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Crítica | Drive (2011)

por Karam
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O Motorista, nosso personagem principal, não fala praticamente nada. Ele permanece misterioso, um homem de poucas e medidas palavras, durante boa parte de Drive. Fica evidente a dificuldade que tem de se relacionar com o mundo externo, e sua própria cabeça é um enigma: não sabemos o que se passa por ela, mas o caráter etéreo do filme parece nos induzir a tentar desvendá-la. Claro, não conseguimos, assim como os demais personagens que o circundam também não conseguem, e isso certamente é uma característica a ser louvada, em meio às várias abordagens rasas e redutoras de personagens da “fábrica” hollywoodiana atual.

A abertura do filme é econômica e eficiente. Estabelece de cara para o espectador a ocupação do personagem principal. Nos é revelado que ele dirige carros de fuga para assaltantes. Sua habilidade é rara, no entanto, ele permanece no anonimato, vivendo uma vida que parece muito emocionante se analisada de cima, com distanciamento, mas que ao ser dissecada através da observação de seu comportamento, suas falas e expressões faciais, revela-se como uma existência maçante, marcada pela desconcertante rotina.

Dito isso, é importante destacar que o roteiro de Drive busca justamente expor essa vida de mesmice, sem se perder em comentários de ordem moral (como seria de se esperar de um filme como esse). Essa exposição é uma característica que o torna um tanto quanto diferente da maioria dos filmes norte-americanos em geral, já que aqui há elementos dispersos do chamado “cinema sensorial”. Acompanhamos a jornada do personagem ao seu lado e, por mais que tenhamos poucas informações de fato sobre o sujeito, estamos juntos dele o tempo todo, testemunhando suas experiências.

No entanto, apesar do tempo ser tratado de uma maneira não-convencional, a estrutura do roteiro é Syd Fieldiana. O roteirista prioriza o personagem principal e o seu arco dramático ao invés de uma história poderosa, sim, mas os chamados Atos e Pontos de Virada são facilmente identificáveis. Percebemos as passagens do primeiro ato para o segundo (Motorista conhece Irene) e do segundo para o terceiro (assalto à loja de penhores) sem maiores dificuldades.

Em termos de conflito, o roteiro lida com a questão do personagem principal, que tem uma vida monótona e que presta serviços sempre à sua maneira fria e pontual. Porém, quando o perigo se aproxima de duas pessoas com as quais ele acaba estabelecendo uma forte conexão, ele se vê na obrigação de interferir, agindo por conta própria – o que enfim provoca uma guinada na história. Fica claro que todo esse conflito foi estruturalmente pensado de forma a contribuir para a concretização do arco dramático do personagem. Concretização essa que incita comparações mais do que justificáveis com Travis Bickle (o insano Robert DeNiro de Taxi Driver).

Com o decorrer do tempo de projeção, constatamos que Irene e seu filho Benicio são personagens-chave, já que propulsionam uma espécie de necessidade de comunicação por parte do Motorista. Dessa forma, eles colaboram com o processo de caracterização do nosso personagem principal. Por mais objetivo que ele continue sendo em suas falas, agora seu comportamento revela um homem desesperado por encontrar alguém a quem ter o que comunicar. Há uma cena em especial que expõe sutilmente a relação de cumplicidade do Motorista com Benício: quando o solitário homem pergunta se pode guardar a bala que um bandido deu ao menino e pediu pra ele não perder, Benício responde com um “está bem” direto, sem pudores. Um atestado de confiança, que contribui para entendermos o que estes personagens secundários representam na vida do Motorista.

No entanto, quando nos aproximamos do final e ouvimos em off o conteúdo de uma carta do Motorista para Irene no qual ele diz que “estar ao seu lado foi a melhor coisa que me aconteceu”, o filme finalmente cai em um território piegas. Trata-se de um diálogo que soa artificial e nem um pouco verossímil saindo da boca de um personagem como aquele, e acaba com a sutileza da relação dos dois, fechando-se em um esquema que representa o que há de mais brega e redundante no cinema hollywoodiano. A incapacidade de falar é o que guia a caracterização do personagem durante todo o filme, assim, quando ele se entrega dessa forma, usando as palavras (suas arquiinimigas) para baixar a guarda e “abrir o coração”, ele se rebaixa ao nível de vários personagens estereotipados e desinteressantes do cinema.

Dessa forma, o conflito e suas ramificações não apresentam nada de inovador ou muito especial. O próprio Motorista se beneficia mais pela empatia de Ryan Gosling do que pela sua caracterização (que passa longe de ser complexa ou desafiadora). Drive é uma variação moderna de Taxi Driver, que tem como força maior a subversão ao tratar de um homem que está o tempo todo em adrenalina, mas que na verdade possui uma vida de mesmice, e a própria adrenalina, justamente por representar para ele um lugar-comum, não o excita.

Drive (Drive) – Estados Unidos, 2011
Direção: Nicolas Winding Refn
Roteiro: Hossein Amini (roteiro), James Sallis (livro)
Elenco: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Albert Brooks, Ron Perlman, Christina Hendricks, Bryan Cranston, Oscar Isaac, Kaden Leos, Jeff Wolfe, Russ Tamblyn, Joe Pingue
Duração: 100 min.

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