Neste primeiro romance da New Series Adventures protagonizado pelo 15º Doutor, temos uma bagunça tremenda no lugar de um enredo, e a responsável por essa derrapada literária é Georgia Cook, que ameaçou escrever uma ficção histórica ambientada num espaço e tempo interessantíssimos, e simplesmente ignorou a premissa, jogou fora o ouro dramático que tinha em mãos e partiu para um rio de intrigas fraternas que não levaram a lugar algum. No meio do caminho, lidamos com um corre-corre mal escrito do Doutor e Ruby e uma vilã estranha oculta num lago, que aparece do nada, faz uma lista de coisas sem muito propósito contextualizado, tem uma apresentação entediante e termina da forma mais esquecível que se possa imaginar. Como a editoria da BBC Books deixou um negócio desse ganhar a aprovação para ser publicado?
Vale dar o desconto para o fato de que Georgia Cook precisava retratar o Doutor ainda nos primeiros passos de sua linha do tempo, mas isso não é desculpa para uma má organização da história, como ela fez aqui. Falando de organização, não consigo localizar bem esse livro na linha do tempo do 15º Doutor, mas se tivesse que chutar, eu o colocaria logo após O Som do Diabo. Para nossa tristeza, aqui, o Senhor do Tempo ainda cita aquela palhaçada de “mavidade” (que pelo menos até o final da primeira temporada não ganhou sequer uma indicação explicativa, ficando apenas como uma das mudanças/piadas/alteração da realidade canônica — onde diegeticamente os enredos se passam — mais ridículas de toda a existência de Doctor Who). Ou seja, estamos com um 15º Doutor ainda em suas primeiras viagens ao lado de Ruby, e num lugar e tempo que poderiam gerar uma baita trama histórica. Mas não é isso que acontece.
Após um prólogo sem graça e um tantinho confuso e sem contexto para engajar o leitor, passamos para o capítulo inicial da obra, este sim, digno de nota. Vemos aqui uma cena cômica da dupla de viajantes na TARDIS, com Ruby indignada com o gosto do café e o Doutor fazendo observações aleatórias sobre o tema (pelo visto, Georgia Cook não leu o fantástico conto Luzes Apagadas, com o 12º Doutor). A chegada da dupla à “Estônia”, em abril de 1242, me pegou de surpresa. Este é um momento muito bacana da História da Europa, bem no contexto das Cruzadas do Norte. O conflito em questão é a Batalha do Lago Peipus, que opôs a República da Novogárdia (hoje Rússia e partes da Finlândia), liderada por Aleksander Nevsky; e a Ordem Teutônica e Livoniana do Bispado de Dorpat (hoje Estônia) mais o Reino da Dinamarca. A primeira exposição geográfica e emotiva de toda essa realidade até que recebe um bom tratamento da autora nas primeiras páginas de Vermelho Rubi. A chegada de Ranavere Rentara à equipe, minutos depois da materialização da TARDIS, num lago congelado, mais o mistério em torno dessa “valquíria” e suas irmãs raivosas e violentas acendem totalmente a nossa curiosidade.
Uma pena que esses elementos instigantes do começo não permaneçam no desenvolvimento da obra. Até encontramos blocos isolados com boas interações entre os personagens e destacáveis sequências entre o Doutor e Ruby (que protagonizam discussões/brigas legais aqui, numa relação aparentemente mais madura que a da TV) e divertidas cenas de fuga dos “lobos estranhos” ou toda a jornada para a recuperação e bom funcionamento da TARDIS; mas a essência de toda a trama é, em tudo, medíocre. As aparições de Nevski são pouco marcantes (ou seja, uma perda gigantesca de oportunidade para um personagem histórico tão importante) e a The Genetrix é uma vilã pouco palatável que alterna entre manias de perseguição, planos dignos de Pinky e o Cérebro e justificativas rasas para suas atitudes: um conjunto dramático tão insosso que temos dificuldade de acreditar que realmente está no livro. Eu comecei a leitura esperando algo cheio de ação e ameaças intensas (julgando pela capa, claro), mas acabei frustrado e torcendo o nariz para a obra. Um mau começo para o 15º Doutor nos romances da BBC Books.
Doctor Who: Rubi Vermelho (Ruby Red) — Reino Unido, 13 de junho de 2024
BBC New Series Adventures #66
Autora: Georgia Cook
Editora: BBC Books
210 páginas