- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
No penúltimo episódio da primeira temporada (ou seria uma minissérie?) de Duna: A Profecia aprendemos duas coisas sobre Desmond Hart. A primeira e mais importante delas é que, mesmo tomando banho e vestindo um uniforme novo, ele continua com cara de sujo molambento, o que talvez seja uma característica de todos os personagens vividos por Travis Fimmel. Por que essa informação é a mais importante? Ah, talvez porque ela me tenha feito rir a ponto de ter tido que pausar o episódio logo no comecinho para não perder nada relevante. A segunda lição sobre Hart é, claro, sua origem, pois, apesar de isso não ter sido dito com todas as palavras, ficou evidente pelo momento “tchã” no computador proibido das Bene Gesserit, que ele é filho de Tula Harkonnen e Orry Atreides. Por que essa informação é menos importante do que a outra? Porque, muito sinceramente, eu não sei muito bem o que isso impacta na história, se é que impacta alguma coisa.
Mas não, a revelação da identidade de Desmond Hart não é de todo desinteressante, pois conversa bem com Irmandade Acima de Tudo, mais conhecido como o episódio flashback, e com toda a questão do mapeamento genético iniciado pela Madre Superiora Raquella, fundadora da Irmandade, e pode servir como uma cunha cravada profundamente no relacionamento fraternal entre Tula e Valya. Tudo dependerá, claro, de como isso será trabalho no derradeiro episódio, especialmente considerando que a comunicação entre as duas é, por razões óbvias, pouco prática no momento. Mesmo assim, tenho dificuldades de enxergar como exatamente Hart ser filho de quem é pode alterar caminhos tomados por esse ou aquele personagem na história macro que está sendo contada.
Seja como for, A Verdade no Sangue lida bem as intrigas palacianas, aproximando o Imperador Javicco Corrino do despotismo quando ele faz de Desmond seu general comandando forças especiais (proto-Sardaukar, imagino) com o objetivo de desbaratar a rede de insurgentes na base do custe o que custar e integrando a Irmã Francesca (Tabu) à narrativa quando ela é chamada por Valya para ajudar a manobrar Javicco na qualidade de sua ex-amante e mãe de Constantine. A tensão de forças entre Desmond e Valya funciona muito bem, como um jogo bem jogado de xadrez em que a segunda afasta o primeiro do imperador para que Francesca possa fazer o que faz de maneira mais livre e o primeiro lidera uma invasão ao bar de Mikaela que acaba em destruição completa e sua sobrevivência somente por seu ótimo reflexo de ligar o escudo no último segundo e que, de quebra, mesmo sem intereferência direta de Desmond, resulta na prisão de Keiran Atreides como traidor. A costura das duas linhas narrativas paralelas, que conta ainda com o uso de Harrow Harkonnen por sua tia-avó para dar o pontapé no afastamento de Desmond, é uma demonstração excelente da costumeira qualidade da direção de Anna Foerster que, quando tem material à altura, quase sempre é capaz de elevá-lo.
Aliás, o vigor do elenco todo faz-se sentir mais claramente aqui em A Verdade no Sangue, com todos circulando bem e tendo seus papeis bem estabelecidos, mesmo que muito rápidos, como são os casos dos citados Constantine e Francesca, além da Princesa Ynez, que provavelmente se bandeará para o lado de Keiran, e também a Imperatriz Natalya, claro, que mostra todo o seu veneno anti-Irmandade ao final. Por outro lado, diria que Valya foi subutilizada, ficando demais apenas nas sombras e basicamente servindo de “explicadora oficial” para espectadores que não prestam atenção e que toda aquela grande revelação de que Theodosia é uma Tleilaxu no episódio anterior ficou por isso mesmo, sem continuidade e sem inserção efetiva na narrativa. No caso desta última, eu realmente espero que a personagem não seja usada como a salvação de último minuto do plano maquiavélico de Valya, pois isso só diminuirá o impacto da série.
No lado da Irmandade, para além do uso conveniente de Raquella “possuindo” o corpo de Lila que descobre sobre o vírus de origem nas Máquinas Pensantes que aproxima Desmond delas, com esperado, e da revelação sobre a identidade de Desmond que choca Tula, diria que nada realmente mudou para além de sermos informados de que as noviças estão indo embora, decepcionadas com a direção dos eventos. Por não vermos nada disso efetivamente, ou seja, por toda a ação ficar confinada basicamente ao círculo mais próximo de Tula, os diálogos que transmitem o estremecimento da ordem das Bene Gesserit acabam soando tão vazios quanto a identidade do Bashar do Imperador. Faltou mais atenção nesse aspecto da história, algo que demonstra um pouco que a série não tem sabido trabalhar de maneira equânime seus diversos núcleos, sempre preterindo um ou outro.
Mas A Verdade no Sangue funciona bem, ainda que não exatamente empolgue. Mesmo que a grande revelação final não tenha impacto discernível, o restante da estrutura narrativa em Salusa Secundus é sem dúvida interessante, com as manipulações nas sombras, assim como a ação às claras estabelecendo um bom ritmo que pode não intrigar tanto quanto talvez a produção ache que intriga, mas que certamente expande o universo de Duna para além do desértico planeta Arrakis. Agora é torcer para que o episódio final entregue a necessária conclusão de arco ou de toda a minissérie, ainda que eu tenha dúvidas sobre como isso será feito em tão pouco tempo.
Duna: A Profecia – 1X05: A Verdade no Sangue (Dune: Prophecy – 1X05: In Blood, Truth – EUA, 15 de dezembro de 2024)
Desenvolvimento: Diane Ademu-John, Alison Schapker
Direção: Anna Foerster
Roteiro: Carlito Rodriguez, Leah Benavides Rodriguez
Elenco: Emily Watson, Jessica Barden, Olivia Williams, Emma Canning, Jodhi May, Sarah-Sofie Boussnina, Chloe Lea, Chris Mason, Shalom Brune-Franklin, Mark Strong, Travis Fimmel, Jade Anouka, Edward Davis, Josh Heuston, Faoileann Cunningham, Aoife Hinds, Barbara Marten, Tabu
Duração: 63 min.