Os anuários de Doctor Who foram interrompidos em 1986 e só voltaram a ser publicados em 1992, sob outro nome (Doctor Who Yearbook) e por outra editora, a Marvel Comics UK. Esta fase, que durou até 1996, teve histórias em quadrinhos em todas as suas edições, e o leitor encontrará críticas para todas elas aqui. Boa leitura a todos!
.
Under Pressure
DW Yearbook 1992
Equipe: 7º Doutor e Ace / 4º Doutor / 3º Doutor e Jo Grant
Espaço-tempo: Reino Unido, anos 70 (UNIT, ano 5)
Como brincar com paradoxos temporais de maneira interessante e fazer com que o Doutor fale consigo mesmo, salvando-lhe a própria vida e dando-lhe material-base para uma ação futura? Esse tipo de situação não é muito fácil de ser desenvolvida porque além de exigir um bom toque de interação entre as encarnações em cena, pede uma história convincente e com força o bastante para exigir ou comportar vários Doutores. E aqui temos três encarnações, três distintas encarnações trabalhando juntas para salvar um navio dos Sea Devils.
Se fosse necessário um resumo temático geral, poderíamos dizer que é uma história do 3º Doutor, contada pelo 7º Doutor e tendo o 4º Doutor como motor da ação. Complicado? Bom, nem tanto. A narrativa começa na TARDIS, com Ace falando consigo mesma, reclamando da bagunça e das “desarrumadas coleções” do Doutor. Alguns quadros depois, o Time Lord entra e discorre sobre o que é falar consigo mesmo: um sinal de loucura ou perigo. Então, ele se lembra de estar em sua 4ª encarnação, em um submarino, e ser ajudado ou ajudar alguém em um navio na superfície, a 3ª encarnação.
A trama funciona na melhor base do paradoxo, que é a das lembranças sendo executadas e marcadas como ações que um dia iriam acontecer, e isso é ainda mais forte em Doctor Who, porque estamos falando de encarnações diferentes e de momentos diferentes da vida da mesma pessoa! Dan Abnett faz um bom trabalho nesse retorno dos quadrinhos de DW aos anuários da série, que também marcavam seu retorno nessa edição de 1992.
Roteiro: Dan Abnett
Arte: Vincent Danks
Arte-final: Cam Smith
Cores: Louise Cassell
.
The Complete Guide to Doctor Who
Sim, porque os artistas de Doctor Who também são zoeiros! Roteiro e arte de Tim Quinn e Dicky Howett.
.
Metamorphosis
DW Yearbook 1993
Equipe: 7º Doutor e Ace
Espaço-tempo: Espaço Sideral, futuro
Essa história poderia muito bem se tornar uma história de terror, daquelas bem assustadoras, com cara de filme B e atmosfera de ficção científica.
Com roteiro de Paul Cornell e arte de Lee Sullivan, Metamorphosis conta uma história de dominação e transformação de fetos humanoides em Daleks! A mutação é a coisa mais bizarra possível e parece bastante com a versão mais atual do ser orgânico que tem dentro da armadura dos Daleks. A cabeça dos bebês permanece e o dorso também, mas ao invés de mãos e pernas, eles têm tentáculos, são verdes, gosmentos e têm cara de mal, algo realmente bizarro e assustador.
A história começa devagar, quase sem muita ambição. A TARDIS pousa em uma nave que está levando embriões para a Terra e o Doutor chega exatamente no momento em que um dos embriões quebra o vidro de sua cápsula e mata um dos membros da tripulação. Era o começo de um pesadelo.
Como é possível ver na foto de estaque da história, Ace está com roupa diferente, uma espécie de uniforme vermelho (mesma cor do paletó do Doutor, por sinal) e parece uma versão feminina do Demolidor, sem a máscara de diabinho, claro. Pra falar a verdade, ela está bastante sexy nessa roupa…
A história quase torpeça no ritmo de andamento final, mas as elipses são alimentadas com alguns quadros de contexto, o que não nos deixa perder um longo tempo narrativo da trama e faz com que tudo se torne perfeitamente plausível dentro da perspectiva adotada no texto.
Roteiro: Paul Cornell
Arte: Lee Sullivan
Cores: Louise Cassell
.
Uma aula de anatomia vilanesca
A edição do Yearbook de 1993 também nos trouxe algumas figurações anatômicas que achei interessante compartilhar com vocês. Seguem os desenhos.
.
.
.
A Religious Experience
DW Yearbook 1994
Equipe: 1º Doutor, Ian, Barbara e Vicki / 7º Doutor
Espaço-tempo: Planeta Seetar, Sistema Malachi
Os eventos dessa história são excelentes e nos fazem lembrar um pouco a experiência religiosa que o Doutor teve ao lado de Ian em Rise and Fall. Mas a cadência aqui é bem mais complexa e com consequências realmente fortes para os nativos do planeta Seetar, onde tudo acontece.
