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Crítica | Drácula 2000

por Leonardo Campos
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Um monstro que suga o sangue de suas vítimas. Maligna, esta criatura é dominante durante a noite, tem aversão aos elementos iconográficos e demais objetos sagrados, tais como cruzes e água benta, sedutor, preocupa-se muito com a aparência para atrair as suas vítimas, mortais transformados em novos vampiros, doadores de sangue que lhe permitem continuar a viver. No geral, são inteligentes e imponentes, intelectualmente superiores aos mortais que contempla muitas vezes com escárnio. Drácula 2000, produzido por Wes Craven e comandado por Patrick Lussier, emula alguns elementos dessa mitologia, traços que não surgiram do nada na cultura, mas fazem parte de uma longa e pomposa tradição de representação. É o amalgama de várias histórias, agrupadas por Bram Stoker quando escreveu Drácula, em 1897, escritor responsável por cristalizar esse imaginário diverso, apropriando-se de todas as características mencionadas, ampliadas ao longo do século XX e da cultura cinematográfica que também inventou, reinventou, hibridizou, em suma, transformou tanto o icônico personagem que no ano 2000, ganhou esta roupagem pop.

Aqui, o vampiro protagonista de Gerard Butler é sexy e um ícone ideal para a cultura do videoclipe, estilo narrativo aplicado ao filme tanto em sua edição e trilha quanto na moldagem dada ao personagem, trajado e enquadrado como um astro pop. Sob a direção de Patrick Lussier, conhecido pelo trabalho de editor não apenas na franquia Pânico, mas em boa parte dos filmes mais recentes de Wes Craven, Drácula 2000 nos apresenta a invasão do personagem na cultura contemporânea, com mitologia conectada ao ícone da traição na história do cristianismo, Judas Iscariotes. O roteiro também assinado por Lussier, numa parceria com Joel Soisson, remete o mito vampiresco para a época da Santa Ceia, dando roupagem diferenciada ao exaurido personagem gótico, trabalhado constantemente na cultura cinematográfica. Tal como a maioria dos exemplares do período, o texto propõe elementos interessantes, mas a execução é problemática. Se levarmos em consideração o resultado de Amaldiçoados, Craven realmente não teve sorte em lidar com os monstros icônicos do terror, isto é, os vampiros e lobisomens. Seu negócio era mesmo o antagonista slasher.

Ele aqui não era o diretor, mas assumiu um posto privilegiado no esquema de produção, por sinal, ressaltado no marketing do filme que se dizia “de Wes Craven”. De volta ao que foi considerado no parágrafo anterior, nenhum problema em Drácula ser pop, ao contrário, é uma alternativa válida de deslocamento estratégico para uma criatura transformada no regente dos festivais de clichês que se tornaram os filmes de vampiros. Como mencionado, a crise é de ordem criativa na condução dos elementos da linguagem cinematográfica. Drácula 2000 é da mesma época que Vampiros, de John Carpenter, Vampiros do Deserto, A Rainha dos Condenados, dentre outros exemplares do segmento, todos semelhantes no que concerne aos seus respectivos desenvolvimentos. Começam com um ponto de partida instigante, estabelecem rumos curiosos para a mitologia em questão, mas falham vertiginosamente na sustentação de seus argumentos. Na trama, M. Van Helsing (Christopher Plummer) é o dono de uma empresa renomada na conservação de antiguidades. Seu empreendimento, no entanto, é apenas uma fachada para as suas reais atividades, dentre elas, esconder Drácula (Gerard Butler), aprisionado há eras já que infelizmente não pode ser aniquilado para sempre.

