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Crítica | Dylan Dog – Vol. 18: Cagliostro!

O gatinho mágico da loucura.

por Luiz Santiago
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A manipulação da realidade, a confusão dos sentidos e a própria reconstrução da existência são elementos frequentemente explorados nas aventuras de Dylan Dog – O Detetive do Pesadelo. Muitas dessas histórias possuem agentes externos mais ou menos esperados em um título como este, meio saga de horrores (em todos os subgêneros imagináveis) e meio giallo: monstros, demônios, fantasmas, criaturas cósmicas e por aí vai. O que vemos neste número dezoito da série, porém, é um agente externo diferente. A chegada de um gato mágico chamado Cagliostro, e de sua dona, a bruxa Kim. A dupla Tiziano Sclavi (roteiro) e Luigi Piccatto (desenhos) abraçou a imaginação e transferiu o máximo de fantasia macabra para as páginas dessa edição, empilhando as melhores referências e criando uma história que se revela bem simples, ao cabo, mas que tem um desenvolvimento inesperadamente complexo e muito, muito divertido de se ler.

As figuras do gato Cagliostro (o nome já é referência a um alquimista/ocultista [?] do século XVIII, o palermitano Alessandro, Conde de Cagliostro) e da bruxa Kim foram inspiradas numa cena do filme Sortilégio de Amor (1958), que traz a personagem de Kim Novak segurando um gato bem à frente do rosto. É uma imagem intrigante e que certamente deu a Piccatto a atmosfera necessária para criar uma maga que, na maior parte do tempo, se mostra e age como uma mulher “apenas misteriosa“, sem os tiques e cacoetes que supostamente uma jovem bruxa deve demonstrar. Gradualmente, o roteiro vai liberando o melhor lado do clichê relacionado à bruxaria e acabamos com uma ótima referência à Rainha Má, de Branca de Neve e os Sete Anões (1937). O escopo dessa história, por ser bastante solto — e não falo isso negativamente –, permite que inúmeros personagens e situações literárias ou cinematográficas apareçam, enquanto Dylan Dog se direciona aos Estados Unidos para participar de um “desafio” feito para ele por telefone. Um desafio sobre o qual ele não tem muitos detalhes, mas se sentiu impelido a aceitar por conta da alta soma de dinheiro envolvida.

A trama se divide em dois grandes ambientes cênicos, e essa foi uma escolha acertada do autor para revelar em cada espaço um aspecto diferente desse Universo manipulado pelos poderes protetores de um felino extremamente poderoso. No bloco de Groucho, a comédia absurda disfarça os eventuais didatismos e coloca o companheiro de Dylan em cena muito mais cedo, acendendo a curiosidade do leitor sobre o que fará e como deve ajudar (ou atrapalhar) seu empregador com o tal “desafio misterioso“. No bloco de Dylan, que viaja de navio por ter medo de avião, vemos uma série de situações inusitadas acontecendo, como se alguém ou alguma coisa estivesse fazendo de tudo para impedir que ele chegasse a Nova York.

É neste espaço da aventura que desfilam as melhores e frequentes ligações com outras artes, apresentando citações literais ou visuais a Lovecraft e Cthulhu (em expressões visuais, tanto na criatura inspirada, quanto em um personagem encarnado); a Marion Crane, de Psicose (que dá uma carona para Dylan Dog); aos atores Cary Grant, James Stewart e Rupert Everett (que aparecem encarnando personagens da história); aos filmes Sem Destino (1969), O Massacre da Serra Elétrica (1974), Taxi Driver (1976) e Os Caça-Fantasmas (1984); e a Stálin, H.G. Wells e Dumas. Essa miríade de piscadelas estéticas e narrativas deixa o leitor com um sorriso cúmplice no rosto, pois percebe que a realidade vivida por Dylan não é a mesma que se apresenta para Groucho e o restante da humanidade; e em cima de tudo isso, ainda tem a dúvida sobre quem (e por quê) está fazendo essas paradas macabras com o Detetive do Pesadelo. A armadilha estaria supostamente no “grande desafio“, então, por que essas coisas estavam acontecendo com ele? A resposta, como acontece frequentemente nas aventuras da série, é muito boa, apesar de simples. Gosto muitíssimo da surpresa fantasiosa à la Deus Ex Machina do final, um dos momentos onde esse recurso narrativo funciona bem à beça. Dylan Dog, mais uma vez, salvo da morte pela forma e da forma mais deliciosamente estapafúrdia possível.

Dylan Dog – Vol. 18: Cagliostro! (Itália, março de 1988)
No Brasil:
Editora Mythos (setembro de 2002)
Roteiro: Tiziano Sclavi
Arte: Luigi Piccatto
Capa: Claudio Villa
100 páginas

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