O Doutor está caminhando com Ian por uma pequena baía. Barbara e Vicki estão dormindo na TARDIS. Os dois viajantes conversam e o mais velho se queixa de ter deixado a neta, Susan, no planeta Terra. O questionamento do Time Lord, nesta ocasião, é realmente de pesar e saudade, colocando em dúvida uma ação que ele fez na melhor das intenções mas que agora não lhe parece assim tão sensata.
Após encontrar os nativos e derrotarem/assustarem uma grande minhoca, o Doutor e Ian são levados à tribo dos nativos e tratados como deuses. É como se eles tivessem derrotado o deus anterior e, por serem mais fortes, terem a capacidade de se tornarem os novos deuses. O Doutor acredita que isso é apenas algo natural desse estágio da civilização e que é instinto de um povo nesse contexto de desenvolvimento adorarem e transformarem qualquer coisa inexplicável em deuses. O que eles não esperavam (mesmo que Ian tenha dado indícios disso) é que sacrifícios e adoração cega seriam devotados ao viajantes ao longo dos anos, algo que a breve aparição do 7º Doutor, no final da história, tenda a interromper de uma vez por todas.
A história não só mostra um lado mais sentimental do 1º Doutor, mas também um erro de análise de sua parte e que, ao longo dos anos, fez com que a religião nativa fizesse esculturas e sacrificassem pessoas em seu nome. Há, no roteiro, uma forte crítica ao fanatismo religioso, independente do estágio de desenvolvimento civilizacional em que ele apareça.
Roteiro: Tim Quinn
Arte: John Ridgway
Cores: Chrissie McCormack
.
Rest and Re-Creation
DW Yearbook 1994
Equipe: 4º Doutor e Leela
Espaço-tempo: Planeta Shontaa
Como não gostar de uma história que narra um duelo de honra entre dois Zygons que se metamorfoseiam em uma série de espécies diferentes contidas no Universo? Nem precisaria do Doutor para que a trama fosse no mínimo interessante, mas, claro, com sua presença, ao lado de Leela (que mata um “coitado” de um cão de guarda da nave dos Zygons), as coisas ficam bem mais apimentadas.
O início e o final da história nos mostram que o Doutor e sua companion estavam no planeta apenas para passar uma tarde tranquila, fazendo um piquenique, ouvindo boa música e vendo uma bela paisagem. Mas no meio dessa parada para descanso, o Doutor consegue ver o duelo entre os Zygons e parte para impedi-los.
A história não é nada além disso. Mas sua qualidade é maior que sua simplicidade narrativa. O roteiro consegue deixar claro que a verdadeira atração da aventura é a luta entre os Zygons e que o Doutor estava ali quase em um “papel secundário”, tentando não deixar uma luta — que ele chama de irracional, opinião não compartilhada por Leela — ir adiante. As ilustrações são ótimas e o roteiro tem um pouco do término da aventura anterior (A Religious Experience). A rapidez dos fatos finais e a passagem de um cenário a outro sem grande exploração ao final não diminuem a qualidade geral da história porque os quadros seguintes nos dão uma boa justificativa para o ocorrido e conseguem colocar um bom ponto final em todo o impasse, fechando o ciclo novamente no piquenique e em uma situação de descanso para Leela e o Doutor.
Roteiro: Warwick Gray
Arte: Charlie Adlard
Cores: Helen Nally
.
Doctor Who’s Infamous Moments in History
Mais zoeiras no mundo de Doctor Who! Roteiro e arte de Tim Quinn e Dicky Howett.
.
..
The Naked Flame
DW Yearbook 1995
Equipe: 4º Doutor e Sarah Jane
Espaço-tempo: Planeta Vortis, algum ano entre 20.192 e 20.592
Alguns lugares e vilões de Doctor Who são recorrentes em histórias de TV, quadrinhos, livros, contos e áudios e nós sabemos perfeitamente por quê. Vortis, por incrível que pareça, se tornou um desses lugares, mas por um motivo que jamais entenderei.
O Planeta apareceu pela primeira vez em The Web Planet, uma história horrorosa com vilões e mocinhos horrorosos que se multiplicaram em tramas envolvendo o Doutor ao longo dos anos, a maior parte delas, ruins. No caso dessa presente aventura, temos o 4º Doutor de volta a Vortis, e o que ele encontra é realmente diferente da situação do local na última vez em que esteve lá.
Nesse caso, temos um parasita ancestral, anterior à força Animus e aos Zarbi que escravizaram os Menoptera do local. Esse parasita se escondera após o domínio da força Animus, mas voltou a crescer quando seu “predador” foi derrotado pelo 1º Doutor.
