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Crítica | Duna: A Profecia – 1X02: Duas Lobas

Ninguém é quem diz ser.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

Ultrapassado o episódio inicial carregado demais de intermináveis explicações didáticas sobre o universo em que a série está inserida, Duna: A Profecia parece começar de verdade com Duas Lobas, que tem como função primordial reafirmar que o que estamos assistindo é a versão futurística de intrigas palacianas medievais. Não há nada de errado com isso, vale dizer, ou, corrigindo-me, não haveria nada de errado com isso se o velho adágio perfeitamente aplicável – essencial, na verdade – a tramas como essa que diz que “nada, nem ninguém é o que parece ser” não fosse levado tão ao pé da letra assim, com uma sucessão de revelações que, como o didatismo anteriormente, cansa um pouco. Mas pelo menos a curta temporada parece ter efetivamente andado mais para a frente do que para os lados.

Chegou a ser um pouco engraçado que a Imperatriz Natalya seja a Lady MacBeth para um fraco Imperador Javicco Corrino, que Keiran Atreides seja, na verdade, membro de uma rebelião contra o controle do universo pelo Landsraad (um conglomerado das grandes casas monárquicas), que Mikaela, a fremen atendente do bar que Keiran frequenta, não só seja parte da rebelião como secretamente membra das Bene Gesserit, que Lady Shannon Richese seja uma espiã para seu pai e, claro, que Desmond Hart seja a encarnação do jogo de sombras, jamais efetivamente revelando o que ele quer para além de seu mantra “o melhor para o Império”, em uma função anti-Irmandade que reflete a de Paul Atreides no futuro distante desse universo. E isso tudo, claro, envelopado pelas mestras dos jogos duplos, triplos e quádruplos, a Madre Superiora Valya Harkonnen que tem sua própria agenda, e sua irmã Tula que não hesita em mentir para sua acólita favorita para convencê-la a passar por um ritual perigosíssimo.

Por outro lado, só tenho elogios para toda série que se esmere em colecionar personagens desagradáveis e asquerosos, o que Duna: A Profecia refestela-se em fazer, especialmente quando não hesita em matar a jovem Lila durante a Agonia, a única personagem por quem o espectador poderia sentir alguma conexão, nem que fosse por pena de sua inocência. Sim, claro, há o “boneco Ken” do Atreides solitário para fazer aquela conexão artificial com a casa monárquica que um dia gerará o Kwisatz Haderach e que realmente parece sentir algo pela princesa que treina e que realmente acredita na rebelião que ajuda, mas vamos combinar que, de todos os personagens da série até agora, ele é de longe o que mais causa bocejos em cada cena que aparece. Voltando à coleção de gente nauseabunda que povoa a série, isso é o que torna as intrigas interessantes, oferecendo oportunidades para o vasto elenco competir entre si pelo honroso prêmio de “Personagem que o Espectador Mais Quer Matar”. Seria o imperador facilmente manipulável? A imperatriz que o manipula? A reverenda que mente? A Madre Superiora que faz de tudo e de todos suas marionetes? Ou seria o misterioso “messias” de cabelo desgrenhado que só usa um figurino que sobrevivera ao ataque de Shai-Hulud, ganhando poderes no processo (ou seja lá o que tenha acontecido de verdade que, não tenho muitas dúvidas, relaciona-se com as “máquinas pensantes” banidas há mais de 100 anos) e que, para a satisfação geral, enfrenta Valya de igual para igual?

Da mesma maneira, percebe-se com mais clareza nesse episódio para onde o orçamento da série está indo, com figurinos muito variados, mas consistentes, cenários digitais e físicos suntuosos, um belo desenho de produção no que diz respeito as naves e arquitetura dos ambientes e assim diante, tudo de certa forma conversando fluidamente com os filmes de Denis Villeneuve que, como sabemos, se passam 10 mil anos a frente. Digo “de certa forma”, pois tenho para mim que o objetivo da produção é torná-la igualmente um prelúdio dos filmes e uma obra independente, deixando que o espectador escolha o que bem entender diante da enormidade de tempo que separa esses dois momentos, beneficiando aqueles que, como eu, não ligam muito para continuidade rígida ou eventuais incongruências visuais e narrativas aqui e ali. Mas a grandiosidade toda está lá e tudo pode ser encarado como parte de um grande e ambicioso conjunto harmônico.

Mas o ponto alto de Duas Lobas foi a cerimônia da Agonia em si, pois a representação da comunhão de Lila com seus antepassados e com todas as Reverendas Madres antes dela foi uma sacada visual da mais alta categoria, colocando a personagem em uma gigantesca catacumba em que ela não só ouve mais detalhes crípticos da profecia de uma fantasmagórica Raquella Berto-Anirul, provavelmente referenciando Desmond, como descobre que sua mãe, ao contrário do que Tula dissera, não está por ali, ou seja, está potencialmente viva, no final do processo sendo usada pela manifestação de Dorotea – assassinada por Valya em um dos primeiros usos da Voz – como instrumento de vingança contra as irmãs Harkonnen. É um momento poderoso e repleto de informações que certamente serão “desempacotadas” adiante, juntamente com as diversas outras pontas narrativas de uma temporada que parece tão carregada de situações que, no momento, eu não vejo como só mais quatro episódios poderão dar conta de no mínimo encerrar algumas delas, resultando em uma aparência de arco completo.

Seja como for, Duna: A Profecia começa a realmente ficar interessante. Ainda falta aquele tempero especial que torne as traições, alianças e mistérios mais apetitosos, amarrados e desenvolvidos, sem parecer que o que estamos vendo são meras introduções de assuntos a serem trabalhados futuramente (por futuramente quero dizer temporadas futuras). A série precisa ter sua própria estrutura e a temporada só funcionará se oferecer começo, meio e UM fim, em oposição ao fim efetivo, esse sim naturalmente podendo ser entregue em um possível segundo ano da história.

Duna: A Profecia – 1X02: Duas Lobas (Dune: Prophecy – 1X02: Two Wolves  – EUA, 24 de novembro de 2024)
Desenvolvimento: Diane Ademu-John, Alison Schapker
Direção: John Cameron
Roteiro: Elizabeth Padden, Kor Adana
Elenco: Emily Watson, Jessica Barden, Olivia Williams, Emma Canning, Jodhi May, Sarah-Sofie Boussnina, Chloe Lea, Chris Mason, Shalom Brune-Franklin, Mark Strong, Travis Fimmel, Jade Anouka, Edward Davis, Josh Heuston, Faoileann Cunningham, Aoife Hinds, Camilla Beeput, Cathy Tyson, Brendan Cowell, Laura Howard, Tessa Bonham Jones
Duração: 63 min.

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