Home QuadrinhosOne-Shot Crítica | Dylan Dog – Vol. 192: Manchas Solares

Crítica | Dylan Dog – Vol. 192: Manchas Solares

Quem está vivo e quem está morto?

por Luiz Santiago
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Nós chamamos de “ciclo solar” (e também de “ciclo de Schwabe” ou “ciclo de atividades magnéticas solares“) uma série de mudanças que ocorrem a cada período de aproximadamente 11 anos na atividade do Sol. Essas mudanças são medidas em termos de variações no número de manchas na superfície do astro, e desde o século XVIII muitas teorias da conspiração e alusões místicas foram feitas a respeito desse fenômeno. Nesta edição de Dylan Dog, o roteirista Pasquale Ruju fez uma pesquisa interessante para poder juntar esse fenômeno ao horror e criar uma história que só poderia mesmo acontecer no Universo do Detetive do Pesadelo.

Uma forte onda de calor atinge a cidade de Londres e as pessoas estão apresentando comportamentos agressivos. A maneira como a loucura assassina se espalha pela cidade me lembrou bastante o enredo de Os Matadores, com a arte de Bruno Brindisi aqui trazendo a mesma força gráfica que observamos nos desenhos de Luca Dell’Uomo naquela ocasião. Acho muito interessante essas histórias que apresentam algum tipo de sentimento claustrofóbico, fazendo com que as pessoas passem a agir de modo diferente. E como alguém que detesta o calor, eu particularmente entendo toda vez que isso á alinhado a um dia ou período muito quente. Brindisi transmite perfeitamente o desespero das pessoas através de suas faces suarentas, cheias de agonia e, mais adiante, com fortes queimaduras.

Quando a força que causa a mudança está no espaço geográfico, acredito que o componente de horror é ainda maior, porque não há muito o que se faça para conseguir se livrar do que quer que seja. A pessoa simplesmente não tem para onde fugir: o mal sempre estará lá. Como sabemos, o desespero faz com que as pessoas tenham ideias meio malucas e pareçam senis ao tentar explicar um fato “impossível” para um interlocutor qualquer, exatamente o tipo de pensamento que Dylan Dog tem quando o Dr. Pierce Saltzman vai procurá-lo, dizendo que está convencido de que existe uma correlação entre o aumento das manchas solares, uma grande antena instalada na periferia da cidade e o alto número de homicídios, suicídios e explosões de ira que estão acontecendo em Londres.

Aqui nós temos a apresentação de um tipo diferente de zumbi (ou não-zumbi), e não falo isso apenas porque o roteiro faz um ótimo jogo com a ideia de alucinação ou ponto de vista sobre quem está vivo e quem está morto (ou infectado pelas maléficas manchas solares). Trata-se realmente de um novo tipo, o “renascido” ou, como a tradução de Júlio Schneider para a editora Lorentz nos diz, “redivivo“. A pessoa “renascida” foi aquela que ouviu o macabro chamado da ‘vida após a morte’ , recebeu uma forte influência mental, cometeu suicídio e posteriormente ressurgiu com mutações no sangue e no corpo… Por isso são tão resistentes e não morrem como os “zumbis normais”, com golpes na cabeça — esse tipo nós já tivemos na série: as criaturas de Xabaras em O Despertar dos Mortos-Vivos.

Um ponto que eu queria levantar aqui e que aparentemente incomodou algumas pessoas é em relação à sequência que abre a história. Nela, os desenhos sugerem que a pessoa enterrada viva é Dylan Dog (e se a gente olhar bem na multidão em volta do caixão, ele não está lá, em nenhum quadro, o que fortalece ainda mais essa impressão de que a pessoa no caixão é ele). Mas no final da edição isso muda, pois descobrimos que o enterrado vivo é, na verdade, Pierce Saltzman. Pode ser um erro do roteiro? Pode, claro. Mas talvez seja apenas uma mudança de ponto de vista diante de toda a situação. Pensem comigo.

O final da história fala das muitas alucinações causadas pelas manchas solares (a “desculpa oficial”, digamos) e essa cena de enterro inicial pode indicar isso. Ou simplesmente quer dizer que Dylan Dog chegou atrasado ao enterro de Saltzman, o único que não conseguiu “renascer“. Esse tipo de encerramento é um dos meus favoritos em tramas que abordam um tipo de apocalipse. É um pessimismo meio sacana, trágico e terrível, mas disfarçado por uma aura de normalidade. Pasquale Ruju conseguiu usar muito bem essas possibilidades a seu favor e jogar isso no colo do leitor. Afinal, o Dylan Dog que a gente conhece após a edição #192 da série é, assim como a população do mundo, o “redivivo” infectado pelas manchas solares? A série nos faz pensar constantemente nessas mudanças. Lembram da Saga do Crepúsculo? Dylan Dog é um verdadeiro camaleão de tragédias!

Dylan Dog – Vol. 192: Manchas Solares (Macchie Solari) — Itália, agosto de 2002
No Brasil:
Editora Lorentz (julho de 2017)
Roteiro: Pasquale Ruju
Arte: Bruno Brindisi
Capa: Angelo Stano
100 páginas

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