Eu não pretendo de forma alguma ser assassinado por um fã maluco/alucinado/esquizofrênico/ensandecido, mas sou obrigado a dizer que as palavras “Dead Inside” – título da faixa de abertura deste Drones – exemplificam perfeitamente o atual estado de espírito do Muse. E se fui sarcástico em minha abordagem inicial é porque creio que a presença e o auxílio do sarcasmo me ajudarão a dedicar meu precioso tempo livre para escrever sobre este álbum sem pensar que eu poderia estar fazendo qualquer outra coisa mais interessante… mas enquanto escrevo isso já começo a pensar em fazer outra coisa mais interessante, então é melhor mudar de assunto, trocar o disco. Puts, “trocar o disco”. Fui infeliz com essa expressão. Infelizmente, não existe essa opção para um pobre crítico. Continuemos neste disco então:
O fato é que, cada vez mais, a banda de Matthew Bellamy se afasta do “sutil e humano” e se aproxima do “barulhento e robótico”. Desculpe-me, mas robôs não provocam nada – e, de acordo com o Dicionário do Bom Senso, como devemos nomear a música que não provoca? Chatice Indubitavelmente Inútil.
De qualquer forma, “Dead Inside” segue como um dos destaques do álbum, o que não deixa de ser preocupante: inicialmente, a canção evoca aquele clima gostoso de “Undisclosed Desires”, de The Resistance, proporcionando-nos uma viagem através do som estilo “frescor anacrônico” (interessante o conceito, não?) dos anos 80, mas ao buscar o clímax ancorada num melodrama barato e insuportável, todo o seu efeito inicial cai por terra: lá está Matthew Bellamy cantando com aquele jeitinho peculiar de quem encontra-se em seu leito de morte (não sou legista, mas posso afirmar com convicção que a causa da morte é alguma coisa na garganta…). Ao fazer isso, inclusive, ele parece não cantar mas sim invocar uma entidade – para qual eu já até dei nome: Dor de Cabeça. Eu a senti, amigos, eu a senti. Quem souber de uma macumba que a desfaça, por favor me avise. Ou apenas traga um disco do Radiohead, acho que já resolve.
“Psycho” tem aquele riff interessante e mais nada. E, juro, simplesmente não consigo parar de rir quando o Bellamy canta os poéticos versos your ass belongs to me now. O fato é que a poesia está ali, sem dúvida, mas o instrumento pelo qual ela é proferida encontra-se totalmente fora de sintonia com o seu lirismo. Creio que a gloriosa Mc Carol, participante ilustre do seriado Lucky Ladies – deem uma conferida, é o máximo – declamaria versos semelhantes de forma mais eloquente e sincera.
(Para os que se irritam com sarcasmo e se recusam a identificar o conteúdo que há por trás dele: o que quero dizer com o parágrafo anterior é que quase nada mais no Muse transborda verdade. Tudo agora na banda parece vir de artificialidade pura… e seguir por esse caminho, indiscriminadamente. A banda virou uma caricatura de si mesma, presa em suas próprias garras. Está mais do que na hora de uma reinvenção, como aquela que o U2 fez quando lançou o extraordinário Achtung Baby em 1991).
Have mercy on me, Muse! Essa “Mercy”, a faixa de número quatro, é uma desgraça completa. Que melodia horrorosa, que rockzinho fajuto. O refrão tenta replicar a grandiosidade do Queen (novidade…), mas só replica a breguice que o próprio Muse adora e já cansou de exercer em discos anteriores. Gostaria imensamente de saber como uma pessoa em sã consciência consegue escutar isso sem ter vontade de se arranhar e subir pelas paredes. Soa como um orgasmo fingido, uma atuação, mas que fique claro: uma atuação do pior (e mais over) ator do mundo. Canastrice sem fim.
“Reapers” é a melhor canção do disco. No entanto, ao pararmos para pensar muito acerca dela e do que a constitui, temos mais uma decepção (e se você não quer mais se decepcionar sugiro que pare de ler esse texto agora mesmo. Aliás, como é que você já chegou até aqui?): seu riff é muito semelhante ao de “In The Still Of The Night”, do Whitesnake e seu refrão parece “Express Yourself”, da Madonna (sim…). Mas tudo bem, nós perdoamos. E sabe por quê? Porque trata-se de uma canção que é capaz de tirarmo-nos de nós; dá vontade de colocá-la pra tocar em casa, no volume máximo, e sair quebrando tudo! – algo semelhante a o que ocorria comigo ao ouvir “Plug In Baby”, do disco Origin Of Symmetry (2001). Isso sim é rock de verdade. Isso é o que esperamos do Muse. Ou não (?).
