Drácula. Muita gente sequer já leu uma página do romance epistolar de Bram Stoker, mas o conhece, haja vista a longa tradição audiovisual do personagem que é um aristocrata húngaro que fala alemão e inglês fluentemente, em viagem para o Reino Unido, interessado na colonização do território ocidental. Com praticamente toda a sua estrutura desenvolvida na Inglaterra, o ponto de partida literário que ainda serve de embasamento para muitos escritores, dramaturgos e demais realizadores culturais contemporâneos começa na Transilvânia, território que na atualidade, compreende parte da Romênia, um espaço visualmente poderoso para o desenvolvimento de narrativas com tom soturno. Lá, o mal e o sobrenatural caminham pelos espaços de penumbra, ambiente selvagemente aterrador, transformado em circuito turístico ao longo do processo de popularização do mito na mídia. Na década de 2010, com o retorno da Múmia e de Frankenstein aos cinemas, não demorou muito para que o vampiro ganhasse novas leituras. Um questionamento, no entanto, se faz para o espectador: narrar a tal história não contada foi algo que valeu a pena? Salvaguardados alguns problemas dramáticos, podemos dizer que sim.
Drácula é um dos personagens mais populares da cultura pop e seu extenso legado deve muito ao cinema, desde os filmes do ciclo de horror da Universal aos pequenos clássicos de estúdios e produtoras menores, constantemente interessados na saga do homem das trevas, sugador de energias por meio do viscoso líquido da vida. Sob a direção de Gary Shore, cineasta que toma como base, o roteiro de Matt Sazana e Burk Sharpless, Drácula: A História Nunca Contada nos apresenta Vlad Tepes (Luke Evans), homem vitimado pelo pacto realizado com uma entidade sobrenatural cavernosa para defender o seu povo e a sua família dos ataques do hegemônico, empoderado e violento exército turco. Aqui, diferente do que conhecemos sobre a história deste tipo em outras incursões cinematográficas, matar é um fardo, algo que não faz parte da índole do herói que tem como foco principal, amar e proteger a sua família,
Ao longo de seus 92 minutos, Drácula: A História Nunca Contada se revela como um drama sentimental sobre o sexo como pacto, estabelecimento de compromisso. Sem a preocupação de analisar aspectos dramáticos mais profundos da trajetória do personagem, talvez por causa da ampla radiografia do mito na cultura moderna, o filme investe bastante tempo de sua estrutura no belicismo amado pelo cinema hollywoodiano, com lutas coreografadas com maestria, adornadas pelos efeitos supervisionados por David Feinsilber, setor que transforma os combates em espetáculos visuais sangrentos e intensos. Estética não é algo para crise nesta versão de Drácula, narrativa que acerta nos figurinos de Ngila Dickson, parte do eficiente design de produção de François Audouy, contemplados pela direção de fotografia assinada por John Schwartzman, aberta para as cenas de abordagem do espaço cenográfico e adequada na movimentação e ajustes dos ângulos baixos para valorizar o perfil visual do icônico vampiro da noite.
Aqui, ao ocupar o lugar de bom garoto, Drácula é o oposto do “outro”, o mal encarnado nas tropas turcas, agrupamento liderado pelo sultão Mehmed (Dominic Cooper), homem cheio de sentimentos de vingança e rejeição, parte do passado que envolve situações biográficas com Vlad Tepes. Quando a figura com postura imperadora exige mil garotos de seu povo, tendo incluso o filho de Tepes com Mirena (Sarah Gadon), Ingeras (Art Parkinson), a crise fica ainda mais acirrada. Com a força concedida pelo vampiro Mestre (Charles Dance), Vlad se torna Drácula e ganha a força sobre-humana que conhecemos, mas para isso, se tornará eternamente um amaldiçoado pelo poder, tendo que atravessar gerações e viver a saga habitual em torno de sua existência eterna. Basicamente, essa é a tal história supostamente “nunca contada” do filme. Um épico turbinado por efeitos visuais deslumbrantes, filtros que tornam a paleta soturna e um ritmo dinâmico próprio para os espectadores interessados em ação, desmembramentos, sangue e glória na tela. E de volta ao questionamento da abertura, sim, Drácula: A História Nunca Contada não é uma obra-prima do cinema, mas vale pelo esforço em apresentar o personagem por meio de outras perspectivas.
Drácula: A História Nunca Contada (Dracula Untold – EUA, 2014)
Direção: Gary Shore
Roteiro: Matt Sazama, Burk Sharpless
Elenco: Luke Evans, Dominic Cooper, Sarah Gadon, Art Parkinson, Charles Dance, Diarmaid Murtagh, Paul Kaye, William Houston
Duração: 92 min.