O roteiro aqui segue uma linha boa no início, mas falha em nos fazer acreditar em como o Doutor derrotou o cristal Cylenx e o impasse com os outros Menopteras, especialmente um chamado Versus. O texto ainda traz um ponto interessante sobre discriminação (Jresta é discriminada porque nasceu sem asas), mas a boa parte fica por aí mesmo. Não se trata de uma história ruim, mas de uma história fraca, mais uma para a galeria das que envolvem o Planeta Vortis e seus pesadelos.
Roteiro: Warwick Gray
Arte: Charlie Adlard
Cores: Steve Whitaker
.
Blood Invocation
DW Yearbook 1995
Equipe: 5º Doutor, Tegan e Nyssa
Espaço-tempo: Gallifrey, Era Rassilon
Sério, isso, Paul Cornell? Um Culto Vampírico que acha que Rassilon era um chupador de sangue e pretende transformar Gallifrey e o Universo em um lugar de “seres sombrios”? Sinceramente, essa é uma das histórias mais malucas que eu já li de Doctor Who, e olhem que eu já passei pela prova de fogo de ler os quadrinhos publicados pela TV Comic!
O 5º Doutor é chamado ao seu planeta natal pelo Cardeal Hemal. Um problema sério parece exigir uma atitude mais enérgica, algo que só o Doutor tem a ousadia de levar adiante. O grande problema é que se trata de uma ação vampírica, com todos os erros e efeitos típicos desse modelo de história. Se os membros do culto não fossem Time Lords, os eventos dessa história seriam menos bizarros, até porque sabemos que em Gallifrey existem outras classes sociais e espécies humanoides estranhas (como as mulheres da Irmandade de Karn, por exemplo). Mas… vampiros Time Lords? Sinceramente, não.
A coisa ainda piora quando o “caninos sedentos” que sequestra a TARDIS chega a Londres e morre porque tem contato com a luz. WTF?! Depois de uma série de quadrinhos excelentes ou bons nessa fase dos anuários da série, chegamos a essa aventura simplesmente absurda. Mais uma para a lista “Sr. Silent, por favor, me façar esquecer!“.
Roteiro: Paul Cornell
Arte: John Ridgway
Cores: Paul Vyse
.
Star Beast II
DW Yearbook 1996
Equipe: 4º Doutor
Espaço-tempo: Wrarth Galaxy (tempo indeterminado) e Blackcastle, Inglaterra, 1995
Primeira história do Yearbook de 1996. Como o título sugere, essa aventura é a continuação de uma das primeiras tramas do 4º Doutor na DWM. Ela é bastante medíocre, mas seu significado canônico é grande e impactante. O Doutor está indo em direção a Unicepter IV, com um presente na mão e tudo, atendendo ao convite de casamento de Sharon (bonitinho, não é mesmo?). Ocorre, porém, um erro na TARDIS – nada de novo aqui – e ele vai parar na Terra, em 1995, onde Beep, o Meep, liberto da prisão depois de 15 anos (julgavam-no curado, após acreditarem que ele estava agindo sob forças de uma “estrela negra”), faz uma invasão a um cinema. O Doutor encontra Fudge (o adolescente que vemos com Sharon na primeira história), já adulto e resolve o caso de maneira boba, mas de certa forma inteligente (o paradoxo é legítimo, acreditem). Como disse no início, é uma história medíocre, mas seu significado canônico é bem grande.
Roteiro: Gary Gillatt
Arte: Martin Geraghty
Cores: Paul Vyse
Letras: Elitta Fell
.
Junk-Yard Demon II
DW Yearbook 1996
Equipe: 4º Doutor
Espaço-tempo: Planeta A54, século XXV
Segunda história do Yearbook de 1996. É uma continuação da Junk-Yard Demon, que lemos na DW Magazine, mas com um nível de ação mais intenso e um propósito simples e caótico para o 4º Doutor. Ele chega a essa planeta em emergência, porque a TARDIS está inundada de chocolate. E acaba encontrando um problema local que acaba exigindo sua atuação: um certo comerciante galáctico compra o planeta — que é um ferro-velho espacial — e começa a explorar esse mundo de maneira industrial, o que transforma a vida dos indivíduos que lá viviam um verdadeiro inferno. A história é basicamente o Doutor enfrentando esse Joylove McShane, alguns Cybermen lacaios e outras criaturas manipuladas pelo explorador. O final é meio estranho, mas não a ponto de tornar a acventura ruim. Ela termina com o Doutor fugindo da cena, como se não quisesse mais se envolver com os problemas desses catadores gente boa.
Roteiro: Alan Barnes
Arte: Adrian Salmon
Letras: Peri Godbold