figures!) de Star Wars são mostrados a E.T. por Elliott e assim por diante. E tudo isso a partir de uma concepção original do diretor, que queria fazer algo na linha de seu projeto Night Skies que nunca foi para a frente e que tratava de alienígenas aterrorizando uma família (essa ideia acabou se bipartindo em E.T. e em Poltergeist – haja criatividade!).

Da mesma forma, a sutileza como o “Homem das Chaves” é introduzido e utilizado ao longo de toda a narrativa é algo que merece destaque. Representando o perigo que o Homem significa, o personagem permanece sem rosto até o terço final, quando ele se revela, na verdade, como um agente do governo (possivelmente um cientista) que, desde seus 10 anos de idade, desejava encontrar-se com um alienígena. A ameaça se transforma em uma espécie de versão adulta de Elliott, um reflexo de seu futuro.

Mesmo sendo uma história sobre uma criança tentando se ajustar no mundo, E.T. – O Extra-Terrestre não seria o filme que é sem E.T.  A criatura foi desenhada por Carlo Rambaldi, que já havia feito parceria com Spielberg em Contatos Imediatos do Terceiro Grau e sua aparência estranha imediatamente cativou os corações mundo afora. É difícil determinar exatamente a razão para isso, mas, para mim, é a impressão de conjunto deixada pela criatura em si (inspirada em Carl Sandburg, Albert Einstein e Ernest Hemingway), pela voz de Pat Welsh, fumante inveterada e já com 67 anos (como curiosidade, ela fez a voz usada por Leia em O Retorno de Jedi, quando disfarçada de caçadora de recompensas) e por toda a atmosfera criada pelo diretor, o que inclui momentos inesquecíveis como o primeiro voo de bicicleta, a já citada sequência de E.T. bêbado e a dele morrendo no banheiro, com a estranha e aterrorizante chegada dos “astronautas”.

Permeando e enriquecendo cada fotograma, há a arrebatadora trilha sonora do mestre John Williams, o que lhe valeu sua 14ª indicação ao Oscar na categoria e sua quarta vitória (foi, além disso, a quarta trilha na História do Cinema a levar, no mesmo ano, o Oscar, o Globo de Ouro, o Grammy e o BAFTA). Usando uma música tema de libertação, de aventura, remetendo aos filmes pulp de quatro décadas antes, Williams talvez tenha feito um de seus melhores trabalhos (é difícil julgar isso, considerando a quantidade de composições magistrais que ele fez e continua fazendo), com leit motifs irmãos para Elliott e E.T. que encantam da mesma maneira que ajudam na narrativa. Para a sequência final, com a despedida de E.T., Williams fez diversas composições que não agradaram Spielberg que, então, pediu a seu amigo para compor sem fazer o pareamento com a película. Para quem não sabe, trilhas sonoras são compostas com os filmes quase prontos e seguem o que está sendo visto na tela, mas Spielberg queria algo que arrancasse literalmente todas as emoções restantes da plateia e Williams compôs sem ter o filme (nesse trecho) como base. Ao receber a gravação, Spielberg gostou tanto que, de maneira inédita, editou o final para que ele se encaixasse na música, demonstrando a reverência do diretor ao grande compositor. E o resultado está lá para quem quiser ouvir, bastando fechar os olhos no momento e saborear – e se emocionar – com uma das mais tocantes músicas da Sétima Arte.

E.T. – O Extra-Terrestre é, muito merecidamente, objeto de reverência mundo afora e, diria, um filme obrigatório na videoteca de qualquer cinéfilo que se preze. Uma obra que, sem dúvida alguma, sempre estará em nossos corações.

E.T. – O Extraterrestre (E.T. the Extra-Terrestrial, EUA – 1982)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Melissa Mathison
Elenco: Henry Thomas, Robert MacNaughton, Drew Barrymore, Dee Wallace, Peter Coyote, K.C. Martel, Sean Frye, C. Thomas Howell, Erika Eleniak, Pat Welsh
Duração: 115 min.

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