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Crítica | Duna: Parte 2 (Com Spoilers)

O jovem Messias.

por Felipe Oliveira
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  • Leiam, aqui, a crítica sem spoilers.

Frente a enxurrada de filmes com efeitos visuais danosos sendo chamados de blockbusters, não é sempre que podemos contar com blockbuster que de fato parece um blockbuster; um épico audiovisual e competente em sua história. A tarefa de Dennis Villeneuve em adaptar a obra de Frank Herbert continua sendo um desafio, mas o cineasta canadense mostra “controle” – considerando o que ele preza em abordar e reverenciar o material original – em trazer um romance complexo e amplo para as telas. Embora ainda soe como uma ponte para outra sequência, voltar ao deserto de Arrakis depois de três anos  causa um misto de sensações no público, e não só para quem conhece o universo galático filosófico e político de Herbert, mas por entregar uma peça fabulosa de ser assistida.

Funcionando como um estudo de personagem, Duna: Parte Dois se aproxima mais da ascensão do messiano, do jovem Paul Atreides (Timothée Chalamet) assumindo seu papel como o Predestinado, o líder religioso em uma Guerra Santa. Se anteriormente Jessica (Rebecca Ferguson) era destaque ao lado de Chalamet, agora a personagem se junta aos coadjuvantes de luxo em presença reduzida para que Chani (Zendaya) ganhe mais tempo de tela e espaço na narrativa. Aliás, ao mesmo tempo que Villeneuve usa Chani como um contraponto ao arco de Paul, o cineasta caminha para um desenvolvimento isolado da personagem – algo claro na cena final, que aponta para um futuro diferente na possível terceira parte da história – o que não deixa de ser promissor e empolgante visto que Chani recebe.

Enquanto que a esperada Guerra Santa parece quase que anticlímax pelas transições estranhas e deslocadas – falha essa também da primeira parte com os personagens se deslocando ou resolvendo situações rapidamente – e a intriga política soe artificial, ao menos dá para somar alguns pontos pela atenção que Villeneuve traz para a perspectiva religiosa. É interessante que em alguns momentos parece que estamos fantasiosamente acompanhando uma jornada espiritual, e em outros, essa jornada tem um tom sobrenatural que causa perturbação e comoção. Ainda que não tenha se aprofundado, a abordagem faz sentir o impacto das discussões sobre as predições messiânicas, fé e fundamentalismo, a medida que a crença de Stilgar (Javier Bardem) oferece a visão de contemplar o cumprimento de sua fé ao tempo que Chani resiste por enxergar o “Paul” por trás dessa crença. Mesmo os personagens funcionando como peças ao arco de Muad’Dib conseguem se destacar, diferente do tratamento específico do cast de luxo.

Talvez, o ponto mais negativo de Dune: Part Two seja do sacrifício do diretor em reduzir boa parte do elenco em função do enredo e como isso tira o peso que o grande leque de personagens poderia ter. É tirando a atenção de um para conceder a outro, como por exemplo o Barão Harkonnen (Stellan Skarsgård) e Rabban (Dave Bautista) em poucas cenas para que o sobrinho de Harkonnen, Feyd-Rautha (Austin Butler) tivesse sua participação aproveitada, afinal, a caracterização de Butler era curiosa, e finalmente poder ver o resultado de sua performance é empolgante. O ator consegue extrair algo além do vilão caricato, “de um vilão comportando como vilão” e se assemelhando a um mal encarnado, carismático e com um estranho sex appeal.

Se a primeira parte foi alvo de insatisfações por conta do seu ritmo, visto mais como um trailer estendido, a segunda parte se prontifica pela agilidade do ritmo e em como conduz a narrativa. É interessante observar como a pegada sensorial de Villeneuve age em função das cenas de ação e também em testar algumas experimentações, a exemplo das sequências no deserto. É graças ao tom clássico no embate final entre Feyd-Rautha e Paul que dá para entender como a ação recebeu um ponto de vista mais pessoal do que pequenos conflitos simultâneos – com o dito confronto épico ficando com a destruição de naves a distância e a breve morte de Rabban pelas mãos de Gurney Halleck (Josh Brolin).

Desde o primeiro momento, a abordagem aqui parte de um olhar intimista para a mudança de Paul Atreides para assumir seu papel como líder. E há um suspense em torno dessa análise de personagem a partir do ponto em que Paul parte para o ataque contra um soldado Harkonnen – enquanto a câmera observa o ponto de vista do personagem calculando os riscos, tendo ao seu lado Stilgar e Channi, uma representação do que seria discutido mais a frente sobre fé e ceticismo. Essa ótica intimista, da jornada de Paul, ainda pode ser vista quando o Muad’Dib monta um verme do deserto pela primeira vez. O tom épico presente, a cena clássica do protagonista se desafiando. O silêncio dramático quanto ao êxito ou fracasso do personagem são elementos essenciais para o trecho emocionante que culmina em mais uma confirmação do profeta entre os fremens.

De certa forma, Villeneuve já aponta para o que planeja para a terceira parte ao diluir as impressões de figura heróica de Paul e destacar um papel importante de Chani nesse recorte. Não é como se fosse entrar “no lado negro da força” mas assim como a Parte Um e Parte Dois de Duna fecham o arco de ascensão Paul, a virada maquiavélica que Paul dá ao assumir como Muad’Dib – com mudança até na entonação – e revelar as intenções de casar-se com Irulan (Florence Pugh) tudo indica para o declínio dessa figura, e talvez atenção maior para o lado político mantendo por perto as discussões religiosas. Mas enquanto a próxima sequência não recebe sinal verde, Part Two pode ser visto pelo drama de ficção científica épico que ele é; um espetáculo visual estrondoso e prazeroso.

Se bem que espetáculo visual e sensorial já são características esperadas nas mãos de Villeneuve, algo autoral; e mesmo que o filme não seja um exemplar quando se trata de cenas ação e transição – principalmente com a perda de ritmo evidente no último ato – o grande trunfo aqui é pela construção de mundo que o cineasta imprime. Não tem como sair da sala de cinema sem validar a experiência como maravilhosa porque isso supera a linha do hype por estarmos diante de uma experiência cinematográfica diferente, rara por entregar um trabalho com imersão. Certo que há vários descartes quanto a caminhos e tópicos que o longa poderia introduzir, mas com quase três horas de duração considerando que ainda repete o erro narrativo de ser parte de uma outra sequência, Duna: Parte Dois soa como um resultado completo que compensa a sua espera.

É graças a exemplos como esse que a discussão de longa duração e blockbuster se complementam, não só pela divisão em partes (que formam uma saga) servir a maneira que a adaptação está sendo feita, tentando ao máximo fazer jus ao romance original, mas também por se tratar de um épico audiovisual por sua estética e técnica. É a combinação de experiência e deleite sensorial impressos em um blockbuster clássico que fazem de Duna: Parte Dois um experimento cinematográfico raro. Se Villeneuve já sinaliza sobre um intervalo maior para uma possível terceira parte, só nessa continuação o cineasta poderá ser lembrado por entregar um evento de quase três horas que faz o telespectador sair da sala de cinema se sentindo maravilhado.

Duna: Parte 2 (Dune: Part Two) – EUA, 2024
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Jon Spaihts, Denis Villeneuve (baseado em romance de Frank Herbert)
Elenco: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Josh Brolin, Stellan Skarsgård, Dave Bautista, Zendaya, Charlotte Rampling, Javier Bardem, Babs Olusanmokun, Austin Butler, Florence Pugh, Christopher Walken, Souheila Yacoub, Anya Taylor-Joy
Duração: 168 min.

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