E o dia que eu mais temia está aqui. Ducktales chegou ao fim, e por mais que tenha sido anunciada há meses, a despedida não foi fácil. Eu tenho feito as críticas para a série desde o início e essa é uma animação que vai fazer bastante falta, principalmente pela forma que conseguiram trazer de volta um dos meus desenhos favoritos e deixá-lo ainda mais dinâmico, engraçado e criativo. Não que eu esteja desmerecendo a versão original de 1987, essa continua com alguns dos melhores episódios envolvendo a família Pato, e o traço da animação clássica tem aquele charme imbatível, mas se era pra existir uma nova versão de Ducktales que seja fiel, mas ao mesmo tempo não tenha medo de se arriscar em novo território, a de 2017 foi o mais próximo que tivemos da perfeição.
Desenvolvido por Francisco Angones e Matt Youngberg, esse revival de Ducktales poderia ter sido apenas um festival de nostalgia gratuita. É claro que há uma quantidade satisfatória de referências e participações especiais, tanto que a série conseguiu praticamente introduzir um novo universo compartilhado da programação clássica de animações matinais da Disney (uma série ou outra parece ter sido esquecida, mas até isso o episódio final consertou), independente das diversas limitações que o próprio estúdio colocou na equipe criativa.
Mas além das referências, Ducktales compreende que essa onda de continuações, remakes e reboots descartáveis só acontece se você não tem coragem de enfrentar o material original com uma combinação de paixão e vontade de subverter a expectativa do público (não gosto dessa expressão, mas é verdade). As personagens são as mesmas, o universo também, mas a equipe de roteiristas e animadores fizeram um incrível trabalho contextualizando tudo que foi introduzido na série clássica para um mundo novo, não apenas com atualização de tecnologias e linguagem, mas um humor que consegue apelar para o espectador original e um novo público.
E eu ainda nem falei dos dubladores, com veteranos como Tony Anselmo e seu Pato Donald, ou os comediantes Danny Pudi, Ben Schwartz e Bobby Moynihan interpretando os sobrinhos de Patinhas, Huguinho, Zezinho e Luisinho, respectivamente. E por falar no pato mais rico do mundo, David Tennant (Doctor Who) pareceu uma escolha curiosa no começo, mas seu forte sotaque escocês casou perfeitamente com a personagem, tanto que hoje ele é considerado minha versão favorita dele em formato animado.
Foram três temporadas de aventuras, introduzindo novas personagens e trazendo de volta alguns favoritos dos fãs, sem contar que tiveram a coragem de mexer em coisas estabelecidas que nunca imaginamos ver respondidas aqui, como a história de Dumbela, a irmã de Donald e mãe dos três meninos que deixou para trás. E além da principal mensagem envolvendo família e trabalho em equipe, a série trouxe outros temas recorrentes e subtramas que antes pareciam apenas um elemento para aumentar a mitologia do universo de Ducktales, mas em sua última temporada provaram-se pontos essenciais para a conclusão da série. E por falar nela, vamos para a última aventura.
The Last Adventure! segue a família pato em seu derradeiro embate com a agência secreta F.O.W.L. Seguindo uma suspeita de Huguinho, a família, acompanhada de seus principais aliados, descobre o esconderijo dos vilões, mas tudo que encontram é um quartel general vazio, com exceção de duas figuras que nunca viram antes, uma dupla de garotas idênticas à Patrícia. Eles as resgatam de lá e prometem ajudá-las, além de tentar descobrir o que está acontecendo. Enquanto Patilda parte em uma missão secreta (tão sigilosa que precisa desacordar Patinhas para que ele não faça perguntas), Patrícia se comunica com seus clones e imagina que elas podem ter a resposta para o que realmente aconteceu com seus pais. Finalmente teremos a solução para um dos grandes mistérios da série, e talvez isso esteja conectado com o verdadeiro plano de Bradford, o líder da F.O.WL, que parece mais uma vez estar um passo à frente de Patinhas.
Para resolver todas as pontas soltas e mistérios, a série precisou de um pouco mais de uma hora de duração para seu último episódio, e não desperdiçou qualquer segundo. As piadas continuam ótimas, a ação está melhor do que nunca e mesmo com todo o dinamismo e a corrida contra o tempo para deter a F.O.W.L, o episódio ainda teve espaço para desenvolver o drama com calma. Se em críticas anteriores mostrei minha preocupação em um final corrido, felizmente os roteiristas fizeram um dos melhores trabalhos da série inteira, dando um verdadeiro peso para as cenas que exigiam um momento mais íntimo entre os personagens, e concluindo os principais arcos da série da maneira mais eficaz e inteligente possível, tudo isso sem perder o fôlego de toda a ação em volta.
