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Crítica | Dylan Dog e as Criaturas da Noite

Um anti-Dylan Dog.

por Luiz Santiago
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Embora as negociações para adaptar Dylan Dog para o cinema tenham tido início por volta de 1998, foi apenas em 2010 que duas produtoras independentes (Platinum Studios e Hyde Park Entertainment) conseguiram trazer para o público uma versão do que seria uma história do Detetive do Pesadelo na grande tela. Criado por Tiziano Sclavi (roteiro) e Agelo Stano (arte), este grande personagem da Sergio Bonelli Editore estreou nos quadrinhos em outubro de 1986, em uma aventura densa envolvendo zumbis chamada O Despertar dos Mortos-Vivos. Ex-investigador da Scotland Yard, Dylan Dog agora assume casos paranormais, o que o coloca em contato com um grande número de criaturas, seres e situações que os olhos, a ciência ou mesmo o senso comum humanos negam ou não estão acostumados. Nesse aspecto, dá para entender em parte o caminho que os roteiristas deste filme, Thomas Dean Donnelly e Joshua Oppenheimer, tomaram para adaptar a história do personagem. O problema é que eles entenderam tudo errado.

Ao longo de toda a minha jornada como crítico de cinema, uma das coisas que sempre defendi é que “adaptação” não é (e nem deve ser) “transliteração“. Rejeito qualquer tipo de cobrança de “absoluta fidelidade cenográfica” em relação às obras originais, assim como a representação obrigatória de cenas ou mesmo de histórias famosas vindas da mídia original. De novo: adaptar não é transliterar. Existe apenas um único ingrediente obrigatório ligando adaptações cinematográficas às suas searas de origem, e este ingrediente é a essência. Toda obra de arte, em qualquer mídia, possui uma essência. Em ficções com enredo, essa essência se dá basicamente em duas camadas, a primeira ligada à construção de personagens e a segunda ligada ao estilo geral (ou atmosfera estética e narrativa) das histórias. Adaptar essas camadas para outra mídia não significa copiar cada um desses componentes, mas manter as coisas que garantem a existência dos personagens e da obra em si. Em Dylan Dog e as Criaturas da Noite, porém, vemos que o roteiro simplesmente joga pela janela a essência do protagonista e também daquilo que forma uma aventura de Dylan Dog, mantendo, infelizmente, os elementos conjunturais de pouca ou nenhuma importância para a obra… o que nos leva ao desastre de descaracterização que é este longa americano.

Dirigido por Kevin Munroe, o filme toma como ponto de partida um recorte extremamente problemático: a aposentadoria de Dylan Dog. Essa construção de enredo, em filmes, funciona melhor com personagens já muitíssimo estabelecidos frente ao grande público, que entenderá a abordagem sem a necessidade de um contexto maior a tal aposentadoria e, mais ainda, a mudança de comportamento entre um momento e outro de sua carreira. Para um personagem como Dylan Dog, este é o pior tipo de pontapé dramático, mesmo para as pessoas que já o conhecem bem. Isso porque a indicação de uma aposentadoria aponta para um estágio de vida e comportamento que, na base, não vemos como parte do personagem, pelo menos não até o momento em que o filme foi produzido (2009 – 2010). Não significa que não houveram afastamentos ou momentos que indicam um sabático de Dylan de suas funções. Mas isso não é uma recorrência na série e não condiz com aquilo que esperamos do personagem, de modo que esse princípio já soa falso e apresenta para o público um Detetive do Pesadelo que é, na verdade, um detetive de quinta categoria.

Como estamos falando de uma adaptação americana, já era de se esperar uma produção que privilegiasse o encaminhamento didático do texto e uma exposição superficial do protagonista, o que certamente já geraria grande descaracterização, visto que o Dylan original é complexo e suas histórias dotadas de uma boa riqueza de detalhes e significados. O roteiro, porém, pesa ao máximo a mão nessa praia rasa de conteúdo, transformando Dylan Dog num Van Helsing barato, sem personalidade e seguido por um companheiro que, às vezes, consegue ser mais interessante que ele. Do meu ponto de vista, seria preferível que não mudassem o parceiro de Dylan da figura de Groucho para outra, mas se a essência de Groucho fosse mantida, não creio que teria um problema aí. Em alguns momentos da aventura, Marcus (Sam Huntington) até consegue se mostrar uma adaptação aceitável dentro da proposta da obra, mas justamente porque a trama é tão absurda, fraca e mal conectada — e porque o Dylan Dog de Brandon Routh é terrivelmente mal escrito — a mudança acaba se tornando ruim também.

Brandon Routh não entrega nada que o aproxime de um personagem como Dylan Dog, a começar pela própria fisionomia e representação simples do ator, que não consegue colocar a face impositiva que Dylan possui. O fato de ser um ator bonito e carregar bastante simpatia nos momentos mais leves da trama não bastam para fazer dele uma versão interessante de Dylan no cinema, até porque a comédia (ácida, macabra e sombria) que vem dos quadrinhos é apenas um dos aspectos das histórias do Detetive do Pesadelo, não a sua base. Aqui, a costura narrativa para a comédia é forçada e toma espaço de muita coisa interessante, sem contar que a problemática a ser resolvida é confusa, atira para todos os lados e não consegue chegar a um ponto aceitável dentro do terror e nem dentro do giallo, que é o gênero-guia das tramas de Dylan nas HQs. Vemos até um flerte com a versão americana desse gênero (o slasher), mas é um componente relativamente perdido numa história onde temos zumbis, vampiros e o demônio Belial como antagonistas — sem contar, claro, a caçadora de monstros sem um pingo de noção em relação às criaturas que caça.

Abarrotado de cenas sem propósito e com um uma história que está mais para os filmes de baixo orçamento de terror americano dos anos 2000 do que para um giallo vindo dos quadrinhos italianos, Dylan Dog e as Criaturas da Noite é uma verdadeira perda de tempo. Salvo a construção de alguns cenários (num bom trabalho da direção de arte em cenas selecionadas, algo que também estendo para umas poucas exposições de morte), o filme não consegue nem mesmo entreter o espectador por muito tempo, porque ao fim de um bloco ou cena que parece interessante, dá-se início mais uma sessão de coisas insuportáveis, e então o que tinha sido construído de potencialmente bom, é perdido. Uma verdadeira decepção.

Dylan Dog e as Criaturas da Noite (Dylan Dog: Dead of Night) — EUA, 2010
Direção: Kevin Munroe
Roteiro: Thomas Dean Donnelly, Joshua Oppenheimer (baseado na obra de Tiziano Sclavi)
Elenco: Brandon Routh, Anita Briem, Sam Huntington, Taye Diggs, Kurt Angle, Peter Stormare, Kent Jude Bernard, Mitchell Whitfield, Michael Cotter, Laura Spencer, James Landry Hébert, Dan Braverman, Marco St. John, Kyle Clements, Douglas M. Griffin, Kevin Fisher, Garrett Strommen, Brian Steele
Duração: 108 min.

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