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Crítica | Dope (2015)

por Ritter Fan
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estrelas 4,5

Dope me pegou de surpresa. Capturou minha atenção desde o primeiro segundo com a narração em off de Forest Whitaker (também produtor) apresentado-nos ao intensamente presente em frente às câmeras Malcolm, jovem estudante e seus amigos inseparáveis de escola Jib e Diggy, em Inglewood, subúrbio de Los Angeles, como uma trinca geek que adora a cultura pop dos anos 90, especialmente o hip-hop e que formam a band punk Oreo nas horas vagas.

Com direção e roteiro de Rick Famuyiwa (de Nossa União, Muita ConfusãoNo Embalo do Amor e The Wood), Dope é uma volta no tempo que captura à perfeição os filmes “de escola” e “de gangue” do começo da década de 90, usando esse artifício para encantar e abordar estereótipos e a rotulação a que somos sujeitos no dia-a-dia. Malcolm tem tudo para ser o jovem pego pelo meio marginal em que vive e transformado em um produto padrão: péssimo aluno, traficante, talvez usuário de drogas. Ou seja, um bandidinho qualquer a que nos acostumamos a ver em filmes dessa categoria estrelando um negro no papel principal.

Mas logo reparamos que há algo de errado ali. O corte de cabelo impecável, as roupas multi-coloridas sempre bem passadas, o inglês quase sem gírias de Malcolm o retira automaticamente daquilo que nosso subconsciente espera de um personagem assim. Não, aquele ali não é um marginal. Não foi abusado quando criança, não usa drogas, não vive nas ruas como um vagabundo. Ele é, pasmem, uma pessoa normal, com as dificuldades normais de um estudante que só tira notas boas e que está prestes a se formar. Ele é apaixonado por uma garota da escola que sabe que não tem muitas chances de conseguir e apenas vive um dia após o outro tendo a perfeita consciência que quer ser mais do que os outros (nós!) esperam que ele seja.

Lógico que, dentro dessa estrutura toda que nos joga em local estranho, que não esperamos, o roteiro traga Malcolm justamente para o clichê do negro traficante a que estamos acostumados para fazer o personagem – e seus amigos – resvalar em um lugar-comum confortável. Mas, então, sorrateiramente, Rick Famuyiwa nos dá uma rasteira novamente e aborda toda a situação complicada em que Malcolm se mete depois de um tiroteio em uma boate que faz com que ele acabe com uma mochila cheia de drogas como um conto-de-fadas da era da internet, com os conhecimentos geek da trinca sendo usados de maneira absolutamente crível (e alguns dizem por aí que muito próximo do que seria a realidade) para se livrar do problema. Com isso, quase que anacronicamente, considerando toda a roupagem noventista da pequena saga saída da cabeça de Famuyiwa, somos levados de maneira light e divertida, mas sem perder a seriedade (deu para entender?), por um submundo tecnológico “malcolmiano” que serve de palco para uma perfeitamente oscarizável atuação de Shameik Moore.

Shameik Moore?

Sim, Shameik Moore. Pode ser que estejamos diante de um ator que viveu aquele personagem único e nunca mais repetirá a façanha como tantos na Sétima Arte, mas tenho para mim que não ou espero fortemente que não. E, mesmo que esse  fosse o caso, cada atuação deveria ser julgada por ela própria e a de Moore, egresso da televisão com apenas um papel secundário em longa para cinema, simplesmente domina as telas com seu jeito simpático, inocente, mas sábio que tem uma curva de aprendizado constante desde o começo fugindo dos bullies da escola até o final em que quebra a quarta parede e nos olha. O ator convence a cada momento e traz uma qualidade atemporal difícil de descrever, perfeita para um filme que se passa quase que em duas épocas diferentes ao mesmo tempo. Um grande achado de Famuyiwa, com certeza.

Mas Moore não está sozinho, pois Tony Revolori como Jib e Kiersey Clemons como Diggy não desapontam. Eles são os clássicos coadjuvantes em uma história fortemente focada em Malcolm e em sua mensagem de inversão de estereótipos, mas o pouco espaço que eles têm em tela, eles utilizam bem, em atuações naturais, confortáveis e críveis.

Se existe um aspecto que me incomodou ao longo da divertida projeção foi o didatismo do roteiro em relação à sua lição. Como disse, Malcolm é tudo aquilo que aprendemos a não esperar de um personagem assim e, como se não bastasse o uso esperto do figurino e dos diálogos para estabelecer a questão, Famuyiwa parece que se viu obrigado a tornar sua mensagem mais do que óbvia, com Malcolm repetidas e explícitas vezes deixando-a clara, com frases que estão lá para “educar” uma plateia que parece ser subestimada pelo diretor/roteirista. Normalmente condeno didatismos dessa natureza, mas, aqui, apesar dos deslizes do roteiro, vejo-os como maneirismos que são compensados por uma excelente atuação e por uma direção esperta que se utiliza do conhecido para nos fazer navegar pelo que não esperamos. E isso tudo banhado em uma trilha sonora de hip-hop que funciona bem para engajar o espectador nas desventuras do trio principal (e olha que este crítico não gosta nada de hip-hop!).

Enfim, Dope é uma refrescante dose de originalidade que surpreenderá o espectador e que merece mais do que o sucesso que amealhou em Sundance e no circuito comercial nos EUA. Merece o reconhecimento de todos, com a correspondente internalização da mensagem e, principalmente, aplausos pela atuação de Moore.

Dope (Idem, EUA – 2015)
Direção: Rick Famuyiwa
Roteiro: Rick Famuyiwa
Elenco: Shameik Moore, Tony Revolori, Kiersey Clemons, Kimberly Elise, Chanel Iman, Tyga, Blake Anderson, Zoë Kravitz, A$AP Rocky
Duração: 103 min.

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