O episódio abre algumas subtramas com conclusões emocionantes, como a decisão de Donald em finalmente se colocar em primeiro lugar e planejar uma viagem com Margarida, o que deixa todos felizes, menos Dumbela, que esteve sem seu irmão por anos e imaginou que teriam mais tempo juntos. Mesmo assim, o principal arco dramático do episódio, e provavelmente o que confirma o quão importante foi a personagem para a série inteira, foi o de Patrícia, que mesmo sendo o membro mais animado da família, sempre foi a mais insegura sobre suas emoções. A forma que o roteiro decide concluir a jornada emocional da personagem é um dos pontos altos do episódio, sem contar o fato de que todas as reviravoltas foram surpreendentemente criativas e de acordo com tudo que foi estabelecido até o momento (já imagino alguns fãs mais conservadores nervosos por conta disso, mas a série foi mais inteligente do que imaginei). E por falar em algo bem construído para ter uma conclusão mais impactante, assistir aquela cena do Capitão Bóing sendo reconhecido com o verdadeiro herói que é foi um dos pontos altos da série.
Também assistimos a batalha entre Patinhas e Bradford, e o resto da família e aliados do pato mais rico do mundo contra os diversos vilões da F.O.W.L, como Mancha Negra e Bico de Aço. E esse episódio pode não ter a mesma escala que outros, como Moonvasion (o final da segunda temporada), mas é épico pelos riscos apresentados e a quantidade de personagens que consegue reunir, então se você estava com saudade de alguém, essa é a oportunidade perfeita para vê-los mais uma vez; desde alguns recorrentes, como Darkwing Duck e Robopato, até figurantes famosos, como Tico e Teco e sua equipe, os Defensores da Lei, ou parte da Esquadrilha Parafuso. E depois de dar espaço para mostrar personagens como Bonkers e até os Wuzzles, muitos fãs questionaram se a série deixaria de lado a produção mais adulta da programação matinal da Disney, Gárgulas. Para isso, digo apenas que não chegamos a ter personagens diretamente da animação, mas um certo cavalo usando um busto de Patinhas como cabeça chega a mencionar que “voltou à vida”. É um momento rápido e que serve para entregar uma piada, mas foi o mais próximo que os fãs tiveram dos Gárgulas em Ducktales.
A ação está ótima e esse é um dos poucos casos em que você realmente sente a tensão das cenas, isso porque o episódio faz uma decisão arriscada, mas necessária. Isso pode ter sido um pouco pesado, mesmo que a sequência tenha uma piada no fim, mas foi bom ver que ninguém estava seguro nessa missão. Admito que alguns vilões poderiam ter sido melhor aproveitados, como o próprio Mancha Negra, que é um dos mais poderosos, mas aqui tem uma participação bem rápida; ou a própria Maga Patalójika, que serve de “ajudante involuntária” para Bico de Aço. Vale a pena ter Pão-duro Mac Mônei apenas por alguns segundos? Claro! Cada segundo dele em tela é ouro e deveria ser apreciado como uma pintura. E por mais que os vilões tenham sido o elemento menos aproveitado do episódio, todos tiveram um papel importante na missão final, assim como os artefatos, que antes pareciam não ter tanto valor narrativo, mas aqui se provam peças-chave para a resolução da trama.
Foi ótimo assistir esses personagens pela última vez. Tivemos um final satisfatório que respondeu os principais mistérios e concluiu os arcos de seus personagens com toda a criatividade que a série sempre mostrou. Ainda não foi confirmada qualquer nova animação derivada (sério que não vou ter meu Darkwing Duck?), e não há planos concretos para o futuro, nada além de um podcast que alguns membros do elenco estão planejando, mas quem sabe não tenhamos outro revival em vinte anos? Eu poderia estar triste, mas fico alegre em ver um dos meus desenhos favoritos da infância retornando para me conquistar novamente, não apenas pela nostalgia, mas por todo o coração que a equipe colocou em cada episódio dessa série, transformando-a em algo único.
Até mais, Ducktales, você vai fazer falta. Woo-oo!
Ducktales 3X22: The Last Adventure! (EUA, 15 de Março de 2021)
Direção: Matthew Humphreys, Tanner Johnson, Matt Youngberg, Jason Zerek
Roteiro: Bob Snow
Elenco: David Tennant, Danny Pudi, Bobby Moynihan, Kate Micucci, Catherine Tate, Keith Ferguson, Eric Bauza, Paget Brewster, Jim Rash, Ben Schwartz, Tony Anselmo, Toks Olagundoye, Marc Evan Jackson, Christopher Diamantopoulos
Duração: 67 min.