“The Handler” é repleto das afetações características de Bellamy. E neste ponto do disco o som “maior que a vida” insistente do Muse já começa a soar ultra pedante, no limite do suportável. Os falsetes lembram Jeff Buckley e, por isso mesmo, irritam. Ora, falsetes-chupados-de-Buckley-e-utilizados-para-enfeitar-composições-medíocres é o tipo de coisa que deveria estar listada como crime hediondo no Código Penal da Música. Mas, ah, o riff, mais uma vez, é ótimo.
(Aliás, fica a impressão de que o Muse está se especializando em riffs. A questão é que riffs não fazem canções, e muito menos álbuns. Jimmy Page e o Led Zeppelin, por exemplo, encantaram o mundo com muitas outras facetas além dos riffs marcantes. Ouça “The Rain Song”, do disco Houses of the Holy, de 1973, e você entenderá o que estou falando).
“Defector” (preste bem atenção neste nome, por favor. Isso não pode passar em branco) é mais um caso de VAT – Vergonha Alheia Total no currículo do Muse. E, do ponto de vista da estrutura, é também uma bagunça tremenda. Não compuseram, defecaram ali, meus amigos. E nem venha me falar em Rock Progressivo, porque isto aqui simplesmente não passa no teste. Apesar disso, o riff principal é soberbo: emula tiros sendo disparados furiosamente, no melhor estilo rock n’ roll.
“Revolt” é outra megalomania ridícula. Excessos, mais excessos, mais excessos. Ah, já falei dos excessos? É impressionante como o Matthew Bellamy faz questão de que a gente peça socorro por não aguentar mais a sua entrega – sim, estou começando a usar eufemismos para não parecer um psicopata – vocal.
“Aftermath” é o “momento Elton John” do disco. O problema é que “momento Elton John” sem Elton John… não pode resultar em coisa boa. Aquele final – com o coro e tudo mais – certamente fica com o prêmio de A Coisa Mais Brega do Álbum, e olha que estamos falando de um álbum breguíssimo ao cubo!
… Até que chegamos a “Drones”, a última canção. Feita apenas de várias harmonias vocais, curtinha, e linda! É tão lo-profile e tão delicada e tão sutil que nem parece ser Muse. Aliás, a impressão que dá é a de que enfim “trocamos o disco”. Se Drones fosse todo composto de canções assim, seria maravilhoso. Mas encaremos a realidade:
Os excessos do som da banda e do vocal de Bellamy irritam cada vez mais. O Muse se repete descaradamente e não parece capaz de criar músicas boas e memoráveis de verdade. Eles precisam dos artifícios do brega extremo e do espalhafato caricatural para causar algum efeito. Mas o efeito que causam, ao menos em mim, é de náusea:
Socorro! Meus ouvidos sangram. Uma banda que tinha tudo para ser grande, por ter músicos carismáticos e talentosos – o próprio Bellamy é um virtuose –, se perde em um álbum fraquíssimo e desorientado. É uma pena. O Muse hoje é uma máquina criadora de riffs, mas descuidada em letras, melodias, harmonias e arranjos – coisas que, afinal, apenas quem é humano sabe fazer direito.
Resumindo: o mau gosto do Muse só não se estende aos riffs.
Mas confesso que ao terminar o disco o refrão de uma música em particular tenha ficado na minha cabeça, e ainda pretendo usá-lo num futuro como possível arma de sobrevivência: se alguém algum dia, por algum motivo me fizer ouvir Drones novamente, eu serei obrigado a disparar a arma, apavorado: MEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERCY!!!, MEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEERCY!!!
Ps: e nem me venha falar do “conceito do álbum”. Me recuso a analisar isso aqui com o mesmo interesse com que analisaria Ziggy Stardust And The Spiders From Mars. Primeiro, a música e a emoção. Depois, a embalagem e os efeitos. Menos, Muse. Menos.
Aumenta!: Drones
Diminui!: Mercy + quase todo o resto do álbum.
Minha preferida: Reapers
Drones
Artista: Muse
País: Inglaterra
Lançamento: 5 de junho de 2015
Gravadora: Warner Bros. Records, Helium-3
Estilo: Rock alternativo