- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Eu não devo ter medo. Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Eu enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e me atravesse. E, quando tiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu permanecerei.
Com o anúncio da renovação de Duna: A Profecia para uma segunda temporada, minha dúvida sobre a natureza da obra – se era série ou minissérie – foi resolvida e senti também alívio por isso abrir espaço para que todas as linhas narrativas sejam tratadas com a calma que elas precisam, sem correrias no último episódio, por maior que ele pudesse ser. E, quando vi que ele seria quase do tamanho de um longa-metragem, minha reação inicial foi de preguiça, mas, na medida em que ele progredia, pude notar que o roteiro procurou fazer justiça ao conceito de que uma temporada deve trabalhar um arco completo, mesmo que o final acabe naturalmente aberto, e o resultado, nesse sentido, foi muito satisfatório, diria até mesmo uma surpresa por tudo acabar de cabeça para baixo em termos de status quo em Salusa Secundus e na Irmandade, e, claro, por vermos Valya, Ynez e Keiran chegando em Arrakis para tentar descobrir quem é que está realmente por trás de tudo.
O melhor do longo, mas bem concatenado episódio, foi o uso de flashbacks intercalando as sequências de ação no presente. Não que isso seja incomum, mas, aqui, Anna Foerster comandou muito bem as transições e soube dar variedade aos retornos ao passado, algo que acontece da maneira tradicional, como as lembranças de Tula sobre o destino de seu filho com Orry Atreides, como visões de uma compreensivelmente vingativa Dorotea controlando o corpo e a mente de Lila e como um retorno ao maior medo de Valya, que é ao mesmo tempo perder seu irmão e ser a causa de sua morte. Com esse jogo de passado e presente, o episódio termina de montar o quebra-cabeças da temporada e entrega um quadro bastante claro que os eventos, então, tratam de derrubar, primeiro fazendo do imperador uma figura trágica, destruída pelas verdades que uma inclemente Valya diz para ele e que o leva a fazer a única coisa que poderia fazer, depois pareando Ynez com Keiran sob a guarda de Valya, mais para a frente fazendo com que Dorotea vire o jogo na Irmandade, revele os segredos sujos que Valya e suas comparsas esconderam por décadas e tome controle da ordem e, finalmente, reunindo Tula e seu filho depois que ela ajuda a irmã marionetista a vencer o medo e, no processo, o vírus nanotecnológico implantado em Desmond.
Falando em medo, achei interessante que, ao que tudo indica, a famosa Litania do Medo que citei na integralidade na abertura da crítica, tem sua origem exatamente aqui, com Tula guiando Valya para não lutar contra o vírus, mas sim basicamente encará-lo de frente, deixando o medo passar por ela. É um tanto quanto literal, admito, mas é um esforço valoroso ressignificar algo tão importante para o universo criado por Frank Herbert e que tem cunho filosófico, a partir de algo prático, de uma “simples” estratégia para lidar com tecnologia das Máquinas Pensantes. Não sei se isso existe no livro de Brian Herbert e Kevin J. Anderson que inspirou a série, mas, considerando que a dupla adora expandir e explicar conceitos herméticos do autor original, basicamente criando fanfics, isso é algo que tem todo o jeito dos dois, mas que, aqui, eu gostei talvez até mais do que devesse.
No final das contas, a temporada acaba encerrando seus arcos narrativos e começando uma segunda fase deles com cartas mais claras na mesa e com a apresentação de um novo inimigo nas sombras que eu cheguei a imaginar que fosse só as Máquinas Pensantes, mas que, conforme Valya, é, na verdade, alguém usando-as para seu benefício, basicamente com ela mesma sempre fez. Claro que ela não é um encerramento completamente sem problemas, pois a própria introdução desse “novo inimigo” pareceu-me um golpe baixo se ele, lá para a frente, for realmente revelado como novo e não alguém já apresentado antes. Além disso, o uso de Theodosia, que fora lentamente “preparada” para ter seu grande momento, acabou sendo absolutamente pífio e sem graça, algo semelhante à aparição de meros segundos de Harrow Harkonnen ou o conveniente sumiço de Constantine Corrino da história. Como se isso não bastasse, a chegada de Dorotea e das irmãs ao subsolo onde Anirul se encontra foi rápido e fácil demais quando por diversas vezes ao longo da temporada os roteiros fizeram esforços claros para mostrar que existem chaves de acesso limitado.
Mas os problemas foram compensados pelo destaque dado à Emily Watson como Valya, valendo especial menção para a sequência em que ela destrói Javicco sentada impassivelmente em seu próprio trono e na ótima, mas infelizmente breve, sequência de combate que ela protagoniza usando a Voz como sua única arma. De maneira semelhante, Olivia Williams também ganhou holofotes novamente primeiro ao descobrir como lidar com o vírus usando uma irmã aleatória para isso, depois por ajudar Valya e, por último, na cena em que ela se aproxima do filho e, entre medo e hesitações, o abraça, com Travis Fimmel realmente conseguindo convencer em um momento de ótima carga dramática. E, agora que todos os espectadores estão devidamente ambientados para essa versão pretérita do universo dos filmes de Denis Villeneuve, a tendência é que a segunda temporada seja mais harmônica e, portanto, tenha homogeneamente mais qualidade. Só espero que, agora que sabemos que se trata de uma série, Diane Ademu-John e Alison Schapker tenha planos concretos de como ela será desenvolvida, sem se perder em enrolações infinitas.
Duna: A Profecia – 1X06: O Inimigo Arrogante (Dune: Prophecy – 1X06: The High-Handed Enemy – EUA, 22 de dezembro de 2024)
Desenvolvimento: Diane Ademu-John, Alison Schapker
Direção: Anna Foerster
Roteiro: Elizabeth Padden, Suzanne Wrubel
Elenco: Emily Watson, Jessica Barden, Olivia Williams, Emma Canning, Jodhi May, Sarah-Sofie Boussnina, Chloe Lea, Chris Mason, Shalom Brune-Franklin, Mark Strong, Travis Fimmel, Jade Anouka, Edward Davis, Josh Heuston, Faoileann Cunningham, Aoife Hinds, Barbara Marten, Tabu
Duração: 81 min.