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Crítica | Nas Profundezas (Dylan Dog #20)

Diretamente dos esgotos.

por Luiz Santiago
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Nas Profundezas apresenta uma narrativa que, a princípio, evoca o terror cósmico de Lovecraft (ou algo que engana a gente em relação a isso), com uma criatura disforme emergindo das entranhas da Terra — ou dos esgotos de um hotel bem peculiar — para despedaçar hóspedes desavisados. A arte de Corrado Roi contribui para reforçar a atmosfera de horror, delineando a monstruosidade da criatura em oposição à fragilidade de Dylan Dog, num aspecto tanto físico quanto dramático. Ela também é responsável pela forte sensação claustrofóbica do quadrinho, reforçada com a longa conversa de Dylan com o vilão da aventura. No entanto, a narrativa logo se afasta da possível sugestão lovecraftiana e se aproxima mais dos vilões tradicionais de quadrinhos (o tempo inteiro me lembrei do Cara-de-Barro), com requintes de crueldade e body horror. Essa mudança de tom pode desapontar os leitores que esperavam uma imersão mais profunda no horror cósmico, mas não significa que a escolha do roteirista para outro tipo de trama cria uma sequência ruim. Longe disso.

Começamos com Dylan Dog num estado de vulnerabilidade, após uma ameaça à sua vida. Isso permite ao Inspetor Bloch desenvolver um diálogo mais profundo com o Detetive do Pesadelo, sem ser interrompido por um clarinete tocando ou por um barco em miniatura sendo montado e desmontado. Esse momento de fragilidade de Dylan Dog (ele continua amarrado a uma cadeira, desde quando foi salvo da morte por Bloch) é interessante, pois o expõe de uma maneira diferente da habitual, mostrando algo inesperado na forma como ele lida com informações bizarras, quase assumindo uma postura humilde, mas não sem uma piadinha para encerrar a cena em que aceita investigar o caso. O texto de Tiziano Sclavi e Alfredo Castelli explora diversos elementos que remetem ao clássico Psicose, de Alfred Hitchcock. A personagem Marion Crane é reimaginada neste contexto, e adiciona uma camada de suspense psicológico até inimaginável, brincando com dilemas morais, sede assassina, loucura e a mais absurda piscadela para A Bela e a Fera.

Um dos pontos altos da edição é a história inserida no meio do volume, que muda o estilo da arte de Corrado Roi para algo que lembra ilustrações do século XIX e traz todas as informações necessárias para contextualizar a criatura assassina. Essa mudança estilística confere à história um tom mais fabular, criando um marcante contraste com a narrativa principal e transportando o leitor para um universo nostálgico, quase onírico, onde a criatura ganha nuances humanas e, em certa medida, a simpatia do leitor (bem… ao menos em parte). É na sequência dessa narrativa que a resolução do conflito se dá, e o roteiro entrega uma resposta abrupta e superficial, com a aparição da musa da criatura funcionando como um Deus Ex Machina. É uma solução simplista que diminui o impacto do enredo e deixa a sensação de que o desfecho não faz jus à complexidade da obra como um todo.

Alternando entre alguns blocos inspirados (principalmente nas referências cinematográficas) e outros menos satisfatórios (especialmente o final extremamente conveniente), Nas Profundezas é uma investigação um pouco diferente de Dylan, no sentido de sua colocação na cena dos crimes e encontro com o vilão. A atmosfera inicial de horror cósmico, a fragilidade do Detetive do Pesadelo e a homenagem a Psicose são pontos positivos de uma edição que se encerra de maneira cínica, voltando a brincar com a ideia principal, inclusive na ameaça que o leitor acreditava ter sido finalizada… mas que segue vivendo numa condição completamente diferente. A dois, por assim dizer. 

Dylan Dog – Vol. 20: Nas Profundezas (Dal profondo) — Itália, maio de 1988
Roteiro: Tiziano Sclavi, Alfredo Castelli
Arte: Corrado Roi
Capa: Claudio Villa
Edição lida para esta crítica: Mythos, julho de 2003
100 páginas

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