O conflito se estabelece depois que a sua funcionária Solina (Jennifer Esposito) permite que um grupo de ladrões adentre o recinto e, liderados por Marcus (Omar Epps), roubem algumas preciosidades. Eles não encontram muita coisa do interesse e só conseguem cobiçar o cofre que sequer desconfiam, guarda um monstro complexo e mortal. É lógico que com esse mote, não há outro direcionamento que não seja a abertura do cofre, o despertar de Drácula e o estabelecimento de uma nova ordem vampírica na sociedade, com muitas cenas de ação, sangue, gritos e referências ao cinema de Wes Craven, mestre do terror que aqui ocupa a função de produtor. Diante dos perigos que representam a liberdade de Drácula, Van Helsing segue numa cruzada contra o seu maior inimigo, acompanhado de Simon (Jason Lee Miller), seu ajudante. Além de ter que se preocupar com o “seu monstro”, o personagem também precisa manter a segurança de sua filha Mary (Justine Waddell), jovem que trabalha com Lucy (Colleen Fitzpatrick).  Ainda entra na história a repórter Valerie (Jeri Ryan), uma das mulheres que junto a Solina e Lucy, formarão a homenagem do filme ao lendário universo das noivas de Drácula.

Divertido em algumas passagens, mas pueril demais para um grupo de realizadores que já trabalhou bem outras temáticas no âmbito do terror, Drácula 2000 é visualmente conectado ao estilo MTV de narrar na virada do milênio, isto é, um filme embebido pela cultura do videoclipe, com planos rápidos, sequências dinâmicas, cortes bruscos e constantes e acompanhamento musical pop, como se o vampiro criado por Bram Stoker no desfecho do século XIX fosse uma versão do vampiro Lestat em A Rainha dos Condenados, uma celebridade da sociedade do espetáculo. Em seus 99 minutos, Marco Beltrami, outro parceiro constante da dupla Wes Craven e Patrick Lussier, entrega um trabalho menos interessante que o habitual, acompanhamento musical para as cenas com os efeitos visuais razoáveis da equipe de Erik Henry, recursos também razoáveis, tais como a maquiagem assinada por Christopher K. Grap e a direção de fotografia de Peter Pau, ambos apenas funcionais, sem nenhum elemento artístico memorável. No design de produção, curiosamente temos uma dupla conhecida por trabalhar rotineiramente com David Cronenberg: Carol Spier assina as funções eficientes do setor, juntamente com os figurinos de Denise Cronenberg, adequada na escolha de trajes que contemplem o perfil físico e social de Drácula.

Contemplar essa versão de Drácula faz remeter ao estudo do pesquisador Fernando Monteiro sobre A Modernidade e a Afronta do Vampiro, texto que reflete a natureza do mito em questão como violento e incapaz de compreender a lógica perpetrada em sua conjugação de Eros e Tânatos, vida e morte, comportamento que mescla prazer e crueldade, subversão da ordem e uma aura de superioridade aristocrata, contrária aos pensamento iluminista focado nas luzes e na razão, na contenção do que é dominante e perigoso, ameaçador para fazer parte de nosso convívio. Importante observar, no entanto, que em Drácula 2000, ele desperta numa era já tomada pelos comportamentos subversivos, época dominada pelo tráfico, pelo consumo ainda mais massivo de drogas, pela emancipação feminina ´03mais expressiva que as representações de seu passado, tornando-se hercúlea a tarefa de subverter dentro de um sistema já em caos absoluto. Ademais, apenas para os curiosos, há uma cena com um telefonema e outra com um pesadelo que são bastante associativas aos esquemas narrativos da grife de Wes Craven, referências aos modos de operação dos ataques de Ghostface e Freddy Krueger.

Drácula 2000 (Dracula 2000/Estados Unidos, 2000)
Direção: Patrick Lussier
Roteiro: Joel Soisson, Patrick Lussier
Elenco: Gerard Butler, Christopher Plummer, Jonny Lee Miller, Justine Waddell, Vitamin C, Jennifer Esposito, Omar Epps, Sean Patrick Thomas, Danny Masterson, LochlynMunro, TigFong, Tony Munch, Jeri Ryan, Shane West, Nathan Fillion, Tom Kane, Jonathan Whittaker, Robert Verlaque
Duração: 99 min

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