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Crítica | É Apenas o Fim do Mundo

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce estreada em 1990, É Apenas o Fim do Mundo coloca Xavier Dolan um longo passo atrás de seu excelente filme anterior, Mommy (2014), mais pelos excessos da forma do que pela abordagem do tema, que é característico do diretor: o melodrama. Crises familiares, sexualidade, adequação (ou inadequação) do indivíduo no mundo onde vive, busca de identidade, memória e amor. Esses temas vêm sendo montados como um cubo na filmografia do diretor desde Eu Matei a Minha Mãe (2009), de onde prevalecem — apesar dele já ter investido em outras temáticas centrais — os conflitos de geração, mais especificamente, o embate ou a tentativa de conexão entre mãe e filho.

Louis (Gaspard Ulliel, em uma boa interpretação contemplativa e introvertida, como o papel exige) está morrendo. Não há concessão, não há milagre e nem jornada do herói, este é um fato que o próprio personagem nos dá no início e é a partir dessa constatação que vemos o seu reencontro com a família, depois de 12 anos ausência. As referências originais foram capturadas por Dolan de maneira muito eficiente: a parábola do filho pródigo, o mito de Caim e Abel e a Odisseia de Homero, no sentido de que ambos possuem um grande objetivo de reencontro. No caso de Ulisses, chegar à terra natal. No caso de Louis, ter conexão e reencontrar, pela última vez, a sua própria “terra”.

A forma como o diretor levou para as telas a peça teatro incomoda um pouco o espectador. Existe uma economia incompreensível de planos de conjunto e tomadas “através de” alguma coisa, caminho que ele começou a trilhar em Amores Imaginários (2010) e não parou mais. Isso funciona bem em Laurence Anyways (2012) e Mommy, e de forma um pouco menos intensa em Tom na Fazenda (2013), mas aqui, a palavra que temos é “irritação”. A intensidade e o quanto isso irá influenciar negativamente o longa vai depender de espectador para espectador — porque queiramos ou não, esse tipo de tomada fixada em campo-contracampo e entrecortada por pessoas/objetos, como se denotasse uma limitação de visão dos personagens, tem justificativa cênica, tanto como transposição do teatro para a tela, quanto como tema da própria filmografia do cineasta. Podemos gostar ou não, concordar que funciona bem ou não, mas que podemos justificar esses usos cinematograficamente (e com sentido estético válido!), isso podermos.

Tais excessos, porém, tendem a diminuir ou afastar o espectador em um momento que deveria haver maior conexão com o público. Muito apegado à estética do videoclipe, tanto na direção quanto na pós-produção (lembremos que até aqui, Dolan editou todos os seus filmes, com exceção de Eu Matei a Minha Mãe), ele não seguiu a escola cinema-teatro de Alfred Hitchcock em Festim Diabólico. Sua teatralização pende para Cassavetes, mas não é circular/episódica como a de Polanski em A Pele de Vênus (2013); nem “filme de palco” como a de Resnais em Amar, Beber e Cantar (2014); tampouco assumidamente teatral e metalinguística como Interrupção (2016) ou feita em um único fôlego, como um ato interminável, a exemplo de O Rei Dave (2016) — e vejam que eu usei apenas exemplos de filmes + teatro próximos a É Apenas o Fim do Mundo para não haver diferenças gritantes de “momento cinematográfico” entre as citações.

A adaptação teatral aqui é picotada, íntima. Ele prioriza o foco através de ombros, no contracampo; e de objetos, nos planos médio e geral, a maioria plasmados por uma fotografia de forte contraste e movimentos limitados de câmera. Poucos são os momentos em que vemos mais de um personagem no mesmo quadro, e isso, claro, tem um significado óbvio de isolamento de cada um dos familiares em seu mundo particular, fazendo valer da maneira mais ingrata possível os 12 anos que passaram separados de Louis. As memórias de um passado harmônico lembram outras inserções de Dolan ao retratar qualquer lembrança, e incomodam, mas de uma maneira quase positiva; o incômodo de não podermos ver nitidamente os tempos felizes da família. Em vez disso, vemos em tela o berreiro familiar onde as emoções dos atores (exceto de Catherine, personagem de Marion Cotillard que é praticamente a réplica, em outro contexto, da personagem de Suzanne Clément em Mommy) dando todas as cartas do melodrama.

Um estranho entre os seus, Louis irá tentar falar de sua morte vindoura, mas não consegue. Na estupenda cena final, onde há o melhor momento da direção de fotografia e as atuações mais intensas do filme, há uma indicação quase literal de que a família entende que apesar de “estar tudo bem”, na verdade, não está; e que Louis jamais voltará à casa. A metáfora da liberdade vem através de um animal, cujo destino é exatamente o do protagonista, inicialmente gozando de liberdade e depois voando desgovernado dentro de um lugar fechado para, enfim, morrer procurando onde pousar. Louis é cúmplice disso. A catarse coletiva da sequência final tem o poder de entendimento e aceitação final para ele e, de certa forma, para os seus. A visita antes da morte parte ocultada pelo sol forte de uma tarde de verão. Como uma miragem, a visita de Louis à casa trouxe beleza e ao mesmo tempo dor e angústia. Sua última façanha familiar.

É Apenas o Fim do Mundo (Juste la fin du monde) — Canadá, França, 2016
Direção: Xavier Dolan
Roteiro: Xavier Dolan (baseado na peça de Jean-Luc Lagarce)
Elenco: Nathalie Baye, Vincent Cassel, Marion Cotillard, Léa Seydoux, Gaspard Ulliel, Antoine Desrochers, William Boyce Blanchette, Sasha Samar, Arthur Couillard, Emile Rondeau, Théodore Pellerin
Duração: 97 min.

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